João
nasceu em uma cultura que não conhecia o chocolate, nunca ouviu falar
dele nem pensava em coisa alguma do gênero. Ele nunca viu um, nem
pensou que pudesse existir tal coisa. Não fazia parte da sua vida.
Então, um dia, Paulo, um estrangeiro, chegou à cidade e lhe ofereceu um
pedaço de chocolate meio amargo. A vida de João mudou: ele descobriu a
delícia do sabor, da consistência, da cor, do aroma do chocolate. Em
sua mente, milhares de novas conexões se formaram e ele ficou curioso.
Queria saber mais, provar mais. Descobriu como se fazia o chocolate
meio amargo e começou a criar variações: ao leite, com frutas, branco…
A
vida de João e de sua cidade mudou. Claro, alguns abusaram do chocolate
e descobriram, a duras penas, os resultados negativos do excesso:
espinhas, diarréia, obesidade, diabetes… Foi preciso estudar mais
sobre o chocolate, estabelecer regras de consumo, descobrir os limites
bons, as melhores variedades etc. Conhecer o chocolate em todas as suas
nuances e variações.
Por outro lado, Paulo, o estrangeiro, vinha
de uma cultura onde se conhecia o chocolate de um modo geral, mas só se
produzia e se consumia o meio amargo. Ele era o único "natural", o
único "bom chocolate". Qualquer outra variedade, especialmente o
chocolate branco, era proibida, considerada moralmente "errada",
"falsa". Quando Paulo era criança, ele consumia chocolate meio amargo,
como qualquer outro menino. Mas, ele se perguntava, "será que não há um
chocolate nem um pouquinho mais doce do que esse?" Quando ele perguntou
sobre isso ao pai, quase apanhou. Para uma criança, até falar sobre
‘outros chocolates’ era ‘anormal’, ‘feio’, quase como falar palavrão.
Paulo
cresceu, mas nunca parou de pensar sobre isso. Se ele pensara em outros
chocolates ainda criança, não era possível que outros também não
tivessem pensado. Ele decidiu pesquisar discretamente. Uma pergunta
aqui, uma piada ali… ele percebia que algumas pessoas riam, outras
desconversavam, outras silenciavam. O desconforto era óbvio.
Aí,
um dia, ele descobriu: existiam, sim, outros tipos de chocolate, mas
eram ‘proibidos’. O ‘pior’ de todos era o chocolate branco. "Dizem que
é doce demais", sussurrou-lhe em segredo um colega da escola. "E a cor
é amarelada, estranha! E se é amarelo, porque chamam de branco?! Isso
não pode ser natural!", disse, indignado, um fervoroso consumidor de
chocolate meio amargo. Paulo perguntava: "Mas, você já viu o tal
chocolate? Tem certeza de que ele é tão estranho assim?" Só a idéia de
alguém já ter visto o ‘chocolate amarelo’ parecia um sacrilégio.
Parecia que ninguém que ele conhecia já tinha visto, sentido o aroma e
muito menos provado o tal horror, mas todos pareciam satisfeitos só em
saber que ele era ruim e manter distância.
Só que, em vez de
satisfazer sua curiosidade sobre o tema polêmico, aquelas afirmações
repetidas à exaustão só deixavam Paulo com mais vontade de, pelo menos,
ver o tal chocolate ruim, sentir seu cheiro – mesmo que ele nunca o
provasse. Por que, afinal, se era tão ruim e estranho assim, bastaria
uma olhada para que Paulo se sentisse enojado e nunca mais quisesse
vê-lo ou saber dele. Paulo até repetiria o que todo mundo lhe falava,
mas seria por conhecimento próprio e não por mera repetição. Paulo não
era um papagaio.
Pesquisando discretamente, Paulo levou anos,
mas acabou descobrindo que não só o tal chocolate lendário existia
mesmo, como era fabricado ali mesmo na sua cidade. Só que tudo
acontecia por trás de portas fechadas, cortinas abaixadas e pouca
iluminação. Chocolaterias "respeitáveis" vendiam o tal chocolate branco
a preços altos, para clientes específicos, indicados por outros. Não
era só uma questão de dinheiro; era preciso conhecer alguém de
confiança que o indicasse. Confiança e segredo eram tudo em um negócio
totalmente ilegal, mas lucrativo. Outras chocolaterias só vendiam o
branco, escondidas, sem licença, tendo que pagar propinas à polícia
para continuar seus negócios.
Paulo logo descobriu que o
negócio do chocolate era muito rentável e que até donos de
chocolaterias "respeitáveis", policiais, religiosos e políticos
consumiam o tal chocolate em segredo, enquanto mantinham uma fachada de
horror e nojo do "doce de cor estranha". Outros, mais pobres,
sustentavam o ‘vício’ como podiam, comendo escondidos em banheiros,
cinemas e bares escuros da periferia. Lugares com pouca segurança,
constatemente atacados pela polícia (que mais pegava dinheiro do que
fazia prisioneiros). Além disso, o chocolate desses lugares podia ser
de origem duvidosa, podia ter outros ingredientes que o tornavam nocivo
à saúde (o que poderia justificar ainda mais o terror que a comunidade
tinha contra ele).
Então, decidido a satisfazer sua curiosidade,
Paulo resolveu entrar no círculo. Ele subornou um policial aqui, obteve
informações ali, até conseguir uma pequena barra de chocolate branco,
que lhe garantiram que era "de boa qualidade, apesar da cor". Ele se
trancou no quarto, abriu o pacote com cuidado, deixou o aroma do
chocolate invadir suas narinas. Estranho, realmente. Doce. Diferente do
chocolate meio amargo, mas ainda assim com similaridades. Parecia ser
da mesma "família", talvez uma variação que tinha sido descoberta há
séculos (talvez na mesma época em que se descobriu o chocolate meio
amargo), mas por alguma razão tinha sido abandonada e tornada "imoral"
pela cultura vigente.
Mesmo curioso, Paulo ainda teve que vencer
uma batalha interna contra um medo que sua criação e toda a sociedade à
sua volta lhe haviam forçado para dentro da mente. Ele não podia deixar
de sentir dúvidas: E se for mesmo ruim? E se me fizer mal? E se me
‘marcar’ de um jeito que todo mundo vai descobrir? Mas, e agora, o que
mais havia a fazer? Jogar fora, depois de ter tido todo aquele trabalho
e gasto todo aquele dinheiro?
Em um gesto quase sem pensar,
Paulo deu uma mordida. O sabor adocicado invadiu sua boca com ainda
mais força do que, minutos antes, o aroma tinha invadido suas narinas.
Ó, nectar divino! Como algo tão bom, tão doce e tão puro em sua
essência, podia ser ruim, negativo, nojento?
Paulo estava
decidido: ia dar um jeito de mostrar ao mundo (ou pelo menos à sua
cidade) que estavam enganados, que o chocolate branco era bom. Mas,
pobre dele! Estava sozinho contra todos. Assim que o viram com o
chocolate branco na mão, seus pais o expulsaram de casa. Ele perdeu o
emprego e a polícia o abordou para ‘averiguações’. Na delegacia, longe
dos olhares da sociedade, policiais que comiam chocolate branco
amarraram Paulo, batiam nele e esfregaram chocolate branco e meio
amargo na cara dele, torturando-o enquanto o xingavam.
Um
religioso invadiu a delegacia e se ofereceu para ‘salvar’ Paulo, com
uma "terapia" que ele garantiu que ‘reconvertia os viciados’ em
chocolate branco ao ‘prazer correto e moral do chocolate meio amargo’.
Paulo, cansado e enfraquecido pelas surras e pela pressão, cedeu por um
tempo, mas logo descobriu que os ‘chocólatras anônimos’ não passavam de
uma fachada, que a tal ‘terapia’ não funcionava e que tudo era parte de
um enorme esquema para manter o chocolate meio amargo como ‘única
opção’. Não se permitia nem que a população soubesse que existiam
outros tipos de chocolate; e quem sabia, ou estava no esquema, ou só
tinha ouvido rumores e boatos exagerados, para perpetuar a mentira.
Então,
Paulo fugiu. Levou o que podia carregar e saiu da cidade. Levou consigo
uma barra de chocolate meio amargo, para ser aceito em cidades vizinhas
sem perguntas. Mas, também levou escondido um pouco de chocolate
branco; nunca se sabe o que se vai encontrar pela frente, afinal de
contas.
Então, Paulo descobriu a cidade de João, onde ninguém
conhecia nenhum chocolate. Meio ressabiado e escaldado das experiências
ruins da sua vida, ele ofereceu primeiro o chocolate meio amargo ao
novo amigo. Qual não foi a sua surpresa ao ver que João, tomado que foi
de alegria pela descoberta do ‘novo sabor’ e de desejo de experimentar
mais, voluntariamente resolveu pesquisar mais sobre outros sabores!
Paulo prontamente resolveu ajudar. Juntos, os dois criaram uma
chocolateria que oferece todos os tipos de chocolate, por perços
razoáveis. Não há ‘submundo’ na cidade de João e tudo é feito e vendido
às claras, bem à vista de todos – e ninguém reclama. Todo mundo tem
liberdade para apreciar qualquer tipo de chocolate.
Claro que,
na cidade natal de Paulo, todos condenam abertamente o fugitivo e a
cidade de João, que não só o acolheu, como permitiu que a sua
‘imoralidade’ se espalhasse. Porém, secretamente, vários moradores
(inclusive autoridades e até alguns ‘chocólatras anônimos’) fazem
‘encomendas especiais’ nas chocolaterias da cidade de João – que agora
também é a cidade de Paulo. E os dois vivem juntos, felizes para sempre.
E aí, em qual cidade você moraria?
Já está sabendo do Salon Du Chocolat que acontece em Salvador em julho? O último evento foi em Paris!! Dê uma olhada: http://www.meuestiloteuestilo.blogspot.com.br/2012/05/salon-du-chocolat-2012-no-centro-de.html
ResponderExcluirUm abraço,