Mesmo sabendo que a
sociedade muda constantemente, às vezes, porém, acreditamos que certas coisas
demoram um pouco mais para serem modificadas. E esse pensamento também era
alimentado por mim, no que se refere a alguns temas, geralmente os polêmicos. Entretanto,
numa curta viajem de ônibus, feita há pouco, percebi que tal premissa não é
totalmente verdadeira. Na ocasião, vi pela janela duas garotas, de
aproximadamente 6 e 7 anos de idade, vestidas, maquiadas e requebrando o esqueleto
como duas mulheres adultas, ao som de um dos muitos funks que estão na mídia
atualmente. De cara, lembrei direto da minha infância e senti uma saudade
danada. Senti saudades da época em que Xuxa fazia sucesso, com suas
brincadeiras e músicas lúdicas e, ao mesmo tempo, senti pena das duas garotas. Elas,
bem como outras crianças da mesma faixa de idade, não tiveram e talvez não
tenham a oportunidade de serem crianças de verdade, mas sim protótipos adultos,
inconscientes dos riscos que correm.
Quem não sente saudade
da infância? Poucos são aqueles que irão dizer que não, pois a maioria de nós
nutre uma imensa nostalgia dessa linda época de nossas vidas. De fato, é
inegável não desejar isso, pois a vida de adulto, com seus problemas e responsabilidades,
não é nada atraente. Mesmo assim, não sei se a geração de hoje manterá esse
sentimento nostálgico quando chegar à maturidade. Falo isso porque a atmosfera
infantil mudou de forma drástica ao ponto de, precocemente, antecipar a
maioridade de crianças e adolescentes. Enquanto isso, no passado, este não muito
distante, nossos infantes brincavam e cantavam as coisas mais simples da sua
faixa etária. Agora, porém, eles são seduzidos por uma infinidade de
brincadeiras, jogos e músicas que, muitas vezes, não respeitam a pouca idade
desses indivíduos. O resultado dessa maturação antecipada já é sentido de
várias formas, sobretudo na formação humana desses futuros cidadãos.
É nesse momento que a
lembrança dos programas infantis do passado ganha força. Balão Mágico, Castelo
Ratimbum, Sítio do Pica Pau Amarelo, Xou da Xuxa, Vovó Mafalda, dentre outros,
exerciam uma tremenda influência positiva na educação pueril. As canções tinham
como foco o aprendizado de coisas uteis as crianças. Conhecer as primeiras
letras e os números estava dentro desse repertório. Os quadros apresentados em
cada programa mantinham também essa mesma linha. Por outro lado, as músicas não
se resumiam apenas a questões didáticas. A fantasia, a magia, o imaginário eram
cantarolados por lindas letras que até hoje são lembradas com saudosismo por
muitos adultos. “Atirei o pau no gato”, “uni-duni-tê”, “lua de cristal” são
bons exemplos de canções desse tipo. Hoje não se vê mais esse trabalho lúdico,
porque os menores são facilmente atraídos pelos ritmos do momento, que nem
sempre contém um vocabulário apropriado para a idade deles.
E os programas da
atualidade, que tentam manter uma tradição infantil, lutam contra essas
transformações sociais para levar o melhor para os pequeninos do outro lado. Mesmo
assim, são infestados de desenhos animados, na maioria violentos, para tentar
manter a audiência desejada. Sem contar que o horário da programação é
demasiadamente reduzido para dar espaço a programas de auditório, de culinária,
de qualquer coisa, menos de algo voltado para criança. Este descaso se dá porque
a inocência de outrora, se não morreu, está prestes a falecer. Não só porque
faltam investimentos das mídias televisivas nesse sentido, mas porque há uma
carência de pessoas desejosas a trabalhar exclusivamente com esses pequenos
seres. Entre os poucos que ainda permanecem incansáveis, Xuxa é um bom exemplo.
“É bom estar com você, brincar com você. Deixar correr solto o que a
gente quiser [...]”. Essa frase da música Doce Mel, a qual embalava a chegada
de Xuxa todas as manhãs descendo de sua luminosa nave espacial, com certeza
marcou a infância de muita gente. Ela que, sem dúvidas, foi e ainda é a maior
referência quando o assunto em voga destina-se a temática infantil. Mesmo com
as polêmicas nutridas ao longo da carreira, é indiscutível não pontuar o legado
da menina alta, loira, magra, de olhos extremamente azuis e com voz de criança,
que encantou a todos em meados dos anos 80 e 90. Como uma verdadeira aparição,
Xuxa hipnotizava indivíduos de faixas etárias diversas, principalmente as
crianças. De sua geração, ela também serviu de modelo para outras
apresentadoras como Angélica e Eliana, ambas com trabalhos semelhantes ao da
Rainha dos Baixinhos. Acontece que enquanto as outras sucumbiram a outros tipos
de programas, Xuxa continua ligada ao seu passado infanto-juvenil. O incessante
trabalho Xuxa Só Para Baixinhos, já está na 12° edição com imenso sucesso. E
isso acontece porque muitos adultos, preocupados com o que seus filhos andam
brincando e ouvindo, optam por um material mais lúdico, do qual a fase da
criança, com sua inegável incipiência, seja respeitada.
“Tá na hora, tá na hora. Tá na hora de brincar [...]”. Cantava a
apresentadora aos seus inúmeros fãs. Ao ouvir tal letra, de fato, dá uma
vontade de voltar a ser criança e se deixar levar pelo universo dela. Pular corda,
ou amarelinha, soltar pipa, correr, brincar de pique-esconde, de casinha, estas
eram as brincadeiras mais marcantes desse período. É evidente que tais
atividades não desapareceram da atmosfera infantil. Há muitos que brincam dessa
forma, porém, devido a diversas mudanças tecnológicas, essas elas foram
paulatinamente substituídas. Agora a internet, com a suas redes sociais e uma
infinidade de outras coisas, tolhe o direito da criança de ser ela mesma, hipnotizando
esses pequeninos cada vez mais cedo. Percebemos isso com a febre dos vídeos games
tanto online quanto offline. Também com as salas de bate papo, onde crianças,
sem o devido acompanhamento de um adulto, são levadas a uma sexualidade precoce,
muitas vezes ocasionando traumas futuros. Sem contar que o computador
substituiu a rua e com ela as atividades lúdicas mais saudáveis para essa fase
da vida. O reflexo disso é sentido em jovens frustrados emocionalmente,
estressados, rebeldes e muitas vezes sedentários.
Enquanto a sociedade
fica inerte a tudo isso, muitos meninos e meninas são maturados precocemente e
não enxergamos os perigos disso. De um lado, meninas de salto alto, maquiagem
pesada e roupas extremamente extravagantes. Do outro, meninos cada vez mais
rebeldes, violentos e muitas vezes indisciplinados. Tudo isso porque não
viveram plenamente a infância como crianças, mas como mini projetos de adultos,
testados de forma errônea e preparados da mesma maneira. Por essa razão, sinto
falta de Xuxa, ou de outra Xuxa, e desejaria que as crianças de hoje tivessem a
oportunidade que eu tive, bem como outros da minha geração tiveram, de serem
crianças. Talvez assim, os males da juventude e da maioridade, que insistem em
manchar de vermelho as páginas dos jornais, ganhasse outra tonalidade. Porém,
para que isso ocorra, pais, educadores, apresentadores e a sociedade em geral
devem trabalhar juntos em prol desse grupo. A infância é muito rápida, então, é
bom ser moleque enquanto puder.
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