Adoro finais de ano. Presentes, planos, festas, tudo me cai
bem. Mesmo a correria e as aglomerações que incomodam tanta gente, a mim
agradam. Fico com a sensação de estar vivendo um período extraordinário. É como
se o ano todo se condensasse em meia dúzia de dias, carregados de urgência e de
expectativa. Uma parte de mim volta a viver sentimentos de criança. Talvez seja
isso, na verdade, que explique o meu contentamento: ele deve ser uma
manifestação secreta de nostalgia.
Ao lado desse sentimento familiar, tem aparecido, nos
últimos finais de ano, uma sensação inteiramente nova – a de que é preciso
fazer planos. Com a corrida final para o Ano Novo, começo a ser invadido pelo
sentimento de que é imperativo, de alguma forma, planejar o ano seguinte, mesmo
que seja em linhas gerais. Uma pergunta complexa – o que eu quero para mim? –
se esgueira sob a porta nesses dias e se instala no meio da minha sala. Exige
que eu lide com ela.
Até recentemente eu não sentia isso. Sempre tive a sensação
de que a vida era um grande improviso e que planejar era uma forma de trapaça.
Não gostava, e ainda tendo a não gostar, de artificialidades, e o planejamento
me parecia uma delas. Meu lema no amor e na vida era que as coisas tinham de
acontecer com naturalidade. Olhava com uma ponta de desdém para as pessoas
minuciosas que se obstinavam em arquitetar a conquista de coisas, posições e
pessoas. Sentia que elas não tinham entendido a essência espontânea da vida,
que eu já captara.
Como eu disse, essa sensação mudou.
Embora eu continue acreditando que as coisas que nos dizem
respeito acontecem com naturalidade – não por uma questão de destino, mas sim
por afinidade e talento – fui obrigado a admitir que a vida às vezes requer um
empurrãozinho. Mesmo as coisas que nos cabem requerem esforço e planejamento.
Antes de fazer planos, porém, é preciso responder àquela
pergunta difícil: o que eu desejo para mim? Quando a gente tem 20 anos não
sente que precisa respondê-la. Há tanta coisa acontecendo, são tantas as
novidades que escolher parece quase uma estupidez. A gente quer tudo e pronto.
Aos 40 anos não é mais assim. Aos 50, escolher torna-se inevitável, mas, ainda
então, muitos não conseguiram responder à pergunta essencial: o que eu desejo
para mim?
Outro dia eu fui ver um show de
fado, o primeiro da minha vida. A cantora era uma jovem portuguesa chamada
Carminho. Ela era linda, cantava com tamanha intensidade, eu me emocionei como
não acontecia há muito tempo. Fiquei lá, sentado no escuro, cheio de
sentimentos exaltados, enquanto ela falava de saudades, lágrimas, amor. Saí do
espetáculo amolecido e feliz. Por alguns momentos, enquanto eu guiava de volta
para casa, tive a sensação de que quase tudo estava em seu lugar – e que eu
sabia, perfeitamente, o que era necessário mudar, e como fazê-lo.
Com essa historieta pessoal, tento dizer que as emoções
fazem parte do nosso processo de escolha. Descobrir o que fazer da vida, ou o
que se deseja dela, não é o mesmo que resolver um problema matemático. Precisamos
da luz dos nossos sentimentos para nos guiar. Vendo e ouvindo a cantora de fado
eu consegui, por momentos fugazes, mas essenciais, refazer a ligação com o
adolescente que eu era. Ele decidiu quem o homem adulto seria. Essa trilha de
emoção que voltou para trás é a mesma que levará para frente. No meu caso, uma
trilha essencial de identidade que tem a ver com personalidade, família,
geração, classe, bairro... Para descobrir o que eu desejo, foi preciso me
lembrar do que eu queria quando tudo começou. A cantora de fado me pôs no
caminho.
Quando 2013 começar, portanto, pretendo estar pronto, ou
quase. Com alguns planos, pelo menos. Sabendo mais ou menos em que direção eu
quero ir. Feliz pela possibilidade de começar de novo. Contente com o fato de que
o caminho à frente responde aos anseios do garoto que eu já fui. Disposto a
fazer força e empurrar para que as coisas aconteçam. Sabendo que não é mais
possível fazer tudo. Tendo a certeza, sobretudo, de que não adianta ficar
parado, esperando. A vida não nos espera.
Visto na: Época
Nenhum comentário:
Postar um comentário