19 janeiro 2015

O plano cobre - por Silvia Pilz



ATENÇÃO:

Humor cáustico perde a graça quando precisa ser explicado. Falhei. Poucos se divertiram e muitos se ofenderam. A intenção não era essa. Leia o texto e deixe seu recado nos comentários.
Todo pobre tem problema de pressão. Seja real ou imaginário. É uma coisa impressionante. E todos têm fascinação por aferir [verificar] a pressão constantemente. Pobre desmaia em velório, tem queda ou pico de pressão. Em churrascos, não. Atualmente, com as facilidades que os planos de saúde oferecem, fazer exames tornou-se um programa sofisticado. Hemograma completo, chapa do pulmão, ressonância magnética, ultra de bexiga cheia. Acontece que o pobre - normalmente - alega que se não tomar café da manhã tem queda de pressão. 
Como o hemograma completo exige jejum de 8 ou 12 horas, o pobre, sempre bem arrumado, chega bem cedo no laboratório, pega sua senha, já suando de emoção [uma mistura de medo e prazer, como se estivesse entrando pela primeira vez em um avião] e fica obcecado pelo lanchinho que o laboratório oferece gratuitamente depois da coleta. Deve ser o ambiente. Piso brilhante de porcelanato, ar condicionado, TV ligada na Globo, pessoas uniformizadas. O pobre provavelmente se sente em um cenário de novela.
Normalmente, se arruma para ir a consultas médicas e aos laboratórios. É comum ver crianças e bebês com laçarotes enormes na cabeça e tênis da GAP sentados no colo de suas mães de cabelos lisos [porque atualmente, no Brasil, não existem mais pessoas de cabelos cacheados] e barriga marcada na camiseta agarrada.
O pobre quer ter uma doença. Problema na tireoide, por exemplo, está na moda. É quase chique. Outro dia assisti a um programa da Globo, chamado Bem-Estar. Interessantíssimo. Parece um programa infantil. A apresentadora cola coisas em um painel, separando o que faz bem e o que faz mal dependendo do caso que esteja sendo discutido. O caso normalmente é a dúvida de algum pobre. Coisas do tipo "tenho cisto no ovário e quero saber se posso engravidar". Porque a grande preocupação do pobre é procriar. O programa é educativo, chega a ser divertido.
Voltando ao exame de sangue, vale lembrar que todo pobre fica tonto depois de tirar o sangue. Evita trabalhar naquele dia. Faz drama, fica de cama.
Eu acho que o sonho de muitos pobres é ter nódulos. O avanço da medicina - que me amedronta a cada dia porque eu não quero viver 120 anos  - conquistou o coração dos financeiramente prejudicados. É uma espécie de glamourização da doença. Faz o exame, espera o resultado, reza para que o nódulo não seja cancerígeno. Conta para a família inteira, mostra a cicatriz da cirurgia.
Acho que não conheço nenhuma empregada doméstica que esteja sempre com atacada da ciática [nervo ciático inflamado]. Ah! Eles também têm colesterol [colesterol alto] e alegam "estar com o sistema nervoso" quando o médico se atreve a dizer que o problema pode ser emocional.
O que me fascina é que o interesse deles é o diagnóstico. 
O tratamento é secundário, apesar deles também apresentarem certo fascínio pelos genéricos.
Mesmo "com colesterol" continuam comendo pastel de camarão com catupiry [não existe um pobre na face da terra que não seja fascinado por camarão] e, no final de semana, todo mundo enche a cara no churrasco ao som de "deixar a vida me levar, vida leva eu" debaixo de um calor de 48 graus.
Pressão: 12 por 8
Como são felizes. Babo de inveja.
ATENÇÃO:
Humor cáustico perde a graça quando precisa ser explicado. Falhei. Poucos se divertiram e muitos se ofenderam. A intenção não era essa.
 Visto no: O GLOBO

4 comentários:

  1. O texto engraçado, são situações que vemos a toda hora. E que atire a primeira pedra quem nunca se deparou com pessoas assim. Esse linchamento facebookiano que a jornalista sofreu é pura hipocrisia. Há quem se alimente da miséria humana externando sentimentos de compaixão e piedade. Esses que gritam contra a Silvia Pilz, que posam de bonzinhos em defesa dos fracos, sem que tenham sido convocados para isso, apenas reforçam a condição de incapacitado de seus protegidos. Ao se colocarem como defensores dos menos capacitados, esses paladinos da justiça tomam para si o direito exclusivo de julgar o que é bom e o que é mau, como se qualquer um de nós, que se enxergasse em uma das situações descritas no artigo, não pudesse gargalhar de si próprio sem a tutela daqueles que se julgam "os esclarecidos".

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  2. Eu sou pobre e não gosto de camarão kakakaka

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  3. Olha, só disse verdades. Tem uma parte da minha família que é exatamente assim. Adoram ficar doentes, adoram postar selfie no hospital... Fazem um estardalhaço por qualquer dorzinha, gostam muito de dizer que estão com isso ou aquilo e, claro, se você demonstra que o problema deles não é nada de mais, ficam brabos. Chinelagem.

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