Com a chegada das
festividades de final de ano, o mundo todo se prepara para cumprir um mar de
tradições que ocorrem nesse período, tradições estas que podem variar
sutilmente de uma cultura para outra. No entanto, há entre muitas delas certas
peculiaridades, as quais merecem ser destacadas: o nascimento do menino Jesus,
a aparição do “bom velhinho”, popularmente conhecido como Papai Noel, e o
incontrolável desejo de presentear amigos e parentes. Acontece que por causa
desta última, muitas pessoas perdem a noção da verdadeira essência dessa época,
a qual não está simplesmente limitada na compulsória necessidade de dar um
presente a alguém ou receber deste, mas de ser e de estar presente na vida
daquele alguém que se quer presentear ou ser presenteado. Para ser mais claro,
nessa sociedade mercadológica onde tudo se vende e tudo se compra, chegamos ao
ponto de comprar também sentimentos como alegria, contentamento, prazeres que
são personificados em brindes causando a ilusão de que os objetos podem
substituir a falta de atenção, de carinho, de respeito, dentre tantos outros
sentimentos que são trocados e esquecidos nessa época.
Mesmo sendo um período
de confraternização, não podemos nos esquecer da superficialidade das relações
existentes em muitos lares. Casais vivendo relacionamentos de aparente
convivência, uma vez que o amor conjugal deixou de existir há muito tempo.
Filhos que não se entendem com seus pais, ora pela quase inerente rebeldia da
idade, ora pela falta de uma educação que prime pelo respeito aos mais velhos.
Idosos abandonados em casas de repouso, clínicas geriátricas ou esquecidos em
suas residências aos cuidados de serviçais, (para aqueles que podem pagar por
isso), ambientalizam o cenário de descaso de muitas famílias. Porém, cumprimos
o papel midiático de comprar uma bela árvore, fazer uma estonteante ceia e
ornamentar lindamente nossas casas, quando na verdade toda essa fartura acaba
não preenchendo o vazio que sentimos dentro da nossa residência. Nem os
presentes dados nem os recebidos são suficientes, portanto, para sanar a
carência afetiva desses lares, pois as mentiras que são vendidas em forma de
objetos não conseguem enganar as verdades dentro de cada um de nós.
Entre as relações de
amizade também não há muita diferença. É no fim de ano que os amigos sumidos
aparecem, seja para matar a saudade, seja para ganhar aquele presente. Muitos
deles mantêm contatos superficiais, já que a distância impede muitas vezes que
se intensifique o companheirismo entre eles. A falsidade se faz presente entre
muitos “amigos” que se enganam em abraços fingidos e beijos similares ao de
Judas, quando o que sustenta tais relações é o interesse, a inveja, a cobiça,
desejos nocivos de pessoas vampiras que só convivem com as outras para extrair
delas a sua energia vital. Todavia, nessa época o presente que damos serve para
resgatar uma amizade distante, a qual talvez nem exista mais, ou para firmar um
contato doentio entre indivíduos que vivem numa relação de predatismo mútuo.
Essa convivência manifesta-se na escola, no trabalho, com o vizinho que achamos
que conhecemos, e em vários outros ambientes onde compramos a amizade com caros
presentes, perpetuando relações que fogem da esfera afetiva e adentram na
comercial.
O que falar então da
contradição que os presentes exercem na nossa sociedade. Quando a mídia se
utiliza desse artifício para idealizar um final de ano feliz, ela esquece, e
nos faz esquecer, que muitas pessoas não podem pagar por nem sequer uma
lembrancinha de Natal, nem tão pouco contar com uma mesa farta durante a ceia
de ano novo. Ou seja, enquanto gastamos por tabela para abarrotar a base da
nossa árvore do consumismo, alguns indivíduos passarão o fim de ano com fome,
ou se servindo das migalhas que podem conquistar com o suor do seu trabalho.
Isso quando não estão submersos na marginalidade, a qual não dá perspectiva de
mudança, mas de um futuro incerto que possivelmente os levará a morte.
Entretanto, o que importa é presentar e ser presenteado, é ter a mesa
abastecida de guloseimas, mesmo que pessoas como nós não possam desfrutar das
mesmas regalias. Na realidade, nesse ato há outra contradição desse período, a
falta de compaixão. Estamos tão preocupados com o nosso bem estar e de nossos
parentes consanguíneos que nos esquecemos de ofertar um final de ano
maravilhoso para aquele morador de rua, o menor abandonado, os humildes
trabalhadores das grandes cidades e das áreas rurais, dentre tantos outros irmãos
que lutam para alimentar suas famílias nesse período.
E essa relação
paradoxal continua imperceptível aos nossos olhos. Desejamos o amor, mas não
amamos o nosso semelhante. Prosperidade, porém, nem ligamos para a falta de
perspectiva de alguns. Saúde, quando na verdade pouco nos preocupamos com o estado
dos muitos doentes. Queremos respeito, mas não respeitamos o próximo nem as
suas diferenças. Falamos em união, porém na prática somos egoístas, mesquinhos,
e intolerantes, sentimentos estes que brotam da individualidade do consumo, o
qual não se preocupa com o coletivo, mas sim com o bem estar unitário.
Almejamos a felicidade, contudo poucos são aqueles que querem ver o sorriso
alegre daquelas pessoas que estão mergulhadas na tristeza por motivos diversos.
Desejamos a paz, mas semeamos a guerra entre as pessoas, seja por sua cor,
raça, sexualidade ou condição social. Em outras palavras, de nada vale proferir
para outrem palavras belas, quando o coração não corresponde ao que se diz.
Então, não devemos
comprar a felicidade do outro com presentes, pois estes não vão salvar relações
fragilizadas ou que nem sequer existem. O verdadeiro espírito de final de ano
não pode ser comprado. Devemos fazer um balanço do ano que passou e nos
policiarmos, para que nossos erros possam ser corrigidos e nossos acertos
possam ser melhorados no ano que se inicia. Além disso, é sempre bom pensar no
outro, na sociedade, e em todos aqueles que estão passando por algum problema,
pois ajudar o próximo, mesmo que mentalmente, ajuda a construir uma atmosfera
positiva para essas pessoas que estão em desarmonia com a vida. Não podemos
blindar nossa vista com as cores do Natal, nem tão pouco ofuscá-la com os
meteóricos fogos do réveillon, quando muitos semelhantes vagam no labirinto da
escuridão. O verdadeiro presente desse período, portanto, é desejar um pouco de
conforto nos corações e na vida de muitas pessoas que vivem sob o prisma da
desesperança.