26 dezembro 2012


Com a chegada das festividades de final de ano, o mundo todo se prepara para cumprir um mar de tradições que ocorrem nesse período, tradições estas que podem variar sutilmente de uma cultura para outra. No entanto, há entre muitas delas certas peculiaridades, as quais merecem ser destacadas: o nascimento do menino Jesus, a aparição do “bom velhinho”, popularmente conhecido como Papai Noel, e o incontrolável desejo de presentear amigos e parentes. Acontece que por causa desta última, muitas pessoas perdem a noção da verdadeira essência dessa época, a qual não está simplesmente limitada na compulsória necessidade de dar um presente a alguém ou receber deste, mas de ser e de estar presente na vida daquele alguém que se quer presentear ou ser presenteado. Para ser mais claro, nessa sociedade mercadológica onde tudo se vende e tudo se compra, chegamos ao ponto de comprar também sentimentos como alegria, contentamento, prazeres que são personificados em brindes causando a ilusão de que os objetos podem substituir a falta de atenção, de carinho, de respeito, dentre tantos outros sentimentos que são trocados e esquecidos nessa época.

Mesmo sendo um período de confraternização, não podemos nos esquecer da superficialidade das relações existentes em muitos lares. Casais vivendo relacionamentos de aparente convivência, uma vez que o amor conjugal deixou de existir há muito tempo. Filhos que não se entendem com seus pais, ora pela quase inerente rebeldia da idade, ora pela falta de uma educação que prime pelo respeito aos mais velhos. Idosos abandonados em casas de repouso, clínicas geriátricas ou esquecidos em suas residências aos cuidados de serviçais, (para aqueles que podem pagar por isso), ambientalizam o cenário de descaso de muitas famílias. Porém, cumprimos o papel midiático de comprar uma bela árvore, fazer uma estonteante ceia e ornamentar lindamente nossas casas, quando na verdade toda essa fartura acaba não preenchendo o vazio que sentimos dentro da nossa residência. Nem os presentes dados nem os recebidos são suficientes, portanto, para sanar a carência afetiva desses lares, pois as mentiras que são vendidas em forma de objetos não conseguem enganar as verdades dentro de cada um de nós.

Entre as relações de amizade também não há muita diferença. É no fim de ano que os amigos sumidos aparecem, seja para matar a saudade, seja para ganhar aquele presente. Muitos deles mantêm contatos superficiais, já que a distância impede muitas vezes que se intensifique o companheirismo entre eles. A falsidade se faz presente entre muitos “amigos” que se enganam em abraços fingidos e beijos similares ao de Judas, quando o que sustenta tais relações é o interesse, a inveja, a cobiça, desejos nocivos de pessoas vampiras que só convivem com as outras para extrair delas a sua energia vital. Todavia, nessa época o presente que damos serve para resgatar uma amizade distante, a qual talvez nem exista mais, ou para firmar um contato doentio entre indivíduos que vivem numa relação de predatismo mútuo. Essa convivência manifesta-se na escola, no trabalho, com o vizinho que achamos que conhecemos, e em vários outros ambientes onde compramos a amizade com caros presentes, perpetuando relações que fogem da esfera afetiva e adentram na comercial.

O que falar então da contradição que os presentes exercem na nossa sociedade. Quando a mídia se utiliza desse artifício para idealizar um final de ano feliz, ela esquece, e nos faz esquecer, que muitas pessoas não podem pagar por nem sequer uma lembrancinha de Natal, nem tão pouco contar com uma mesa farta durante a ceia de ano novo. Ou seja, enquanto gastamos por tabela para abarrotar a base da nossa árvore do consumismo, alguns indivíduos passarão o fim de ano com fome, ou se servindo das migalhas que podem conquistar com o suor do seu trabalho. Isso quando não estão submersos na marginalidade, a qual não dá perspectiva de mudança, mas de um futuro incerto que possivelmente os levará a morte. Entretanto, o que importa é presentar e ser presenteado, é ter a mesa abastecida de guloseimas, mesmo que pessoas como nós não possam desfrutar das mesmas regalias. Na realidade, nesse ato há outra contradição desse período, a falta de compaixão. Estamos tão preocupados com o nosso bem estar e de nossos parentes consanguíneos que nos esquecemos de ofertar um final de ano maravilhoso para aquele morador de rua, o menor abandonado, os humildes trabalhadores das grandes cidades e das áreas rurais, dentre tantos outros irmãos que lutam para alimentar suas famílias nesse período.

E essa relação paradoxal continua imperceptível aos nossos olhos. Desejamos o amor, mas não amamos o nosso semelhante. Prosperidade, porém, nem ligamos para a falta de perspectiva de alguns. Saúde, quando na verdade pouco nos preocupamos com o estado dos muitos doentes. Queremos respeito, mas não respeitamos o próximo nem as suas diferenças. Falamos em união, porém na prática somos egoístas, mesquinhos, e intolerantes, sentimentos estes que brotam da individualidade do consumo, o qual não se preocupa com o coletivo, mas sim com o bem estar unitário. Almejamos a felicidade, contudo poucos são aqueles que querem ver o sorriso alegre daquelas pessoas que estão mergulhadas na tristeza por motivos diversos. Desejamos a paz, mas semeamos a guerra entre as pessoas, seja por sua cor, raça, sexualidade ou condição social. Em outras palavras, de nada vale proferir para outrem palavras belas, quando o coração não corresponde ao que se diz.

Então, não devemos comprar a felicidade do outro com presentes, pois estes não vão salvar relações fragilizadas ou que nem sequer existem. O verdadeiro espírito de final de ano não pode ser comprado. Devemos fazer um balanço do ano que passou e nos policiarmos, para que nossos erros possam ser corrigidos e nossos acertos possam ser melhorados no ano que se inicia. Além disso, é sempre bom pensar no outro, na sociedade, e em todos aqueles que estão passando por algum problema, pois ajudar o próximo, mesmo que mentalmente, ajuda a construir uma atmosfera positiva para essas pessoas que estão em desarmonia com a vida. Não podemos blindar nossa vista com as cores do Natal, nem tão pouco ofuscá-la com os meteóricos fogos do réveillon, quando muitos semelhantes vagam no labirinto da escuridão. O verdadeiro presente desse período, portanto, é desejar um pouco de conforto nos corações e na vida de muitas pessoas que vivem sob o prisma da desesperança.

Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.


"As coisas são como são.
Não adianta discutir, nem espernear. 
Porém, há sempre um lado que sempre nos esquecemos de notar por estarmos acostumados a sempre manter o foco das coisas. 
Por estarmos sempre habituados a seguir o curso natural do que sempre nos mostraram ser o correto caminho a trilhar. 
Por não perceber a aleatoriedade de todas as variáveis que descrevem esse caminhar nosso. 
Aí é que se encontra o “match point”, que deveríamos estar mais habituados a perceber. 
Tudo que a vida nos reserva está oculto dentro de pequenas porções de opções... Que não percebemos em primeira instância ou preferimos fingir que não vimos.
Essa é a pilhéria da vida. 
Às vezes cômica. 
Por outras vezes mais, sarcástica; 
e, frequentemente, ofensiva. 
Mas tudo isto é opcional!
A grande questão é que uma opção se torna realmente “a opção” quando se vivencia um momento cujo status é de criticidade. Quando já saturamos a alma tentando recompor uma imensa teia e já não se sabe onde se deu o início de tudo. E acabamos por pensar em deixar inacabado aquilo que já existe pelo cansativo infortúnio da tentativa.
Mas, dentro da opção do penoso refazer, há sempre um adendo, algo à parte, uma escolha de renovar aquilo que ali já está. 
Não é necessário recompor, é suficiente reinventar, é necessário encontrar outro ponto de início e facilitar o caminho; dar a este caminho a oportunidade de desvendar suas benesses. 
Sabem-se lá quais serão as novas opções que poderão surgir...
Aqui, do meu ponto crítico, eu escolho a opção de transformar, recriar... De reinventar aquilo que é meu. 
Aonde essa opção vai me levar? Vai saber... Mas, dessa vez, sou eu quem fará pilhéria das opções óbvias da vida."



Pergunta-me com muita seriedade uma moça jornalista qual é o meu maior desejo para o ano de 1950. E a resposta natural é dizer-lhe que desejo muita paz, prosperidade pública e particular para todos, saúde e dinheiro aqui em casa. Que mais há para dizer?
Mas a verdade, a verdade verdadeira que eu falar não posso, aquilo que representa o real desejo do meu coração, seria abrir os braços para o mundo, olhar para ele bem de frente e lhe dizer na cara: Te dana!
Sim te dana, mundo velho. Ao planeta com todos os seus homens e bichos, ao continente, ao país, ao Estado, à cidade, à população, aos parentes, amigos e conhecidos: danem-se! Danem-se que eu não ligo, vou pra longe me esquecer de tudo, vou a Pasárgada ou a qualquer outro lugar, vou-me embora, mudo de nome e paradeiro, quero ver quem é que me acha.
Isso que eu queria. Chegar junto do homem que eu amo e dizer para ele: Te dana, meu bem! Dora em vante pode fazer o que entender, pode ir, pode voltar, pode pagar dançarinas, pode fazer serenatas, rolar de borco pelas calçadas, pode jogar futebol, entrar na linha de Quimbanda, pode amar e desamar, pode tudo, que eu não ligo!
Chegar junto ao respeitável público e comunicar-lhe: Danai-vos, respeitável público. Acabou-se a adulação, não me importo mais com as vossas reações, do que gostais e do que não gostais; nutro a maior indiferença pelos vossos apupos e os vossos aplausos e sou incapaz de estirar um dedo para acariciar os vossos sentimentos. Ide baixar noutro centro, respeitável público, e não amoleis o escriba que de vós se libertou!
Chegar junto da pátria e dizer o mesmo: o doce, o suavíssimo, o libérrimo te dana. Que me importo contigo, pátria? Que cresças ou aumentes, que sofras de inundação ou de seca, que vendas café ou compres ervilhas de lata, que simules eleições ou engulas golpes? Elege quem tu quiseres, o voto é teu, o lombo é teu. Queres de novo a espora e o chicote do peão gordo que se fez teu ginete? Ou queres o manhoso mineiro ou o paulista de olho fundo? Escolhe à vontade - que me importa o comandante se o navio não é meu? A casa é tua, serve-te, pátria, que pátria não tenho mais.
Dizer te dana ao dinheiro, ao bom nome, ao respeito, à amizade e ao amor. Desprezar parentela, irmãos, tios, primos e cunhados, desprezar o sangue e os laços afins, me sentir como filho de oco de pau, sem compromissos nem afetos.
Me deitar numa rede branca armada debaixo da jaqueira, ficar balançando devagar para espantar o calor, roer castanha de caju confeitada sem receio de engordar, e ouvir na vitrolinha portátil todos os discos de Noel Rosa, com Araci e Marília Batista. Depois abrir sobre o rosto o último romance policial de Agatha Christie e dormir docemente ao mormaço.
Mas não faço. Queria tanto, mas não faço. O inquieto coração que ama e se assusta e se acha responsável pelo céu e pela terra, o insolente coração não deixa. De que serve, pois, aspirar à liberdade? O miserável coração nasceu cativo e só no cativeiro pode viver. O que ele deseja é mesmo servidão e intranqüilidade: quer reverenciar, quer ajudar, quer vigiar, quer se romper todo. Tem que espreitar os desejos do amado, e lhe fazer as quatro vontades, e atormentá-lo com cuidados e bendizer os seus caprichos; e dessa submissão e cegueira tira a sua única felicidade.
Tem que cuidar do mundo e vigiar o mundo, e gritar os seus brados de alarme que ninguém escuta e chorar com antecedência as desgraças previsíveis e carpir junto com os demais as desgraças acontecidas; não que o mundo lhe agradeça nem saiba sequer que esse estúpido coração existe. Mas essa é a outra servidão do amor em que ele se compraz - o misterioso sentimento de fraternidade que não acha nenhuma China demasiado longe, nenhum negro demasiado negro, nenhum ente demasiado estranho para o seu lado sentir e gemer e se saber seu irmão.
E tem o pai morto e a mãe viva, tão poderosos ambos, cada um na sua solidão estranha, tão longe dos nossos braços.
E tem a pátria que é coisa que ninguém explica, e tem o Ceará, valha-me Nossa Senhora, tem o velho pedaço de chão sertanejo que é meu, pois meu pai o deixou para mim como o seu pai já lho deixara e várias gerações antes de nós, passaram assim de pai a filho.
E tem a casa feita pela nossa mão, toda caiada de branco e com janelas azuis, tem os cachorros e as roseiras.
E tem o sangue que é mais grosso que a água e ata laços que ninguém desata, e não adianta pensar nem dizer que o sangue não importa, porque importa mesmo. E tem os amigos que são os irmãos adotivos, tão amados uns quanto os outros.
E tem o respeitável público que há vinte anos nos atura e lê, e em geral entende e aceita, e escreve e pede providências e colabora no que pode. E tem que se ganhar o dinheiro, e tem que se pagar imposto para possuir a terra e a casa e os bichos e as plantas; e tem que se cumprir os horários, e aceitar o trabalho, e cuidar da comida e da cama. E há que se ter medo dos soldados, e respeito pela autoridade, e paciência em dia de eleição. Há que ter coragem para continuar vivendo, tem que se pensar no dia de amanhã, embora uma coisa obscura nos diga teimosamente lá dentro que o dia de amanhã, se a gente o deixasse em paz, se cuidaria sozinho, tal como o de ontem se cuidou.
E assim, em vez da bela liberdade, da solidão e da música, a triste alma tem mesmo é que se debater nos cuidados, vigiar e amar, e acompanhar medrosa e impotente a loucura geral, o suicídio geral. E adular o público e os amigos e mentir sempre que for preciso e jamais se dedicar a si própria e aos seus desejos secretos.
Prisão de sete portas, cada uma com sete fechaduras, trancadas com sete chaves, por que lutar contra as tuas grades?
O único desabafo é descobrir o mísero coração dentro do peito, sacudi-lo um pouco e botar na boca toda a amargura do cativeiro sem remédio, antes de o apostrofar: Te dana, coração, te dana!




Adoro finais de ano. Presentes, planos, festas, tudo me cai bem. Mesmo a correria e as aglomerações que incomodam tanta gente, a mim agradam. Fico com a sensação de estar vivendo um período extraordinário. É como se o ano todo se condensasse em meia dúzia de dias, carregados de urgência e de expectativa. Uma parte de mim volta a viver sentimentos de criança. Talvez seja isso, na verdade, que explique o meu contentamento: ele deve ser uma manifestação secreta de nostalgia.

Ao lado desse sentimento familiar, tem aparecido, nos últimos finais de ano, uma sensação inteiramente nova – a de que é preciso fazer planos. Com a corrida final para o Ano Novo, começo a ser invadido pelo sentimento de que é imperativo, de alguma forma, planejar o ano seguinte, mesmo que seja em linhas gerais. Uma pergunta complexa – o que eu quero para mim? – se esgueira sob a porta nesses dias e se instala no meio da minha sala. Exige que eu lide com ela.

Até recentemente eu não sentia isso. Sempre tive a sensação de que a vida era um grande improviso e que planejar era uma forma de trapaça. Não gostava, e ainda tendo a não gostar, de artificialidades, e o planejamento me parecia uma delas. Meu lema no amor e na vida era que as coisas tinham de acontecer com naturalidade. Olhava com uma ponta de desdém para as pessoas minuciosas que se obstinavam em arquitetar a conquista de coisas, posições e pessoas. Sentia que elas não tinham entendido a essência espontânea da vida, que eu já captara.

Como eu disse, essa sensação mudou.

Embora eu continue acreditando que as coisas que nos dizem respeito acontecem com naturalidade – não por uma questão de destino, mas sim por afinidade e talento – fui obrigado a admitir que a vida às vezes requer um empurrãozinho. Mesmo as coisas que nos cabem requerem esforço e planejamento.

Antes de fazer planos, porém, é preciso responder àquela pergunta difícil: o que eu desejo para mim? Quando a gente tem 20 anos não sente que precisa respondê-la. Há tanta coisa acontecendo, são tantas as novidades que escolher parece quase uma estupidez. A gente quer tudo e pronto. Aos 40 anos não é mais assim. Aos 50, escolher torna-se inevitável, mas, ainda então, muitos não conseguiram responder à pergunta essencial: o que eu desejo para mim?

Outro dia eu fui ver um show de fado, o primeiro da minha vida. A cantora era uma jovem portuguesa chamada Carminho. Ela era linda, cantava com tamanha intensidade, eu me emocionei como não acontecia há muito tempo. Fiquei lá, sentado no escuro, cheio de sentimentos exaltados, enquanto ela falava de saudades, lágrimas, amor. Saí do espetáculo amolecido e feliz. Por alguns momentos, enquanto eu guiava de volta para casa, tive a sensação de que quase tudo estava em seu lugar – e que eu sabia, perfeitamente, o que era necessário mudar, e como fazê-lo.

Com essa historieta pessoal, tento dizer que as emoções fazem parte do nosso processo de escolha. Descobrir o que fazer da vida, ou o que se deseja dela, não é o mesmo que resolver um problema matemático. Precisamos da luz dos nossos sentimentos para nos guiar. Vendo e ouvindo a cantora de fado eu consegui, por momentos fugazes, mas essenciais, refazer a ligação com o adolescente que eu era. Ele decidiu quem o homem adulto seria. Essa trilha de emoção que voltou para trás é a mesma que levará para frente. No meu caso, uma trilha essencial de identidade que tem a ver com personalidade, família, geração, classe, bairro... Para descobrir o que eu desejo, foi preciso me lembrar do que eu queria quando tudo começou. A cantora de fado me pôs no caminho.

Quando 2013 começar, portanto, pretendo estar pronto, ou quase. Com alguns planos, pelo menos. Sabendo mais ou menos em que direção eu quero ir. Feliz pela possibilidade de começar de novo. Contente com o fato de que o caminho à frente responde aos anseios do garoto que eu já fui. Disposto a fazer força e empurrar para que as coisas aconteçam. Sabendo que não é mais possível fazer tudo. Tendo a certeza, sobretudo, de que não adianta ficar parado, esperando. A vida não nos espera.



Visto na: Época

16 dezembro 2012



Ontem conversando com o amigo sobre sexo e as atraentes variações deste tema, ele começou a me confidenciar que estava a um bom tempo sem um parceiro fixo e, consequentemente sem praticar sexo. Curioso, perguntei como ele se virava nos momentos de desespero, quando a vontade de transar surgia de forma avassaladora. Ele prontamente me disse que além da masturbação, tradicional entre os homens, buscava em determinados ambientes os meios de canalizar a sua carência sexual com garotos de programa, e nesse momento ele proferiu a seguinte frase: “não busco relações afetivas, apenas prazer rápido e prático”. Dessa premissa, meu cérebro tratou de traçar alguns silogismos sobre tal máxima. Ora, será que o sexo, mesmo aquele que é feito por dinheiro, não há prazer? Até que ponto a atmosfera da prostituição consegue fingir orgasmos ao ponto de levar seus clientes ao êxtase sexual? E outras perguntas começaram a fervilhar no cadeirão da minha mente, a qual rapidamente elaborou uma resposta para isso: não há sexo por dinheiro. Na verdade, o que há é a inaceitação dos nossos prazeres e a comercialização da liberdade de externá-los.

Nesta sociedade do consumo, onde somos abrigados a viver e seguir determinados padrões, não é de se admirar que as vendagens vão além da esfera dos objetos inanimados. Vendemos hoje corpos e dele extraímos o prazer necessário para suprir nossas carências mais profundas. O mercado da prostituição, por exemplo, exerce muito bem esse papel, já que regularmente e com total desprendimento vem prestando seus serviços a pessoas que buscam em bordeis, puteiros, saunas, ruas, dentre outros ambientes onde a luxúria pode reinar absoluta, a satisfação necessária da qual só o dinheiro é capaz de comprar. No entanto, dando outro enfoque para tal questão, acredito que nem sempre se vende o corpo por necessidades econômicas, mas sim por um ato de transgressão, o qual tentar romper com o que está preestabelecido e trazer à tona aquilo que de fato todos nós somos: animais selvagens, irracionais e altamente carentes quando o assunto é sexo. O preço por essa liberdade, porém, é alto, capaz até de aprisionar inconscientemente todos os envolvidos nesse calabouço e com eles os seus instintos mais lascivos.

Numa explicação mais direta, a nossa sociedade aprendeu que não se pode exteriorizar os prazeres que sentimos, pois tal ato pode ser visto de forma pecaminosa pela nossa tradição religiosa, a qual tem encarcerado os nossos prazeres sexuais, penitenciando aqueles que transgridam as regras. Desta acepção também surge à ideia das relações monogâmicas e, consequentemente o repúdio pelas relações extraconjugais. Nesse meio, então, o sexo é sentenciado a ser praticado em quatro paredes e das formas mais convencionais possíveis, estas, (pré)estabelecidas por um sistema de moral e bons costumes vigilantes. Acontece que o ser humano não conseguiu com isso conter a selvageria natural da própria espécie quando o assunto é sexo. Por isso que buscamos a liberdade que nos falta, neste sentido, nos prostíbulos fechados ou aqueles que estão abertos, expostos em ruas e avenidas das grandes cidades. Neles há o que de fato somos: seres instintivos, desnudados dos falsos moralismos e em busca de uma cópula que nos dê o prazer que nos foi, e ainda é, roubado por essa sociedade que educa e vê o sexo como tabu.

Por isso que o número de homens casados e “héteros” que procuram nas prostitutas, garotos de programa e travestis uma válvula de escape sexual não para de crescer e nunca irá parar. As mulheres também têm buscado novas companhias fora das relações conjugais, visto que hoje elas se sentem mais seguras para exteriorizar suas fantasias e se realizarem sexualmente. E isso não deveria ser visto como promiscuidade, uma vez que o que esses seres humanos querem é ser livres para gozar literalmente de suas preferências sexuais sem o crivo do preconceito social hipócrita que guilhotina a vida alheia durante o dia, mas no cair da noite se esbalda nas mesmas práticas ou em outras realmente imorais e depreciativas a espécie humana. Na realidade, não estou querendo defender a prostituição nem torná-la aceitável aos olhos dos outros. Apenas acredito que a visão pejorativa que temos dela é uma mera ilusão criada por uma educação sexista que nos furtou o direito da plena liberdade sexual, construindo, então, seres zumbis, capazes de qualquer coisa, até pagar por algo que não tem preço.

Por isso que o mercado do sexo é um dos mais milionários do mundo, porque a indústria pornográfica, sabendo dessa lacuna criada pela própria sociedade, trata rapidamente de criar inúmeros atrativos para, no mínimo, diminuir as carências humanas neste sentido. Então, filmes pornôs, sex shoppings, sites, casas de massagem etc., brotam como verdadeiras ervas daninhas entre o roseiral ilusório germinado por aqueles que insistem em anular o que não pode e nunca será anulado, os desejos humanos. O problema é que a comercialização do sexo dá a impressão de que estamos comprando prazer, como se este fosse algo novo, diferente e que só em ambientes específicos e com pessoas diferentes nossos fetiches serão plenamente realizados. O que não é verdade, pois a satisfação sexual sempre existiu, mas entrincheiramo-la com uma barreira armada de ideologias tortas. Desse modo, nos enganamos com a ideia da compra do sexo, como se este fosse um objeto pronto para o consumo, quando na verdade ele pode e deve ser “consumido” sem qualquer cifrão.

Daí a minha tese de que a prostituição tem uma extrema importância para nós, pois ela nos diz quem de fato somos na hora da cama. Não falo da prostituição econômica, a qual obriga menores de idade e outros indivíduos e ingressar nesse mundo. Falo daquela que é feita por livre arbítrio e que satisfaz os desejos de homens e mulheres diversos, os quais transgridem as normas prescritas por essa educação conservadora impelida pela sociedade e vão à busca da felicidade sexual deles, a qual pode incluir chicotes, mordaças, homens e mulheres fantasiados, travestis ou garotos de programa e até mesmo troca de casais, por que não?! A prostituição, portanto, configura-se como a desconstrução dessa redoma hipócrita que criamos em torno do sexo, ao ponto de externar as nossas fragilidades sobre esse assunto e como somos animais quando estamos transando. Pena que para realizar nossos anseios sexuais, temos que pagar a putas, michês e outros profissionais do sexo, quando seria muito mais fácil aceitar a nossa condição natural de animais que precisam copular, livres de qualquer preconceito ou condenação capaz de encarcerar algo tão gostoso quanto o sexo.

A modernidade nos deixou como herança um enorme desenvolvimento tecnológico, possivelmente em função do investimento tecnicista dirigido aos alunos que apresentavam alto desempenho, mas nos deixou também um absurdo caos social, que deve resultar, entre outras coisas, do descaso com relação aos distraídos, desobedientes, impulsivos, mal vestidos.

O sonho do mundo moderno terminou por desabar sobre nossas cabeças, em forma de violência, aquecimento global, fome. A sociedade moderna, com seus projetos de futuro, acabou não beneficiando de fato ninguém, e desmorona em consequência de sua própria exaustão: diante da violência em grande escala e da iminência de desastres ecológicos, todos somos iguais.

Mas o simples fracasso deste modelo moderno de sociedade, que nos prometeu um futuro ordenado pela ciência, não significa que resultará uma sociedade menos desigual e mais justa. Mas, como a tecnologia produziu rachaduras irreversíveis no modo como a sociedade se organizava, uma brecha sem dúvida se abriu, um ponto de vazão, capaz de fazer ruir relações e conceitos opressivos, permitindo uma nova configuração de forças, e gerando novos acordos. Mas, para isso, precisamos ter coragem de rever valores e modelos, e o mais difícil talvez seja encarar o quanto obsoletos estão nossos saberes. Precisamos rever o modo como estruturamos nosso conhecimento, nosso pensamento, nossa educação. 

É lugar comum, em nossos dias, apontar a educação como a saída para os impasses que vivemos. Mas será que a educação pode mesmo dar conta desta enorme expectativa? Segundo o cientista da educação Rui Canário, da Universidade de Lisboa, a imaturidade política e social que nos caracteriza é proporcional ao grau de escolarização de nossa sociedade. Quanto mais uma sociedade se escolariza, quanto mais coloca suas crianças na escola, mais esta sociedade produz imaturos políticos e sociais, e os responsáveis por isso são, entre outras coisas, a excessiva fragmentação dos saberes e o isolamento da escola.  

Influenciada, por um lado, pela industrialização que chegava, e, por outro, pelo regime militar que passou a vigorar no Brasil, nossa escola foi se estruturando como uma linha de montagem, um modo de produção que fragmentou o trabalho humano, tendo em vista o aumento da produtividade. A hiper-especialidade, o ensino voltado ao “científico”, movido pela euforia tecnicista, as inúmeras aulas de 50 minutos, sem conexão entre si, sem contexto ─ nos levaram a uma sociedade que desaprendeu o valor do todo, do global, do complexo.

E nos tornamos especialistas cada vez mais fragmentados, desvinculados das grandes questões humanas, sociais, planetárias. E vamos vivendo acoplados a uma parcela tão pequena da realidade que chegamos a esquecer quem somos, o que buscamos. Se, por um lado, a fragmentação do ensino respondia à necessidade de produzir uma educação “em massa”, por outro, atendia à fundamentação ideológica do novo regime, avesso à reflexão e à crítica, como mostram as denominações que ainda hoje usamos: grade curricular, disciplina, prova.

Com tudo isso, fomos formando pessoas cada vez mais segmentadas, incapazes de responder às grandes questões, e que hoje vivem em um mundo que as obriga a dar conta de temas cada vez mais complexos, como o destino do planeta, a internet, a globalização.

“Há uma inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro, realidades ou problemas cada vez mais transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários.”
Edgard Morin

Assistimos ao nascimento de um novo modelo de mundo, sem grandes valores fixos e eixos centrais, mas fundado em diversas conexões, formando uma imensa rede sem centro, composta de uma infinidade de jogos e saberes, que se aglutinam e se afastam, que se estendem. Na era tecnológica, a verdade, a certeza, a estabilidade, o princípio, a causa, tão caras à ciência, se tornaram sinônimo de nada, perderam o valor, mas, se estes grandes valores, que tanto já nos oprimiram, desabaram, talvez a urgência seja exatamente de um novo olhar, um novo posicionamento com relação ao mundo, nascido de uma nova correlação de forças, de novas avaliações e novos valores. E isto exige pessoas inteiras, capazes de olhar o mundo, as situações, como um todo, ao mesmo tempo em que são capazes de neles se localizar de forma singular, própria.

É muito difícil falar sobre este universo que nasce, tentar imaginar qual será a estrutura gramatical capaz de dar conta destes infinitos discursos. Mas precisamos admitir que os meios não são mais os mesmos, hoje vivemos em rede. A palavra mais pronunciada é, provavelmente, conexão, ou link. Mas nós, professores, alunos, pais, continuamos apertando botões na linha de montagem de uma fábrica em extinção. Torna-se, portanto, urgente reconstruir o modo como estruturamos nossos saberes; a escola, começando pela universidade, precisa rever seus modelos. E, para isto, é imprescindível enfrentar o problema da fragmentação dos saberes, de uma escola desvinculada do contexto social, ambiental, cultural, político.

A escola deve ser um corpo vivo. E deve envolver também os espaços públicos e as festividades, deve ir aos concertos, as exposições de arte, aos museus e bibliotecas, aos centros de pesquisa, as reservas ambientais, enfim, a escola deve ir à cidade. E a cidade deve se preparar para recebê-las, construindo espaços de convivência e de relação, e assumindo seu papel no processo educativo, ao invés de lavar as mãos, enquanto isola jovens e crianças em escolas, que mais se parecem a presídios de alunos. E espera cidadania quando oferece exclusão.

Torna-se urgente retomarmos a difícil complexidade que é viver, pensar, criar, conhecer; todas as coisas se relacionam, não há nada realmente isolado, cada gesto produz desdobramentos incalculáveis; um saber, uma escola, uma pessoa não existe sem um contexto: talvez este seja o aprendizado social, a maturidade política que precisamos, para impedir que as coisas, de uma vez por todas, implodam.

Viviane Mosé
Filósofa



EXTRAORDINÁRIO!

O vídeo abaixo é uma crítica ferrenha a nós que vivemos nesse mundo muitas vezes insensível chamado internet, o qual tem criado relações engessadas, vazias, repleto de pessoas carentes vagando por entre outras na mesma situação.

O vídeo também trata da problemática da desumanização das pessoas e na formação cibernética destas, como meros ships andantes, codificados a realizar funções mecanizadas. 

Então, se você quiser realmente saber até que ponto você está ligado no mundo real, sugiro que veja este vídeo e depois deixe uma opinião sobre ele...tenho certeza que você irá se surpreender tanto quanto eu me surpreendi!

Depois deste vídeo eu ou ficar mais ON para a vida e mais OFF para coisas fúteis na net...


A vampirofilia de nosso tempo requer reflexão. Se as edições do clássico Drácula de Bram Stokerdisputam espaço nas estantes das livrarias com os vampiros de Laurell Kaye Hamilton, se o cinema que produziu Nosferatu de Murnau não se constrange com Drácula 2000, e se até mesmo séries de televisão e novelas surgem para agradar o gosto das massas sedentas por quem ameace sugar-lhes o sangue, é porque a imagem do herói predador cumpre uma função simbólica e imaginária fundamental. Certa paciência e alguma pipoca tornam fácil verificar que a história da representação de vampiros diz mais do ser humano do que sobre os próprios vampiros que, como qualquer mito, nascem da projeção humana.

A reflexão filosófica é uma espécie de pensamento que se pensa enquanto pensando sobre uma imagem. Guarda, portanto, a ideia de um espelho. Pensar nos vampiros tor-na-se um desafio interessante, pois um vampiro seria o impensável. Vejamos como. Uma das características destes personagens ficcionais é a de não refletirem em espelhos. Se vampiros não refletem é porque não podem virar imagens. Escapam assim de serem representações. Que não apareçam no espelho tem a ver com a ideia de que seriam em si mesmos e não mera imagem que se representa e que, portanto, possui uma interface projetiva como qualquer criação humana. A ficção do vampiro camufla seu personagem pelo metailusionismo de seu próprio conceito, sustentado no paradoxo do personagem cuja ficção onde ele é criado evita ela mesma que ele apareça como a ficção que ele de fato é. Ilude, assim, que ele seria o ápice de uma realidade e não, como costumamos pensar, a irrealidade. A ficção do vampiro mostra-nos que a irrealidade pertence a nós, a seres humanos que precisam inventar sentidos refletindo-se no espelho, representando-se portanto, para crerem em uma imagem que lhes dê garantia de existência. O vampiro não seria como um ser humano, mas, fruto da projeção humana, seria aquele que já encontrou um sentido inalcançável ao humano, pois ultrapassou o limite da morte.

E se o vampiro não pode aparecer no espelho é porque ele mesmo já é espelho. Aquele para o qual olhamos para saber quem somos. Assim é que o vampiro faz parte de uma espécie de máquina antropológica que diz e desdiz o que é um ser humano e funda assim desde sua performance estética até seu modo de comportar-se. Ela define também quem pode viver e quem pode morrer.

Anômalo
Esta máquina constrói e desconstrói a identidade humana apresentando novas modalidades de vampiros. Assim como podemos dizer que vivemos em tempos pós-humanos desde que a história como atividade narrativa do passado está em crise, podemos também pensar que nossos tempos são para pós-vampiros. Os vampiros “vegetarianos” da série Crepúsculo, da escritora americana Stephenie Meyer, mostram muito bem a condição pós-vampírica do ser assassino e sedento no qual o ser humano projetou o seu desejo de sugar o sangue e, assim, a vida do outro. Seres humanos amam vampiros por puro amor a si mesmos. A ideia é um pouco bizarra, mas vale a pena ser analisada para que se entenda a função contemporânea do mito na chave do narcisimo contemporâneo. Enquanto o vampiro de Stephanie Meyer como que diz “sou vampiro, mas gostaria de ser humano”, o ser humano, que adora esta frase na boca de um vampiro, poderia muito bem dizer “sou humano, mas gostaria de ser vampiro”. O personagem ajuda o ser humano a encontrar outro papel. Como projeção, a ideia vem dizer que há um vampiro em nós como desejo de ser vampiro e há em nosso vampiro interno uma culpa que nos faz querer ser humanos. A relação entre Edward Cullen, o lindo protagonista deCrepúsculo, e a esquiva Bella é exatamente esta.

O casal encanta sua geração porque mostra nele a realização de um ideal relativo ao desejo humano que jovens no limbo existencial gostariam de realizar. O vampiro se humaniza ao não atacar a moça, a moça sem preconceitos – e, claro, perdida de amores pelo superpartido que ele é – vê no vampiro a chance de se tornar vampira. Na delicada Bella vemos a nós mesmos, que, ainda humanos, não valorizamos a vida simplesmente humana que o vampiro valoriza, mas muito mais o amor e a promessa de eternidade que ele vem oferecer. O casal é o paradigma do modo como adolescentes compreendem hoje o amor. Ou gostariam de compreendê-lo. Não é exagerado dizer que Edward é o espelho de uma geração que teria no amor a ideia do reconhecimento recíproco. Ele é muito menos um vampiro do que um adolescente em conflito com a sua própria natureza. Ele é muito mais um ser humano que se entende como anormal, o portador de uma “anomalia” inscrita em seu corpo e não em seu desejo. Ele é, ainda que em seu estilo shopping center, um elogio da diferença. Rendido de sua anormalidade pelo amor de uma adolescente que não o vê enquanto monstro, ele recebe o reconhecimento como reconciliação com sua natureza. A dimensão conflituosa da existência de Edward permite pensar uma inversão: ele está inscrito na condição humana. Sua namorada inscrever-se-á na condição vampira. Nestes tempos pós-humanos o sucesso dos vampiros está em que nunca fomos tão próximos, por meio deles, de nossa própria natureza.

O gelo da paixão 
Nada mais exato para explicar a paixão do que um vampiro e seu radical poder predatório. Render-nos-emos a ele pelo simples fato de que ele representa a coisa à qual alguém se rende. A própria terminologia da palavra pathos afirma o poder de algo externo ao qual alguém é sujeitado. Estar apaixonado é estar capturado pelo outro. Na paixão sou presa do sentido do outro, o sentido que ele me oferece por ser portador de um sentido maior do que o meu. Ele tem a garantia para toda a minha angústia narcisista, para toda a falta que posso sentir em minha vida enquanto sou um ser romântico, que é sempre vítima em potencial. O vampiro só ataca um romântico, quem inseguramente vive a condição existencial como espera por complemento, ou por companhia. Para alguém que vive a partir de uma falha relativa à própria existência seria impossível não apaixonar-se pelo resgate existencial que o vampiro vem trazer.

Daí que o vampiro seja um misto de Hermes, um mensageiro, e de Prometeu acorrentado. Vem informar ao ser humano sua dimensão divina ao se deixar levar pelo amor que apenas um “doce vampiro” pode representar. Vem ensinar que o amor é coisa animal e ao mesmo tempo coisa espiritual. Vem mostrar ao ser humano um fogo tão essencial como o do conhecimento com que um dia Prometeu presenteou os homens, o fogo da paixão. Mas, diferente de um amor caloroso, afetuoso em que o corpo aquecido se realizaria, o “fogo da paixão”, com que nos acostumamos a expressar-nos, é transmitido pelo vampiro pela frieza de seu corpo morto. Neste sentido, o fogo da paixão que interessa ao nosso tempo é mediado pelo frio da idealização. O amor idealizado é uma doença da razão que, ao idealizar, cai na metafísica e perde seu limite. O vampiro é uma fantasia dessa razão. Esta paradoxal frieza da paixão encanta os vampirofílicos de hoje, apenas porque são também, enquanto românticos, masoquistas. Apaixonam-se pelo amor frio e cruel que apenas uma alta dose de idealização do objeto amado pode garantir.

A primeira versão romântica do vampiro, o Drácula de Bram Stoker, deixa claro que o poder do vampiro é não apenas a manutenção da vida, mas a manutenção do amor eterno, um amor que é, ele mesmo, análogo da vida, morto e vivo, sustentado por algo mais forte do que a vida, que é a própria morte, a eternidade. O amor total é vivo enquanto morto, morto enquanto vivo. A promessa do vampiro é, pois, a da imortalidade acompanhada de muito sexo, muito sangue, de uma vida como total aventura, mistério e sedução. A vida do vampiro é ideal. Ele passeia na história assistindo às transformações, à morte dos outros, em contraposição à imutabilidade de seu próprio corpo mantido sempre na mesma idade. O vampiro é ideal como presença do atemporal no tempo, a vida dentro da morte. O vampiro faz a morte parecer um tempo divertido. Ele a transforma em eternidade. Quanta aventura e quanta aprendizagem, e, mesmo que em algum momento o vampiro seja acometido de qualquer forma de taedium vitae, quanta alegria de viver em troca de um pouco de sangue retirado de vítimas sempre representadas como meros corpos, meros viventes cujo valor simbólico é nulo: moças bobas, doentes, mendigos, pessoas comuns. O vampiro impera como uma vida não viva, que não se mistura com a mera vida. É uma vida acima da vida. Por isso, ele nunca ataca personagens importantes que com ele disputariam o espaço de um poder místico. Já a vida meramente viva não vale o sangue que representa o sentido transcendente da imortalidade. Astro da metafísica negativa de nosso tempo, não há chance de que venhamos a esquecê-lo tão cedo.

Visto na: Revista Cult


Enterrem meu corpo em qualquer lugar.
Que não seja, porém, um cemitério.
De preferência, mata;
Na Gávea, na Tijuca, em Jacarepaguá.
Na tumba, em letras fundas,
Que o tempo não destrua,
Meu nome gravado claramente.
De modo que, um dia,
Um casal desgarrado
Em busca de sossêgo
Ou de saciedade solitária,
Me descubra entre fôlhas,
Detritos vegetais,
Cheiros de bichos mortos
(Como eu).
E como uma longa árvore desgalhada
Levantou um pouco a laje do meu túmulo
Com a raiz poderosa
haja a vaga impressão
De que não estou na morada.
Não sairei, prometo.
Estarei fenecendo normalmente
Em meu canteiro final.
E o casal repetirá meu nome
Sem saber quem eu fui,
E se irá embora
Preso à angustia infinita
Do ser e do não ser.
Ficarei entre ratos, lagartos,
Sol e chuvas ocasionais,
Estes sim, imortais
Até que um dia, de mim caia a semente
De onde há de brotar a flor
Que eu peço que se chame
Papáverum Millôr.



Millôr Fernandes


Lembrando Millôr Fernandes, face a seu falecimento em 27 de março de 2012.

Texto extraído do livro “Papáverum Millôr”, editado pela Editora Prelo, Guanabara -  1967, pág. 13. Publicado com a grafia de 1967.



Templo de culto à mercadoria, o modelo do shopping center, como o conhecemos hoje, nasceu nos Estados Unidos na década de 1950. São espaços privados, objetivamente planejados para a supremacia da ação de comprar. O que se compra nesses centros, contudo, é muito mais do que mercadorias, serviços, alimentação e lazer. Compra-se distinção social, sensação de segurança e ilusão de felicidade e liberdade. Munida de um ponto de vista sociológico, a autora visita este espaço encantado e mostra que, nessa exaltação ao consumo e ao lazer alienados, o shopping center exclui a ‘vida real’. Pior ainda: com suas vias limpas e iluminadas, deixa do lado de fora a cidadania e a prática da vida pública.

Valquíria Padilha
Departamento de Administração,
Universidade de São Paulo

Quem nunca ouviu falar em shopping center? Ou nunca passeou pelos corredores desse centro de consumo? Quantas vezes não viajamos para outra cidade ou país e desejamos visitar o shopping center local? Atualmente, o shopping center concorre com a televisão e o computador entre as atrações mais citadas pelas parcelas privilegiadas da popula­ção como preferências de ocupação do tempo livre. Por que isso acontece? Quais são os sentidos desse sucesso?

O que conhecemos no Brasil com o nome de shopping center pode ser entendido como um espaço privado – que se diz públi­co – criado para ser uma solução dos problemas da cidade onde reinam desajustes, desigualdades, contradições, imprevistos. Por isso, consideramos a cidade como o ‘mundo de fora’ em contra­posição ao shopping center como o ‘mundo de dentro’. O ‘mundo de fora’ é a realidade-real, o espaço urbano e seu caráter público. Esse mundo contém outra realidade construída artificialmente, o ‘mundo de dentro’, limpo e isento dos fatores que agem no ‘mun­do de fora’ – chuva, sol, frio, neve, mendigos, pedintes, trânsito, poluição etc.

Ao mesmo tempo em que desencadeia uma série de problemas para muitos, a cidade real possibilita alternativas para poucos, como a criação do shopping center, a ‘catedral’ onde uma parcela da população idolatra as mercadorias e vivencia lazeres que se distanciam da autonomia e da criatividade. O shopping center é hoje um dos empreendimentos mais rentáveis e com uma das maiores taxas de cres­cimento em todo o mundo. A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) afirma que, no Bra­sil, o número de shopping centers vem praticamente dobrando a cada cinco anos. Em 1966 havia apenas um shopping center, em São Paulo, enquanto, em fevereiro de 2006, o país já contava com 263 desses espaços em funcionamento, empregando 488.286 pessoas. Nos Estados Unidos, país onde nasceu o atual modelo de shopping center, já havia em 1956 cerca de mil centros comerciais inaugurados e 2 mil em construção. Segundo o urbanista escocês Witold Rybczynski, em seu livro Vida nas cidades, entre as décadas de 1970 e 1990, a cada sete horas, em média, um novo shopping center era inaugurado naquele país.

Os shopping centers refletem, hoje, a cultura de consumo norte-americano, mas suas raízes históri­cas estão nas lojas de departamento da Europa do século 19. Foi entre 1822 e 1832 que surgiram as primeiras galerias em Paris. A cultura de consumo, que se instalou no Ocidente a partir do final do século 18, torna-se reflexo da razão de ser do capi­talismo quando realiza a transposição da utilidade das mercadorias para outros valores que elas passam a ter na sociedade (marca de distinção social, por exemplo). A cultura de consumo que se estabelece transforma os hábitos cotidianos, as relações entre as pessoas, as percepções dos espaços e os signifi­cados dos objetos.

O sociólogo norte-americano Richard Sennett, em seu livro O declínio do homem público, entende a formação dessa cultura de consumo a partir da aná­lise histórica do declínio da vida pública, associado ao aumento da importância da esfera do privado. O capitalismo impulsionou um deslocamento do foco das pessoas para as coisas, fazendo com que elas buscassem significados pessoais em objetos. Nessa nova vida urbana, as condições materiais torna­ram-se mais conhecidas e mais constantes para as pessoas enquanto a vida pública foi ficando cada vez mais frágil.

As lojas de departamentos que nasciam e marca­vam a época eram uma resposta à recente produção fabril, que possibilitava baixar os preços de algumas mercadorias ao mesmo tempo em que as diversifi­cava. E como a produção era feita em massa, havia a necessidade de formar-se também uma massa de consumidores. Essa nova forma de comércio gera o consumo de coisas supérfluas. Mas os lojistas tinham diante de si um desafio: motivar as pessoas a comprar mercadorias desnecessárias, variadas e indefinidas. Para resolver esse problema, os comer­ciantes inventaram espetáculos do lado de fora das lojas para “dotar as mercadorias, por associação, de um interesse que a mercadoria poderia intrinseca­mente não ter”, conforme mostra Sennett.

O desejo de comprar
Para suscitar a vontade de olhar as mercadorias e o desejo de comprá-las, suspendia-se o caráter de utili­dade dos objetos, privilegiando-se o prazer de adqui­rir algo diferente. As vitrines das lojas e as fotografias publicitárias, que criavam ambientes fantasiosos ou colocavam figuras públicas importantes usando tal ou qual mercadoria, criavam uma associação entre os artigos à venda e o status incorporado neles. Essa nova concepção de consumo moldava a personali­dade dos que consumiam as mercadorias porque estavam muito bem dispostas em vitrines ou porque estavam associadas a uma duquesa qualquer.

O estímulo ao consumo presente nos shopping centers e na publicidade dos dias atuais originou-se nessa fase do desenvolvimento do capitalismo em que se combinaram produção industrial em massa e crescimento do mercado urbano com as lojas de departamentos e galerias. O consumo de mercadorias começou, então, a significar um mergulho em fantasia e status social, uma vez que os objetos passaram a ser adquiridos não pela sua utilidade imediata, mas pelo significado social de sua posse. A utilidade dos produtos passa a se submeter ao valor monetário e social que eles adquirem na complexa engrenagem da produção e circulação dos bens no capitalismo. Assim, a aparência das mercadorias passa a ser de fundamental importância para a sua venda.

Nas sociedades capitalistas, o homem não produz mais apenas para satisfazer suas necessidades origi­nais. Existem outras necessidades em jogo que são as impor ­necessidades de valorização do capital. A produção de mercadorias converteu-se em uma fonte de lucro, dado que cada trabalhador produz, para os donos das empresas, muito mais do que precisaria para a satisfação de suas próprias necessidades. A produção capitalista gera excedentes que não são calculados com base nas necessidades naturais do homem e sim nas do capital, o qual, por sua vez, precisa criar novas necessidades para estimular a demanda e o consumo. Assim, a produção deve visar a um consumo descartável, uma cultura do desperdício, o que reflete o princípio da ‘obsolescência planejada’ (os objetos são feitos para serem obsoletos). Esse sistema precisa sempre aumentar a produção de mercadorias em quantidade e variedade, mas não em qualidade e durabilidade.

O lazer nos shopping centers
Partindo dessa concepção, também podemos refletir sobre o lazer enquanto um fenômeno social impor­tante da dinâmica dessa sociedade. Nesse espaço, que denominamos shopping center híbrido – hoje com características de ser mais um centro de com­pra de lazer, serviços e símbolos do que um centro de compra de produtos úteis –, prevalece um certo encantamento das pessoas que ali ocupam o seu tempo supostamente livre. A subordinação do lazer a essa lógica dá-se basicamente pelas várias manei­ras de mercantilização da diversão, que é produzida industrialmente, divulgada pela publicidade e trocada por dinheiro.

Os shopping centers são símbolos de uma so­ciedade que valoriza o espetáculo do consumo de bens materiais e do lazer-mercadoria e que, além disso, oferece a uma parcela da população o direi-to a esse consumo e a esse lazer, enquanto exclui dessa possibilidade a maioria da população. Assim, esses centros comerciais configuram-se como espa­ços de lazer alienado, reduzindo a identidade so-cial ao universo do consumo, tanto dos que frequen­tam tais espaços quanto dos que não os frequentam mas desejariam frequenta-los.

Os diversos equipamentos de lazer disponíveis – como mais um produto à venda – levam seus ­­frequentadores a encontrar diversão em torno da celebração de mercadorias, de modo que, mesmo no lazer, o ‘ser’ permanece subjugado ao ‘ter’. Não há espaços livres, vazios; cada centímetro é preenchido para direcionar a ocupação monetarizada desse centro de consumo. Assim, concebemos o lazer oferecido nesses centros como alienante porque leva ao distanciamento dos sujeitos deles próprios, da obscurecida essência humana, ao mesmo tempo em que não possibilita a livre criatividade, a autonomia, a convivência desinteressada (do ponto de vista financeiro) com os outros. O shopping center – e toda a complexa rede psicossocial que se forma com a ‘sociedade de consumo’ – baseia-se em uma lógica que não possibilita aos homens desenvolverem suas capacidades e seus sentidos em plenitude.

É preciso reconhecer que essa privatização do lazer nos shopping centers acontece porque, entre outros fatores, não existem políticas públicas que confiram ao fenômeno do lazer o caráter de direito social. O shopping center vem aumentando sua participação na esfera do lazer urbano por causa da brecha que a inexistência ou ineficiência dos espaços públicos de lazer vem abrindo. A ausência de políticas públicas favorece também a segregação social, uma vez que o poder aquisitivo acaba sendo um dos determinantes principais para a tomada de decisões diante das escolhas existentes. Quem tem dinheiro tem mais opções.

Espaços como os shopping centers afastam as pessoas de qualquer experiência de “formação”, conforme nos ensinou o filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969). Para ele, a “formação” deveria corresponder a uma sociedade de seres livres, iguais e conscientes. Essa formação supõe uma humanidade sem exploração e, mais do que isso, a libertação da imposição dos meios e da utilidade, o que significa a autonomia do ser social. Nesse sentido, o shopping center dificulta ainda mais a superação do que o filó­sofo chamou de “semiformação” – que é a “formação” incompleta, manipulada por interesses exteriores a nós. No shopping center híbrido, parece-nos clara a ausência de pessoas autônomas interligadas. Nesse espaço, os sujeitos estão ainda mais destituídos de liberdade, de forma que a vida em conjunto com os outros não se articula como verdadeira. Não há possibilidade de uma sociabilidade consciente, refle­tida, afastada das artimanhas que acabam reduzindo cidadãos a consumidores.

Diante disso, olhamos para o shopping center como uma referência para pensar a ‘sociedade de consumo’ e de lazer, vista como um mundo encan­tado que, num interessante delírio coletivo, obscu­rece a consciência dos seres sociais para a plena (e difícil) vida em coletividade. Em outras palavras, nos shopping centers os sujeitos estão afastados de si mesmos. Mergulhados nesse universo do consu­mo, sentem-se autorizados a permanecer alheios à vida pública, o que se agrava ainda mais quando se percebe que seu comportamento e suas relações com o mundo são mediatizados por coisas. Nos shopping centers, até o lazer – que deveria ser tempo de li­berdade – torna-se algo a possuir, consumir, usar e gastar. Não há espaço nem tempo para a espontânea fruição do tempo livre.

Compro, logo existo
O shopping center é um centro de comércio que se completa com alimentação (normalmente do tipo fast food), serviços (bancos, cabeleireiros, correios, academias de ginástica, consultórios médicos, es­colas) e lazer (jogos eletrônicos, cinema, internet). Ali, o consumidor de mercadorias se mistura com o consumidor de serviços e de diversão, sentindo-se protegido e moderno. Fugindo dos aspectos negati­vos dos centros das cidades e da busca conjunta de soluções para eles, os shopping centers vendem a imagem de serem locais com uma melhor ‘qualidade de vida’ por possuírem ruas cobertas, iluminadas, limpas e seguras; praças, fontes, bulevares recriados; cinemas e atrações prontas e relativamente fáceis de serem adquiridas – ao menos para os que podem pagar. É como se o ‘mundo de fora’, a vida real, não lhes dissesse respeito...
O que essa catedral das mercadorias pretende é criar um espaço urbano ideal, concentrando várias opções de consumo e consagrando-se como ‘ponto de encontro’ para uma população seleta de seres “semiformados”, incompletos, que aceitam fenô-menos historicamente construídos como se fizes-sem parte do curso da natureza. O imaginário que se impõe é o da plenitude da vida pelo consumo. Nes-ses espaços, podemos ocupar-nos apenas dos nossos desejos – aguçados com as inúmeras possibilidades disponíveis de aquisição. Prevalece a ideia do ‘com­pro, logo existo’.

Concluímos que esse mundo de sonhos que é o shopping center acaba reforçando nas pessoas uma visão individualista da vida, onde os valores propa­gados são todos relacionados às necessidades e aos desejos individuais – ‘eu quero, eu posso, eu com­pro’. Assim, colabora para uma deterioração do ser social e o retardamento do projeto de emancipação de seres mais conscientes, autônomos, prontos para a sociabilidade coletiva – que exige a capacidade da troca desinteressada, da tolerância, da relação verdadeiramente humana entre o eu e o outro, entre iguais e entre diferentes. Compreendemos que um ser social emancipado identifica as necessidades in­dividuais com as da coletividade, sem colocá-las em campos opostos. Assim, o ser emancipado sabe agir pensando nos outros, no presente e no futuro.

O shopping center híbrido representa hoje o prin­cipal lugar da ‘sociedade de consumo’, contribuindo para a sacralização do modo de vida consumista e alienado, um modo de vida em que há uma evi­dente predominância de símbolos como status, poder, distinção, jovialidade, virilidade etc. sobre a utilidade das mercadorias. Vale ainda lembrar que não é somente o shopping center que gera empre­go. Centros culturais, esportivos e de lazer, escolas, postos de saúde, teatros, cinemas, praças públicas com animação cultural também.

O que se pode concluir é que o sucesso da fór­mula atual do shopping center híbrido como lugar privilegiado para a realização da lógica consumista traz consigo o fracasso da plenitude do ser social, distanciando-o de qualquer projeto de emancipação e de humanização do ser humano. Como diz o poe-ta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) no poema Eu, etiqueta: “Já não me convém o título de homem./Meu nome novo é coisa./Eu sou a coisa, coisamente.”