Tenho um amigo que sempre brinca, para não enlouquecer diante das situações difíceis, dizendo: "para baixo não tem limite". Às vezes tendo a me convencer de que ele tem razão, principalmente quando ouço os absurdos que tem sido ditos em relação ao famoso "Kit Gay" que quase ninguém viu, nem mesmo a própria presidenta, que já disse ser contra. Além de Dilma, quem mais acredita e defende a avaliação "imparcial" da bancada evangélica sobre os materiais educativos com temas da sexualidade e do gênero criados por especialistas e o movimento social voltado à diversidade sexual?
Quem a superou foi o Aloízio Mercadante, atual responsável pelo Ministério da Educação. Com uma cara de pau assustadora, afirmou que homofobia não se resolve com material educativo nas escolas. Sem dizer o que solucionaria tal problema, essa sua resposta foi um claro posicionamento político ao lado daqueles que tem sido apontados como os mais homofóbicos: políticos que compõe as bancadas evangélicas e católicas deste país.
Com certo medo, fico pensando o que então resolveria, para o nobre ministro, o problema da homofobia se não as ações focadas em educação. Como não é novidade para ninguém, esta violência (como tantas outras), está fundamentada na desinformação, nas pré-noções, na falta de acesso a outras verdades que não aquelas ultrapassadas, mas vigentes, que desqualificam a diversidade.
Visto no: A Capa
Ao ler sobre essa sua resposta quando questionado sobre a paralisação do projeto educativo contra a violência homofóbica nas escolas, lembrei-me do Mercadante nas ruas centrais aqui de Campinas (SP), pedindo voto em um dia ensolarado de alguns anos atrás. Com muita dedicação e esforço, ele buscava convencer as pessoas, via a educação/informação cara a cara, de que não se podia ter preconceito com o partido dele, que deveriam conhecer para poder eleger. Será que ele também vai dizer que a educação/informação não ajuda a resolver o problema de termos eleito tanta gente ruim por aí?
Evidentemente que a homofobia não vai ser totalmente exterminada com materiais educativos, ainda que muito bem formulados. Mas, é de igual verdade que ela tende a aumentar se as pessoas não tiverem acesso à informação de qualidade. Basta olhar para o movimento feminista e o movimento negro. Se não estamos em realidades ainda mais machistas e racistas, foi pela incansável investida na formação de pessoas mais bem informadas, politizadas. Por isso que hoje há uma tendência geral em não discriminar certas diferenças.
Evidentemente que leis específicas também ajudaram a diminuir as agressões contra mulheres e pessoas negras, mas não foi a criminalização do preconceito a responsável pelas grandes mudanças. A educação, por mais que muitos duvidem, é uma arma mais poderosa do que a ameaça da prisão. E aqui temos que entender a educação produzida na escola, e também a construída em tantos outros lugares da sociedade.
Ministro, não há dúvidas que precisamos estudar a questão da homofobia, como disse quando tentou minimizar o seu infeliz posicionamento em não defender os materiais educativos em questão. Então, porque você não vai se informar sobre as pesquisas já realizadas? O material educativo guardado em suas gavetas, aquele vetado pela presidenta, só existe porque pesquisas há anos são realizadas no Brasil, seja pelo movimento social ou por instâncias acadêmicas (ou pelos dois juntos). Estes estudos afirmam que se aprende a agredir viado dentro da escola. As travestis estão aí para comprovar que dados científicos ganham vida a partir do sofrimento delas.
Uma dessas pesquisas, patrocinada com verba pública que envolveu também apoio do seu ministério, diz o seguinte: "As consequências da homofobia são muito prejudiciais para adolescentes LGBT e inclui tristeza, baixa autoestima, isolamento, violência, abandono escolar e até o suicídio". Esta constatação foi levantada junto a escolas públicas municipais e estaduais de onze estados brasileiros, em uma pesquisa inédita no país, cujos dados foram divulgados no ano passado. Eles podem ser conferidos no site da Reprolatina.
A gravidade da questão é que foi comprovado o que quase todo mudo com certa sensibilidade e inteligência já sabia: homofobia mata. Além disso, professores assumiram que não têm informação suficiente para abordar o tema. Por outro lado, estudantes têm a percepção de que o preconceito é muito presente na escola. Ambos concordam com o fato de que esse problema se resolveria (ou começaria a ser resolvido) no âmbito da educação, com mais informações.
Então, ministro, será que esses dados já não te dão algumas pistas para a ação? Eles já não te ajudam a cumprir com o seu papel? Ou você vai querer nos convencer de que não se converteu aos apelos (via os conchavos políticos) dos católicos e evangélicos homofóbicos? Entendemos errado, ou você está atuando em prol de valores que em nada cumprem com a demanda da laicidade do Estado brasileiro?
Ah, e antes que eu me esqueça, quando voltar a Campinas e for caminhar pelas ruas aqui do centro, procure ser mais franco e direto sobre os seus posicionamentos do que nos últimos dias. Não subestime a nossa inteligência. Assuma de que lado você está, ainda que isso possa parecer vergonhoso diante da história de luta do movimento social desse país. Assim, sendo mais honesto, ajudará também a diminuir o preconceito contra os políticos. Ou teremos que produzir pesquisas para comprovar que vocês não estão em alta?
*Tiago Duque é sociólogo e tem experiência como educador em diferentes áreas, desde a formação de professores à educação social de rua. Milita no Identidade - Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual. Gosta de pensar e agir com quem quer fazer algo de novo, em busca de um outro mundo possível.
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