Quem nunca se viu
perdidamente apaixonado por uma pessoa que não tem nada a ver com o seu perfil?
Aquele indivíduo que chega do nada e penetra em fendas muito profundas de nossa
alma e parece nos conhecer mais do que a nós mesmos. A pessoa que nos revira do
avesso e descobrimos com ele que esse era o nosso lado certo. Aquele cara que
sua família certamente não vai aceitar por não ter perspectiva de futuro, mas
que conseguiu valorizar qualidades suas que nenhum outro já fez. Ou aquela
garota superindependente, cheia de personalidade, indisposta a encarar o perfil
dona de casa, que a muitos assusta, transformou-se na mulher de sua vida.
Provavelmente, esses e tantos outros arranjos conjugais começam com uma química
inexplicável. Trata-se de um fio condutor invisível que, por mais que tentemos
lutar contra a nossa razão, a emoção toma as rédeas e nos faz correr o risco de
viver aquele sentimento incerto com esse alguém. Isso provavelmente seja
química, uma sensação subversiva de ir de encontro as nossas verdades,
desconstruindo todas as certezas que tínhamos, para nos aventurar no novo e, a
partir dele, começar uma história de amor digna de novela.
Nem faz muito tempo
assim, escrevi um texto sobre relacionamentos sob a perspectiva da cara metade,
a outra face da laranja, alma gêmea, descreditando o valor dessas expressões.
Na época, achava inconcebível a possibilidade de validar essas ideias no campo
amoroso, embora eu tenha tido envolvimentos facilmente classificáveis naquelas
categorias. Na minha intransigência, fruto da imaturidade e inexperiência,
torcia o nariz para os apaixonados os quais se derramavam em romantismo dentro
e fora da rede quando seu aparentemente par perfeito aparecia em suas vidas.
Continuo achando que a perfeição nesse campo é impossível, mas estou mais
flexível quanto a possibilidade de encontrarmos alguém sob medida para nós. Tamanha
mudança só acontece quando passamos a dividir das mesmas experimentações
vividas por muitos. O problema é racionalizar esse novo sentimento que não é
amor, paixão, é apenas química, a qual, no início, em sua vaga manifestação,
vai muitas vezes de encontro com os preceitos que criamos para estar com
alguém.
Vou me colocar na
berlinda deste assunto, mesmo não tendo ampla propriedade para falar dele.
Antes de me aventurar nas possibilidades oferecidas pelos aplicativos de
relacionamento, partia do princípio de ser incapaz de me envolver
sentimentalmente com alguém pela internet, sem ao menos ter tido qualquer
contato íntimo clássico que me fizesse ter certeza de quem aquela pessoa era.
Falo do olho no olho, sentir a pele, provar do beijo... mas que isso, analisar
se o perfil daquele indivíduo confere com as minhas expectativas, se temos
gostos parecidos, ou complementares e, assim, se a mágica da afinidade
acontecia entre nós. Esses critérios me pareciam irrefutáveis, mas também foram
flexibilizados. Nessa era tecnológica, o príncipe ou princesa não deixaram de
ser símbolos de desejos para uma vida a dois, apenas ganharam novos contornos.
Os castelos são outros e os muros, que impediam a entrada ou saída desses
locais, nem sempre bloqueiam a conexão, agora mais virtual, entre as pessoas. Assim,
a tecnologia baniu muitas barreiras impenetráveis para estar com alguém, mas
não nos ensinou a lidar com o outro fora dela. Estou em fase de formação nesta
seara.
Acredito que não seja o
único em aprendizado nesse sentido. É complexo demais lidar com a euforia de
estar conectado com alguém que mal conhecemos, mas queremos estar juntos,
dividir uma intimidade, mesmo que esse alguém seja completamente o oposto do
parceiro que havíamos idealizado. Esse é outro ponto interessante da química,
ela quebra toda e qualquer expectativa que temos sobre com quem vamos nos
relacionar. Apesar da nossa insistência em traçar um perfil X ou Y, quando o
coração diz “é esse!”, mesmo que não seja, somos compelidos a arriscar. Dar Match
também significa se aventurar no incerto, permitir-nos criar laços de afeto à
revelia de qualquer checklist. Claro,
há muitas chances de sermos enganados pelos nossos sentimentos. Às vezes, nosso
nível de carência ultrapassa o tolerável e nos faz cair em armadilhas. Porém,
após alguns tropeços, passamos a distinguir melhor quem serve ou não para estar
ao nosso lado.
De certo, não prevemos
de quem vamos gostar. Nosso gosto, apesar das interferências culturais, é
incerto, pois correspondem aos nossos anseios mais instintivos e são passíveis
de mudanças temporais e comportamentais. Por exemplo, há pessoas que numa fase
da vida preferem se relacionar com outras mais velhas, devido não só a curiosidade,
maturidade, mas também ao senso de responsabilidade. Anos depois essas mesmas
pessoas passam a desejar outras mais novas, por razões variáveis. Há quem
prefira na juventude o tipo Bad Boy, e mais à frente se case com o mais
almofadinha dos caras. Da mesma forma, há quem prefira mulheres complacentes
para namorar, mas se atraia ao longo da vida por outras mais atrevidas. Quando a
química bate, personalidade, características físicas, noções de estética,
classe social, idade, gênero e até mesmo sexualidade, perdem seu poder limitado
de classificação para se transformarem em meros detalhes incapazes de impedir a
felicidade de quem se vê refletindo brilhante pelo olhar do outro.
Entretanto, combinar
com alguém momentaneamente não garante a longevidade desse enlace, e não há
drama nesse sentido. Por mais que vivamos numa fase onde as relações amorosas
são cada vez mais breves, isso não quer dizer que estão menos intensas. Pelo contrário,
é nessa efemeridade que as pessoas regozijam de um prazer a dois fora do comum,
pois não há espaço para desperdício, é um sugando o máximo que pode do outro e
vice-versa, o que naturalmente pode levar à exaustão. Todavia, essa intensidade
que constitui a química entre duas pessoas no início não deixa muitas sequelas,
caso termine antes de virar uma longa história de amor. Muitas delas são
paixões de verão, envolvimentos de curtas semanas, as vezes dias, mas não menos
especial do que uma vida inteira. Diante da falta de profundidade de algumas
dessas configurações a dois, sobra entrega, permissividade e recomeço com menos
neuras e mais bagagem na mochila quando uma onda de tremores anunciar que uma
nova química está abalando as estruturas. Bater a química, então, não significa
sacramentar nada em definitivo. É mais um dos compassos do baile que sempre
segue adiante.
Estou aprendendo essa
nova coreografia dos envolvimentos. Para quem está de fora, parece complexo,
mas logo logo encontramos no ritmo da dança os parceiros de uma noite, uma
estação ou da vida inteira. A durabilidade da história não determinará sua
intensidade. Aliás, quando a química bate, o lance não é quantificar nada, mas
qualificar. Se foi bom, se valeu a pena, nos deixou mais leves, bem conosco,
significa que ficou algum legado e isso não pode ser descartado. Da mesma forma
que as experiências ruins também precisam ser aproveitadas. Nada é desperdiçado
no processo. Claro, inconscientemente somos levados a crer que aquele Match
será nosso por tempo ilimitado, mas o eterno enquanto dure, enfatizado pelo
poeta, está cada vez mais relativizando-se. O que não se relativiza são as
sensações: o frio na barriga, a ansiedade, as fugas, as loucuras, a vontade de
estar junto, de ir contra o mundo para viver com aquela pessoa. Tudo isso
continua dando aos nossos Match’s algum significado, embora a química continue
sem explicação, e não precisa de uma. Basta continuar nos fazendo felizes.
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