Impactado com o rumo da política nacional, resolvi
me abster deliberadamente de quaisquer discussões nessa seara. Por longas
semanas me privei de alfinetar o (des)governo que nos rege. Nada de
compartilhar matérias. Nada de encher os stories com imagens de cunho político.
Nada de elaborar textões para extravasar meus dissabores. Absolutamente nada de
Bolsonaro. Tive boas razões para isso: era preciso oxigenar o cérebro diante de
tanta burrice legislada em menos de um ano de governo; além do descrédito dado às
palavras nessa era anti-intelectual do Brasil.
Talvez
não tenha sido o único a enclausurar minha militância. Muitos esgotaram suas
forças em meio ao avanço inconteste da insanidade no país. Então, enfraquecidos
pela loucura generalizada, o mais sensato parecia ignorar o desenrolar dos
fatos e torcer para que esse onirismo trouxesse para nós ao acordar uma
perspectiva menos tumultuada da realidade. Porém, não foi uma decisão sábia.
Individualizar-se perante a temas comuns a todos não é a escolha mais sensata.
Logo, para resgatar o pacto com o outro - que aliás está se perdendo no fio de
nossas vaidades - é preciso nutrir nossas bases mentais e seguir na luta antes
que a compacta noção de sociedade se nacionalize.
Felizmente,
as boas novas do nosso chefe de Estado são capazes de trazer dos mortos
qualquer militante. Eu, por exemplo, fui trazido do limbo ao saber da recente
ofensa de Bolsonaro ao Nordeste, numa clara acepção de que seu governo, desde o
começo, não prioriza o país como um todo. Mais que isso, o antagonista do atual
governo, o PT, ainda na figura de Lula, tinha uma enorme aprovação nacional,
sobretudo no Nordeste. Talvez, na visão rubra do atual presidente, ele enxergue
o vermelho - sua cor odiada - em tal região. Porém, antes de conjecturar, é inegável
que a atitude dele resvala do preconceito que o levou a ocupar o cargo máximo
da nação.
Depois
de modular as mentes dos mais fracos permitindo a disseminação de discursos de
ódio disfarçados de opinião, Bolsonaro representa uma grande parcela social que
burla o politicamente correto, desrespeitando quaisquer minorias. Assim, para
quem já atacou mulheres, índios e gays, falar mal do Nordeste completa o combo
de intolerâncias desse ser que cada vez se distancia da classificação de
humano. Fechado em si, ele pretende com tais atitudes compactar os seus no seu
clube politicamente incorreto. Tem funcionado. Muitos apenas assistem aos vômitos
presidenciais e continuam alheios a tamanha falta de respeito ou, na pior das
hipóteses, ressonam essas violências.
Enquanto
isso, os dele são agraciados com indicações políticas nacionais e
internacionais, em um claro misto de nepotismo e meritocracia. Na sua falta de
civilidade, boa parte da família Bolsonaro ocupa, por "merecimento",
cargos públicos e um deles está prestes a alçar o posto de embaixador do país
nos Estados Unidos. É controversa tal postura presidencial, já que seu
posicionamento neoliberal insufla a sociedade a conquistar seus espaços por mérito
próprio, ignorando entraves sociais, econômicos e, principalmente étnicos.
Certamente, seu filho hétero, branco, rico, deve ter tido “muitas” dificuldades
para alcançar a chance de estar no poder como a maioria dos brasileiros.
Na
indigesta sucessão de barbaridades, Bolsonaro afirmou que ninguém passa fome no
Brasil. Ler isso não me surpreendeu. Quando um presidente eleito por meio das
Fake News, e que ainda usa deste recurso cibernético para incitar o ódio pelas
redes, diz que não há fome na nação, ele apenas está sendo coerente com todas
as mentiras que formam o seu plano político – se é que há. Logo, fiel aos seus
ideais fascistas, é esperado dele desmistificar os indicadores econômicos
nacionais e internacionais sobre a miséria à brasileira, sobretudo porque o
pobre não é e nem será a prioridade de seu governo. Decerto, para quem vem
atacando a educação e desestruturando a previdência, a fome para Bolsonaro de
fato é algo a longo prazo, pois a de antes e a de agora não demoverá seu cético
compromisso em destruir o país, do saber à mesa.
Nesse
sentido, não basta desnutrir o corpo e a mente, a comitiva avassaladora do
presidente quer deixar sua contribuição nociva também no meio ambiente e na
cultura. Firme em suas alegações anticientíficas, Bolsonaro contradiz anos de
pesquisas frente ao desmatamento da Amazônia, acusando os profissionais que
protegem a maior riqueza nacional de mentirosos, pois, para ele, há exageros
nas alegações científicas. Aliás, a ciência, seja ela humana, estatística (vide
o IBGE), seja ela acadêmica, ambiental, ou qualquer outra, não tem a maior
relevância na era da burrice da qual encontrou na presidência sua principal
representação.
Censurar
também as produções artísticas será o próximo passo do governo. Após criticar a
Ancine (Agência Nacional do Cinema), não no que diz respeito a destinação de
verbas públicas para a cultura, mas as produções feitas pelo cinema nacional, é
provável que ele estenda a censura às mídias televisivas, exposições de arte,
shows musicais, caso estas tenham um conteúdo “impróprio” as normas
governamentais. Ou seja, firam o decoro branco + hétero + cristão + conservador
+ elitista que controla a nação. Quiçá a Record, e suas produções bíblicas infindáveis,
passe incólume nas sanções políticas atuais, uma vez que retrata o país dos
sonhos do clã Bolsonaro.
No
entanto, na Cruzada das intransigências do Governo, ler que Bolsonaro acredita
ser o emissário de Deus para salvar o Brasil foi a mais impactante das
notícias. Isto porque, em um país cristão, esta menção é perigosíssima,
sobretudo com as alianças políticas feitas em acordos duvidosos com a bancada
evangélica no congresso, a qual tem grande poder de barrar e criar diversos
projetos. Além disso, confere ao presidente eleito um elemento sobrenatural,
que além de subjetivo, é inconstitucional numa democracia dita laica. Portanto,
ao se apossar do discurso divino em benefício próprio não só é uma tática clara
de charlatanismo, como também uma maneira desonesta de ludibriar a fé do povo
para conquistar benesses terrenas.
Diante
de tudo isso, em apenas seis meses de governo, Bolsonaro tenta compactar sua
loucura em um grande manicômio a seu aberto, infelizmente com outros doidos
compactuando espontaneamente dessas e muitas outras loucuras que virão. Eu, por
outro lado, assim como os poucos sãos que vagam pela sociedade, preciso criar
um pacto ainda mais forte comigo e com o outrem cujo desconhecimento de causa
tem sido fisgado por esse Asilo Arkham que se tornou o Brasil. Não temos um
Batman, mas temos um ao outro. Precisamos resgatar esse senso de coletividade.
Não soltar a mão de ninguém e, se possível, dar os braços para assegurar as
amarras de nossas lutas. Esse é o pacto com o outro contra o compacto do eu
individualista que impera na nação que urge ser posto em prática.
Por
mais impactante que seja a realidade, o impacto da vida poderá ser menor se o
pacto for o bem de todos.
Voltei para somar. Falta você!
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