Durante muito tempo a
figura caricaturada do pastor/político Silas Malafaia me divertia à beça. Com
seu jeitão de símbolo máximo da moral e dos bons costumes, entonação
alteradíssima – com direito a gestos espalhafatosos – ele me garantia
prolongadas gargalhadas. Seu Stand Up conservador chegava até a aliviar meu
estresse quando no roteiro tinha como pauta o boicote de alguma marca ou
emissora, seguido à risca por seus fãs tão caricatos quanto ele. Esse
espetáculo divertidíssimo me servia de escape diante das barbaridades ditas por
Malafaia e sua trupe. Na época, eu quis acreditar, por meio do humor, que era
impensável alguém chegar na política, assim como ele chegou, trazendo ao
público ideais tão cômicos com ares de seriedade. Porém, a Ministra Damares Alves
deu vida aos meus principais temores. Sua persona não é apenas ridícula, mas
também trágica numa era onde só há dois caminhos: ou transformamos em risível
os dilemas nacionais ou problematizamos essa tragicomédia da qual nos tornamos
a principal piada.
A priori, gosto da
ideia de que rir atua milagrosamente em nossas vidas, desde que não nos
percamos no riso ao ponto de nos alienarmos da realidade. Assim, confesso que
dei, e ainda dou, jubilosas gargalhadas quando a Ministra da Mulher, da Família
e dos Direitos Humanos vem a público dar vasão ao seu roteiro paranoico de
ministrar. Porém, tão rápido quando as luzes da ribalta, me recomponho para não
deixar que o riso me deixe de fora do resto do show dessa “artista”. Digo isso
porque as questões trazidas por ela são inegavelmente irrelevantes frente a
importância do cargo que esta ocupa. Há muitas temáticas transversais urgentes
sobre a mulher, família e, sobretudo, os Direitos Humanos, que precisam ser
discutidas e, principalmente, solucionadas. Contudo, nossa humorista/ministra
já fez de tudo para desviar nossa atenção para o que, de fato, é importante: de
meninos vestem azul a meninas vestem rosa, Jesus no pé de goiabeira, Frozen ser
lésbica e, a mais atual e insana de todas – se é que possível - calcinhas para
as meninas exploradas sexualmente na Ilha do Marajó.
Diante de tamanha
ridicularização da mentalidade social, Damares Alves consegue chacotear
problemas gravíssimos que acometem a sociedade: sexismo, machismo, homofobia,
exploração sexual infanto-juvenil, todos eles sob à luz sagrada da fé cristã
que ilumina o palco do seu governo. É importante trazer à tona esse parêntese,
uma vez que tanto a Ministra quando Malafaia, além da jocosidade que os compõem,
são evangélicos fervorosos, (leia-se fanáticos), usando da graça divina para
implantar um projeto político de perseguição e não de inclusão das minorias. Caso
fosse o oposto, ao invés de propor uma fábrica de calcinhas, Damares teria
feito ações assertivas para entender e erradicar a exploração sexual que
vitimiza aquelas garotas. Contudo, seu compromisso recreativo é debochar de
nossas mazelas e não resolvê-las. Usar do burlesco para encobrir a incapacidade
de suas ações, quiçá sua má vontade de ministrar igualitariamente em uma nação
onde o diferente é a ameaça. A questão é, o que diferencia Damares de Malafaia,
além do curto hiato temporal, é apenas o poder que ela exerce em meio a um
plano de governo tão tragicômico.
Meio que bobo da corte
da atual política manicômica do país, a Damares Alves não merece ser vista como
alguém que quer nos divertir com suas pautas hilariantes. Ela tem se prestado,
antes de tudo, como desvio midiático, enquanto os soberanos que (des)governam a
nação estão nos bastidores rindo das desgraças nacionais ao passo que
quantificam o número cada vez maior de imbecis que os glorificam. É a cultura
de pão e circo sendo ressignificada a cada governo, o qual acredita que o país
não passa fome. Logo, pseudoalimentados, a população merece ser divertida com a
figura grotesca de Damares. Em parte tem funcionado. Estamos dando a ela não
apenas nossos risos, mas também aplausos, pagando seu espetáculo de horror e
estendendo sua temporada, quando deveríamos estar, assim como Fafá de Belém,
repudiando seus atos e cobrando uma postura mais producente de alguém que ocupa
um ministério nunca antes tão imperativo.
Não vejo o mesmo
empenho popular contra as loucuras dessa mulher tomando forma dentro e fora das
redes sociais assim como ocorreu com a ridicularização de Tiririca, quando este
ocupou durante um bom tempo o cargo de Deputado Federal. Ele, humorista de
fato, teve sua profissão usada como chacota por aqueles que questionavam a
presença de um comediante na política nacional. Hoje temos a figura de Damares,
que mesmo não tendo viés artístico algum, consegue ser tão icônica quanto
Tiririca. Esse silêncio de grande parte da sociedade denota algo muito
perturbador: há muitas pessoas comungando do discurso dela. Ou seja, indivíduos
que creem na distribuição de calcinhas para meninas exploradas sexualmente, de
que há cores específicas para sexos específicos, dentre outras barbaridades
ditas e defendidas pela zorra do governo. É uma piada que não deveria ter
graça, mas que está literalmente entretendo a sociedade de um lado e, do outro,
servindo de espelho para representar o sanatório que se tornou o Brasil.
Na verdade, Damares é a
única capaz de roubar o estrelato conquistado a duras penas por Bolsonaro
semanalmente. Inconformada com a figuração, ela faz de tudo – e isso é literal –
para ganhar seus minutos de fama. Seu êxito é inegável. Do outro lado do palco,
o seu colega de coxia Jair Bolsonaro age incólume diante das pitorescas
colocações de Damares. Faz sentido, ela tem servido ao propósito presidencial,
pois não há nada mais desviante das mazelas sociais do que atribuir valor
cômico a elas. E Damares é uma artista no sentido jocoso da palavra. Em contrapartida,
há muita tragédia na sua presença cômica na política. Há alguém à frente de
pautas caras à mulher, família e Direitos Humanos, incapaz de empreender um
projeto de governo competente para atender tais demandas. Existe também o
vilipêndio a inteligência daqueles que lutam para trazer rotas mais racionais
para os descaminhos criados pela lorota que se transformou a política nacional.
Por fim, há o fanatismo religioso usado como subterfúgio para atribuir sanidade
a quem inegavelmente precisa de ajuda terapêutica.
Malafaia agora me
parece ainda mais divertido, pois é menos louco e perigoso que Damares.
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