Passei a noite numa
festa com amigos regada a muita bebida, diversão, e tudo mais que rola entre
pessoas adultas e, teoricamente, bem resolvidas. Antes do clima ficar mais
quente, falamos sobre temas grandes, como sexo, sexualidade, fé, liberdade,
morte, com a sabedoria ilimitada que só os muito alcoolizados são detentores. Diante
de uma roda majoritariamente masculina, eu e minha amiga disputávamos
inconscientemente a chance de expor nossas opiniões a respeito dos assuntos
propostos. Ela, mais resignada do que eu, em muitos momentos limitava-se a
concordar com a maioria ou a ficar taciturnamente em silêncio, como se temesse
ir de encontro aos demais. Eu, atrevida por natureza, ignorava os semblantes inquisitórios
e me posicionava abertamente sobre tudo, geralmente problematizando as questões
para além das convenções habituais.
Muitos se entreolhavam,
mas não foram capazes de se opor a mim, seja por receio de entrar em um embate
desnecessário, seja por mera falta de argumentos. Depois disso, a festa seguiu
seu ritmo natural. Porém, percebi que muitos rapazes não queriam ficar comigo.
Inclusive alguns ex-ficantes se recusavam a, sequer, dançar comigo. Virei a
excluída da noite. Assustada, perguntei a outra amiga se havia algo errado com
a minha aparência, ela disse que não. Não estava desarrumada, não possuía
qualquer doença contagiosa, não estava suja, então, por que raios passei a ser
o patinho feio da noite? Não demorou muito até descobrir as razões. Os rapazes
que estavam conversando comigo na festa se “assustaram” com as minhas
colocações, algo que, para eles, não devia sair da boca de uma “mulher”.
Antes de me aprofundar
no machismo da frase, resgatei o que havia conversado com aqueles indivíduos.
Falamos, em sua grande maioria, sobre sexo, da insatisfação que nós mulheres
sentimos em transas mal sucedidas, dos orgasmos que precisamos fingir para
agradar nossos parceiros, da pretensa superioridade masculina na cama,
masturbação feminina, dos fetiches escrotos de muitos homens focados em
satisfazer suas taras egoístas e desconectados muitas vezes das nossas
necessidades, essas coisas. Pelo visto, devo ter ferido o ego estupidamente
inflado de rapazes acostumados a contar vantagens em roda de amigos, usando as
mulheres como troféus a serem erguidos, como se fizéssemos parte de algum
campeonato sexual. Em nenhum momento fui agressiva ou desrespeitosa com as
necessidades masculinas. Pelo contrário, eu até as entendo. Apenas pontuei o
outro lado da questão.
Por estarmos numa
ocasião na qual a maioria era inegavelmente jovem demais, levei em consideração
que a imaturidade daqueles garotos pode ter sido a responsável pela não
compreensão dos meus pontos de vista. Entretanto, a alcunha “assustadora” não
mais me abandonou. Passei a carregar esse rótulo por muitos outros lugares após
essa noite. Inclusive, uma grande amiga minha disse que havia rapazes que
temiam ficar comigo por não “corresponder” sexualmente as minhas vontades na
cama. Passei a ser julgada duplamente: a garota polêmica e a insaciável no
sexo. Não sei qual delas é mais irreal, embora não veja problema algum em uma
garota possuir ambos predicados. O “X” da questão que mais me incomodou foi o
estereótipo inicial. Como disse, não possuo nada de periculoso em mim para causar
uma ameaça aos garotos a minha volta. Porém, naquele dia, percebi que havia
algo em mim que atemorizava o sexo oposto: eu era uma mulher bem resolvida.
Correndo o risco de ser
generalizante, os homens ainda preferem as mulheres mais submissas, puritanas,
controladas a partir de sua vontade, aquelas que não fogem à regra
comportamental de boa moça, mãe e dona de casa. Para as mulheres que atendem a
esse modelo, meus parabéns, Não tenho nada contra. O problema é continuarmos
hostilizando as outras que fogem a esse padrão. Nem precisa ser o oposto disso.
Não se trata de se autodefinir a ovelha negra da família ou da sociedade, ou de
ambos. Basta ter personalidade, opinião própria, autonomia na vida pessoal,
profissional, financeira e sexual, autoestima, são características ameaçadoras o
bastante para muitos homens. Apesar dos constantes esforços do feminismo, somos
julgadas por nossas posições de mundo quando estas destoam da dominante
imposição masculina.
Esses “filhinhos da mamãe”
continuam despreparados para lidar com as mulheres de hoje. Então, como forma
de resgatar uma soberania cada vez mais fragilizada, eles se utilizam do
machismo para denegrir a nossa imagem, para assim conseguir algum resquício de
superioridade. Infelizmente, muitas mulheres caem nessas armadilhas e têm suas
reputações destruídas por esses canalhas mimados. Não é à toa que o machismo
durou tanto, e ainda perdura, entre nós. Sua gênese se baseia no silenciamento
das mulheres. Por anos, não podemos expressar nossas visões de mundo sob pena
de sermos machucadas, às vezes até a morte, por isso. Então, durante séculos fomos
nos subalternizando às sombras de nossos “companheiros” que se fortaleciam a
partir do nosso enfraquecimento. Todavia, o empoderamento feminino está aí para
remodelar essa história, mesmo que muitas mulheres não tenham ciência disso.
Ou seja, naquele momento,
aqueles garotos estavam legitimando os seus privilégios viris, conquistados a
duras penas por meio do obscurecimento feminino. Por causa de tais
prerrogativas, eles foram incapazes de ratificar minha visão sexual sobre o
assunto, pois isso feria todo o legado pornô/sexista acumulado ao longo de suas
vidas. Decerto, o mais sensato a se fazer era manchar a imagem desta garota,
aplicando-lhe uma lição frente às outras do mesmo círculo social. É assim que
os homens agem quando têm suas fragilidades confrontadas, recorrem a artimanhas
sórdidas para manter sua masculinidade a salvo de especulação. Esse jogo sujo,
porém, tem um preço. Muitos rapazes crescem à sombra de mentiras construídas
sobre quem é o bam, bam, bam, no ato sexual, e não aprendem, de fato, a
complexidade que é o sexo a dois. Virão meros reprodutores de práticas sexuais
insossas ensinadas no mais sem graça ainda XVídeos.
Para o azar deles, as
mulheres de hoje costumam ser mais organizadas quando atacadas pelo machismo. Eu
faço parte desse time. Luto bravamente pelo meu direito de ser quem sou, de
expor minhas visões, de ser independente e de poder falar abertamente sobre
sexo, tema ainda tabu, sem ser hostilizada por isso. Na verdade, quanto mais o
machismo me torna um alvo, mais me fortaleço. Significa que estou tocando na
ferida, deixando-a em carne viva. É a minha forma de militar em prol da causa
sem alarde. O preço a ser pago para isso é altíssimo. Antes, me abalava com os
adjetivos ousados que recebia, muitos deles nem merecem ser escritos aqui.
Hoje, ganhei outras resistências. Consegui encontrar rapazes mais
interessantes, em que ora me relaciono duradouramente, ora apenas curto, sem
receio de ter minha integridade manchada por isso. Quando estamos bem
resolvidas conosco, o mundo trata de afastar os imbecis a nossa volta. Claro que
eles volta e meia insistem em regressar. Mas, afugentaremos todos eles ao
testar sua frágil masculinidade.
Se isso é ser uma
pessoa assustadora, então, eu sou apavorante.
Gostei muito do artigo A Difícil Tarefa de Conviver com Pessoas Difíceis. Parabéns
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