Que a pedofilia
encontra no Brasil um terreno fértil com muitos seguidores, isso é sabido.
Imaginem o que seria desta nossa sociedade patriarcal e machista sem as
revistas masculinas que transformam moças de 18 anos em meninas de 12?
Afinal de contas,
se tem peito e bunda, se tem corpo de mulher, está pronta para o sexo, não é
mesmo? E se está pronta para o sexo, por que não ganhar uns trocados para
ajudar no orçamento familiar?
Ao julgar o caso de
um homem acusado de estuprar três meninas de 12 anos, a Terceira Seção do
Superior Tribunal de Justiça considerou que ele não cometeu crime porque as
meninas já eram prostitutas. “As vítimas (…) já estavam longe de serem
inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora
imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os
tipos penais pelos quais foi denunciado”, afirmava o acórdão.
O STJ levou em
conta para a sua decisão o artigo 224 do Código Penal que, na época do
ocorrido, considerava que o crime deveria ser cometido mediante violência –
presumível, a bem da verdade, quando se tratava de pessoas com menos de 14
anos. O artigo foi alterado há três anos, deixando mais claro que violência não
se faz mais necessária para configurar o crime.
Ari Pargendler,
presidente do STJ, afirmou à Agência Brasil, nesta quinta (29), que o tribunal poderá
revisar a decisão tomada pela Terceira Seção da Corte. O pedido para tanto
poderá partir do Poder Executivo, como informou a ministra-chefe da Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário.
Essa discussão não
é sobre o direito da mulher ao seu corpo (que deveria ser inquestionável e
protegido contra qualquer tipo de idiotice), mas de defender que crianças e
adolescentes não sejam abocanhados pelo mercado do sexo. Não estou discutindo o
sexo dos adolescentes, mas sim o seu uso comercial. Muito menos a legalidade da
prostituição (e enquanto se discutia isso, mulheres que trabalhavam pesado a
vida inteira sofreram na velhice, desamparadas e desassistidas). Estamos
falando de meninas de 12 anos que podem até não ter sido empurradas para essa
condição por pressão familiar, mas sofreram influência externa sobre sua
sexualidade – da TV, dos amigos, de vizinhos, de ofertas irrecusáveis de bens
materiais ou dinheiro, que atiçaram desejos ou fantasias sobre si mesmas e o
mundo.
Por isso, a decisão
de entrar no mercado de sexo antes de determinada idade não é individual e não
pode ser. O Estado e a sociedade vão tutelar essa criança até que ela tenha
maturidade para tanto. E quando isso ocorre? A idade de 14 anos para
estupro presumível em caso de relações sexuais é um referencial. Bem como o
trabalho a partir dos 14 (no caso de aprendiz) também o é. Mas é um referencial
imporante. É uma marca que garante um certo número de anos para os mais jovens
se desenvolverem, sendo protegidos, antes de cair na selva. Nos separa,
portanto, da barbárie de ter que lutar pela sobrevivência desde cedo.
É claro que o tipo
de pessoa que enxerga apenas a parte externa ignora um processo de formação
interna da jovem ou do jovem, que é irremediavelmente prejudicado quando ele é
despido de sua dignidade.
Nunca vou esquecer
a patética intervenção do nobre vereador paulistano Agnaldo Timóteo a favor da
exploração sexual juvenil há cinco anos. Em um discurso na Câmara, ele disse
que o visitante que vem ao país atrás de sexo não pode ser considerado
criminoso. “Ninguém nega a beleza da mulher brasileira. Hoje as meninas de 16
anos botam silicone, ficam popozudas, põem uma saia curta e provocam. Aí vem o
cara, se encanta, vai ao motel, transa e vai preso? Ninguém foi lá à força. A
moça tem consciência do que faz”, declarou. “O cara (turista) não sabe por que
ela está lá. Ele não é criminoso, tem bom gosto.” Para Timóteo, há “demagogia e
frescura”.
E isso porque o Estatuto
da Criança e do Adolescente proíbe a exploração sexual comercial de
adolescentes até 18 anos.
Seguindo a linha de
raciocínio, poderíamos legalizar uma série de situações em que há um
descompasso entre a lei e a realidade. Deixaríamos de ter, em um passe de
mágica, a prostituição infanto-juvenil, o trabalho escravo, o tráfico de seres
humanos, fora preconceitos de raça, credo e classe. É só jogar por terra
conquistas sociais obtidas na base do sangue e suor de gerações.
Em bom português, o
que se propõe é o seguinte: já que o Estado e a sociedade são incompetentes
para garantir que seus filhos e filhas dediquem sua infância aos estudos e ao
desenvolvimento pessoal, vamos aceitar isso e legalizar o trabalho de crianças
de 12 anos, incluindo aí a prostituição infantil. Por que o trabalho forma o
cidadão. ”O trabalho liberta”, como diria a frase na porta do campo de
concentração de Auschwitz.
Em 2009, o STJ
também havia afirmado que não há exploração sexual contra uma criança ou
adolescente quando o cliente é ocasional. A corte manteve decisão do Tribunal
de Justiça de Mato Grosso do Sul que rejeitou acusação de exploração sexual de
menores por entender que cliente ou usuário de serviço oferecido por prostituta
não se enquadra em crimes contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Dois réus
contrataram serviços sexuais de três garotas de programa que estavam em um
ponto de ônibus, mediante o pagamento de R$ 80 para duas adolescentes e R$ 60
para uma outra. O programa foi realizado em um motel. O TJMS absolveu os réus
do crime de exploração sexual de menores por considerar que as adolescentes já
eram prostitutas. E ressaltou que haveria responsabilidade grave caso fossem
eles quem tivesse iniciado as atividades de prostituição das vítimas.
Alguns vão dizer
que é uma questão técnica, de interpretação – como se o conhecimento da
realidade e a subjetividade não influenciassem nessas decisões. Enfim, pimenta
nos olhos das filhas dos outros é refresco.
Passando o
município maranhense de Estreito, cruzando-se a ponte sobre o rio Tocantins e
entrando no estado homônimo, há um posto de combustível. Entre bombas de
combustível e caminhões estacionados, meninas baixinhas oferecem programas.
Entram na boléia por menos de R$ 30, deixando a inocência do lado de fora.
Prostituição
infantil não é novidade. E nem é vinculada apenas a uma classe social: há
denúncias e mais denúncias de políticos e empresários que alugam barcos e
hotéis para consumir as crianças que compraram. Ou festas regadas a uísque nas
grandes cidades. Mas é ruim quando a gente se depara com isso. Ver meninas que
deveriam estar estudando para uma prova de sexta série vender seus corpos e
encararem isso como parte da vida dá um misto de raiva e sensação de
impotência.
Anos atrás, não
muito longe dali, no Pará, me apontaram bordéis onde se podia encontrar por um
preço barato “putas com idade de vaca velha”. Ou seja, 12 anos.
“Ah, mas tem menina
que gosta.”
E, por trás desta
justificativa, muito homem que gosta ainda mais.
Visto no: Blog do Sakamoto
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