“Foi na madrugada de ontem que recebi a
notícia. Meio atônito, sem acreditar no que acabara de saber, rapidamente busquei
informações na internet. Fiquei surpreso. Não era o único a contrair a “doença”.
Pelo visto se tratava de uma epidemia, pois muitas pessoas estavam na rede à
procura de informação. Dentre os tratamentos, fui atrás de medicamentos capazes
de me “curar” da terrível moléstia, a qual, há pouco, nem sabia que poderia ser
avaliada como tal. Nada! Nenhuma vacina possível. Também não havia tratamentos
alternativos, Spars, grupos de ajuda, alguma coisa anônima para, quiçá, dividir
a minha aflição. Pensei em ir ao hospital mais próximo, mas, provavelmente,
àquela hora o SUS, sendo como é, não seria capaz de me dar um real prognóstico.
Fiquei mais aflito. Pedi ajuda espiritual para me livrar desse mal, mas, quando
regressava dos meus mantras, continuava a ser quem sou. Apelando, rasguei o
poster da Ana Carolina. Arranhei o CD da Lady Gaga. Deletei as fotos sem camisa
do Malvino Salvador. Jurei de pé junto que não voltaria a assistir RuPauls, mas
não teve jeito, tinha sido diagnosticado: ‘sou gay!’”
É através do sarcasmo
que começo este texto. Não havia outro modo possível. Apenas o escárnio daria
conta da pobreza mental/intelectual/humana em torno da “cura gay”. Pior ainda,
do seu retorno às pautas nacionais, depois de tal projeto ter sido
ridicularizado por vários segmentos da sociedade. Todavia, por mais abjeta que
pareça ser a tentativa de “curar” a sexualidade alheia, isso diz muito sobre o
quão enigmático é este assunto para a sociedade, mostra sua resistência em não entender
tal diversidade e, ainda, revela o atraso mental, e coletivo, do qual estamos
submergindo. Diz ainda sobre a falta de representatividade, sobretudo política
para com a população LGBT, mesmo após conquistas como a união homoafetiva.
Evidencia a carência de uma discussão educacional clara sobre a pluralidade
sexual humana e de como esta é imprescindível para a desconstrução de tabus
ancestrais responsáveis por renegar indivíduos X ou Y de todos os direitos
legais/sociais conferidos pela Constituição. Mais que isso, retrata o quando o
senso comum, a estupidez, a insensata homofobia, ainda estão presentes em
diversos setores sociais.
Sabendo disso, infelizmente,
a exumação desse assunto se dá em uma atmosfera nacional de insurgência, na
qual a homossexualidade ganha cada vez mais visibilidade
midiática/musical/cultural. A TV, por exemplo, chega às massas abordando temas
delicados, dificilmente debatidos com profundidade antes pela sociedade, como a
transexualidade, a vida das travestis e das Drag Queens. Programas humorísticos
com personagens assumidamente gays ganhando a afeição do grande público. Na
música, ícones como Pabllo Vittar levantando multidões, de gêneros, orientações
e identidades diversas pelo país. Aliás, muitos outros artistas revelando suas
sexualidades através das artes. Comerciais focando suas propagandas em um
público mais heterogêneo, no sentido mais amplo da palavra. Grandes marcas
nacionais e internacionais levantando bandeiras prol diversidade. Beijos,
carícias, dilemas, tudo tem sido pano de fundo para problematizar a vida
daqueles que foram durante anos ignorados pelos grandes veículos de informação,
emergindo apenas para servir de chacota para o público heteronormativo. Além
disso, há cada vez mais jovens empoderados, sejam eles gays ou não, dispostos a
satirizar tentativas descerebradas de reverter a sexualidade do outrem.
Mesmo diante de tanta
representatividade, a sexualidade humana continua sendo um enigma para boa
parte da população. A carência de uma educação sexual é preponderante neste
sentido. Mina-se qualquer possibilidade de tratar com maturidade de subtemas
como orientação, identidade de gênero, gênero e sexualidade, pois o senso comum,
semeado em grande parte pela parcela conservadora religiosa, impede tal debate,
usando de subterfúgios subjetivos como a fé para retardar este diálogo. Com
isso, muitos indivíduos não conseguem distinguir uma transexual de uma
travesti, por exemplo. Tão pouco diferenciar gênero de orientação e as demais
ramificações. São estas brechas que permitem a penetração do vírus da
ignorância, protagonizado aqui pela retomada da ideia da “cura gay”. Quando a
informação não chega, ou é distorcida pelo caminho, cria-se teorias vagas para
confundir ainda mais o grande público. Assim, sem ao menos se dar ao trabalho
de validar o que foi pesquisado e comprovado antes pela ciência, indivíduos
mal-intencionados apropriam-se da ingenuidade de grande parte da população para
elencar seus estereótipos mais controversos sobre a homossexualidade.
E isso é muito sério e
livremente disseminado pela sociedade. Não é incomum ouvir que lésbicas são
mulheres que não provaram realmente um “homem de verdade”, seja lá o que isto
quer dizer, como herança de um patriarcado ainda latente entre nós. O mesmo
ocorre com gays afeminados, os quais são acusados de serem “assim” (sic),
porque não foram “pegos de jeito” ou não apanharam o suficiente. OI? Se a
pessoa for bissexual, o nível de burrice chega ao extremo, pois se boa parte da
sociedade não entende ainda o que é a homossexualidade, imagina um indivíduo
que se diz atraído por homem e por mulher ao mesmo tempo? É digno de camisa de
força, não é verdade? #SQN. Mais desvairadas são as travestis e as transexuais,
que além de não se reconhecer nos corpos que têm, muitas vezes, submetem-se a
tratamentos hormonais/cirúrgicos para se adequarem as identidades desejadas. Ou
seja, para a grande massa leiga, gays, lésbicas, bissexuais e as trans são
seres ensandecidos pela luxúria, pervertidos, anomalias à revelia dos
“perfeitos humanos”, por isso, merecem ser “curados”.
Todavia, ao longo da
história, muitas foram as tentativas de heterossexualizar a homossexualidade, através
de torturas ligadas a choques, envenenamento, surras, encarceramento e morte.
Adiantou de alguma coisa? NÃO! Só fortaleceu o movimento LGBT. A rebelião de
Stonewall é uma prova disso. As inúmeras paradas LGBT’s idem. Até em países
onde a homossexualidade é punida com pena de morte há indivíduos subvertendo a
ordem para questionar o porquê de suas existências serem menos prestigiadas do
que as dos demais apenas motivada pela sua condição sexual. Provavelmente, os
homofóbicos, avessos ao diálogo humanístico, temam ver suas teorias
vergonhosamente desmascaradas, então, usam da força física, ou ideológica de
alguns redutos religiosos, como arma para conter as sexualidades alheias.
Entretanto, por mais que tentem, a natureza humana não é facilmente represada,
tão pouco domesticável. O desejo que nos move é maior do que qualquer tentativa
de nos anular. Não me refiro apenas as vontades sexuais, mas aos desejos de
existir, de ser, de pertencer e de ser reconhecido como pertencentes a esta
sociedade, mesmo que para isso tenhamos que transgredir o sistema e repudiar as
imbecilidades direcionadas a nós.
Enquanto os “sãos” da
cabeça desperdiçam nosso tempo e inteligência nos categorizando com distúrbios
mentais, esquecem-se que o tiro pode ter saído pela culatra. Talvez vocês
tenham razão, os gays são pirados mesmo, porque mostram na cara da sociedade o
quanto ela é despreparada para reconhecer o quão limitada ela ainda é no
quesito sexo, tanto na teoria, quanto na prática. Doida é a sociedade que
crucifica a homossexualidade de dia e usufrui dela nos demais horários. Doideira
é repetir a mesmo desatino do passado no presente, sentenciando grandes
homossexuais a destinos indignos como os vividos por Harvey Milk, Allam Turing,
Oscar Wilde, entre outros. Maluquice é reprisar essas episódios e impedir que
grandes pessoas LGBT’s façam história no país e/ou no mundo. Delírio é o mínimo
o que se pode esperar daqueles que querem mudar a história, desenganar as
pesquisas científicas e fazer o Brasil anda mais à marcha ré do que já anda.
Insano é pensar que ficaríamos calados diante de tamanha estupidez. Tolinhos!
Só sendo loucos para tentar domar a sexualidade humana. Ela é um mar revolto,
inexplorado, mas cheio de mitos e histórias de pescador, contadas para leigos
dormir. Apenas os pirados, de fato, não perceberam isso. Já nós homossexuais,
os reais equilibrados da história, resistiremos a todas essas tolices para
identificar a maior patologia do preconceito social: a ignorância.
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