Não
consigo aceitar a ideia de relacionamentos abusivos. Sei que não sou a pessoa
mais sapiente no assunto, mas a cada novo relato que escuto, ou vivencio ao meu
redor, me desencorajo a entrar de cabeça numa relação amorosa. Mesmo desejando
estar com alguém, mas sem apelar para o desespero, fico inquietado como algumas
pessoas se submetem a anulações e opressões tamanhas apenas para manter um
convívio amoroso doentio, fútil, egoísta, às vezes por mera conveniência, ou,
na pior das hipóteses, até regrado à violência física. Não consigo enxergar
nisso atitudes ligadas a abnegação, nem tampouco a amor, mas a múltiplas
carências, responsáveis por submeter pessoas aparentemente sãs a escravidão de
namoros/noivados/casamentos amargos , infrutíferos e nitidamente desgastados,
todavia "vivos" por um fio condutor que pode ser rotulado de tudo,
menos de esperança.
Posso estar errado, porém, quando
penso em relacionamento, o primeiro verbo que me vem a cabeça é o partilhar.
Ele é sinônimo de dividir, compartilhar, participar da vida de outro, de suas
experiências e sonhos, família, realizações, desejos, frustrações, quedas,
erros, acertos, etc,. etc. Entretanto, muitos casais se unem na
individualidade, quando o eu não deixa que o outro exista no relacionamento. As
vontades pessoas não são respeitadas, muito menos entendidas. Por essa razão, o
que deveria ser um contato de soma acaba subtraindo particularidades, retirando
a liberdade que ambos precisam ter para não se sufocarem em discussões sem
sentido. Nada disso é acordado entre as partes, o que resulta em arbitrárias
invasões de privacidade. Redes sociais fuçadas, celulares investigados, amigos
impedidos de serem amigos, roupas confiscadas, quando não proibidas para que
uma das partes se sinta aliviado e a ordem da relação não seja estremecida.
Quando isso acontece surge outro
grande problema dos pseudos relacionamentos: o controle. Parece ser algo inato
do ser humano querer dominar o outro, controlar seu comportamento, sua conduta,
condição esta que ganha uma dimensão incomensurável quando se trata da
convivência entre casais. Há um acordo tácito, silencioso, mas visível, de quem
deve mandar e quem deve obedecer. Geralmente, a parte submissa se vê obrigada a
realizar os desmandos do outro só para não contrariá-lo e, assim, manter a
vitalidade da relação. Pode ser que a curto prazo isso funcione. Pode ser
também que ambos gostem desse modelo comportamental e não vejam problemas em
acatá-lo no seu cotidiano. Entretanto, a experiência a longo prazo, pelo menos
as que eu vi e vejo, mostra o quão danoso isso pode se tornar. Um vira
protagonista, o outro nem sequer coadjuvante e é dessa anulação que se criam
uniões de fachada nas quais outros problemas insurgem.
Dentre eles o desrespeito, a
futilidade e a mesmice. Este último deve ser, acredito eu, um dos piores, pois
nada mais frustrante para uma vida amorosa do que a rotina inalterada por
coisas minimamente cronometradas, repetitivas e previsíveis. A futilidade vem
em seguida e alimenta muitas discussões desnecessárias. Ela é parente da
insegurança, a qual é responsável por brigas banais, daquelas que começam por
causa das coisas mais improváveis e resultam em desenlaces temporários e
definitivos. Quando se perde o respeito, então, não há mais o que se fazer, a
não ser se separar e buscar o melhor para cada um. Entretanto, há sempre algum
indivíduo disposto a enfrentar o desrespeito do outro por acreditar que isto
seja uma demostração de amor travestido de raiva. Ora, não posso generalizar,
porém é improvável que alguém ame outro alguém com posturas desrespeitosas que
resultem na humilhação do outro. Se existir, entramos no campo do masoquismo
não consentido que só de pensar já doí, pelo menos em mim.
Toda essa tormenta é uma herança
herdada da ideia de um amor romântico fomentado, a princípio pela literatura, e
que hoje é alimentado pelo cinema, novelas séries e seriados nos quais o amor
doentio é romanceado por personagens jovens, bonitos e sempre dispostos a dar
tudo de si para viver um novo amor. São príncipes despertando princesas frágeis
e imaturas; donzelas desprotegidas salvas por um herói incrível sempre másculo,
bonito e de bom coração. Soma-se a isso as frases hipnóticas: "você nasceu
para mim", "eu não consigo viver sem você", "sem você eu
não vivo", "você é minha cara metade", que de tão piegas chegam
a ser hiperbólicas, mas que nutrem muitos corações apaixonados. Do outro lado da
tela, a vida real tenta reproduzir esse modelo idealizado de relacionamento com
casais que não se enquadram muitas vezes naquele padrão
midiático/cinematográfico. O reflexo disso recai em namoros sem sentido,
noivados mais prolongados do que muitos casamentos e matrimônios meramente por
conveniência.
Por acreditar naquela falsa ideia
de amor, pessoas se lançam de cabeça, mas sem pensar, em aventuras conjugais
precipitadas, uma vez que foram ensinadas que se relacionar é algo simples como
os finais felizes dos contos de fadas ou das novelas das oito. De repente,
porém, descobrem que o príncipe não era tão encantado, a princesa não era tão
imatura assim, o beijo não é tão ardente como nos filmes, o sexo esfria, ou
deixa de existir, daí vem as cobranças, os desentendimentos, os embates, pois
nem sempre estamos dispostos a aceitar os desmandos alheios, nem mesmo de quem
amamos, ou quem achamos que amamos. Quando à revelia dá as caras na relação vem
as brigas constantes, o ciúme doentio, as síndromes de perseguição e as
violências. Tudo se inicia com um xingamento aqui, um insulto cá, uma
humilhação acolá, e de repente as farpas se alteram transformando-se em tapas,
empurrões, murros, socos, facadas, tiros... e o que era para ser um sonho,
converte-se no mais puro sofrimento.
Não posso finalizar essa minha
análise sem mencionar o principal vilão dos enamorados: a traição. A simples
menção desta palavra já embrutece faces, já que fomos criados a pertencer ao
outro sem possibilidade de participação especial. Cobra-se, então, fidelidade
total por parte do outro membro quando na verdade o que deveria ser exigido era
lealdade. Isto porque trair é uma necessidade humana que nem sempre é
consumada. Partindo desse princípio, somos muito infiéis inconscientes e poucos
desleais cientes. Para evitar a desgraça, muitos relacionamentos se tornam
regidos pela palavra não: não poe olhar para o lado; não pode conversar com
fulano; não pode curtir a foto de sicrano; não pode ter contato com o ex; não
pode ter certas amizades; não pode sair com determinadas roupas; não pode sair
desacompanhado (a); não pode isso, nem aquilo, ou aquilo outro. Dessas
limitações, o que deveria ser um enlace de duas pessoas seguras, confiantes e
determinadas acaba sendo minado por sentimentos pequenos, desgastantes e
altamente destrutivos para qualquer relação.
Há quem prossiga nesse tipo de
relacionamento mesmo diante de tantos negativismos. Eu, pelo contrário, nem
sequer faria parte de algo assim. Não estou dizendo com isso que aja
namoros/noivados/casamentos perfeitos, pois sabemos que não há. Infelizmente,
onde há humanos, há conflitos. Todavia, a reflexão que faço aqui é a respeito
da complexidade de algumas relações visivelmente desestruturadas, sem chance
alguma de sobrevivência, mas que são mantidas ora por conveniência, ora por
dependência, ora por total falta de amor próprio. Não quero parecer pessimista
muito menos frustrado. Quero trazer à luz a ideia de que estar com alguém não é
motivo para se inferiorizar. Ninguém completa ninguém. Não somos peças
imperfeitas a espera de um encaixe certo. Somos indivíduos que por afinidade de
ideias, química corporal e compatibilidade de sentimentos, nos unimos a outra
pessoa na tentativa de potencializar essas máximas. Não podemos buscar um ideal
romântico, pois há grandes possibilidades dele não existir. O que se deve
fazer, na minha limitada visão, é se permitir, sem se anular, a enveredar pelo
outro, seus mistérios, defeitos, qualidades e balancear o que se pode
aproveitar, ao passo que se permita ao outro a liberdade de rumar em nossas
veredas. Dialogar sempre que possível, nutrir sentimentos como admiração,
paixão e respeito são excelentes ingredientes para uma vida saudável a dois. É
isso que espero. É isso que desejo. Mas o que vejo me deixa tão angustiado que
prefiro estar só do que pessimamente acompanhado.
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