Todo
massacre choca devido a covardia com que é feito e o requinte de crueldade
atribuído geralmente ao ato. A história está aí para comprovar isso, desde as
Cruzadas, ao extermínio indígena no período da colonização do Brasil, passando
pela perseguição e morte de judeus na II Guerra Mundial, a chacina do Carandiru
e a mais recente na Boate Bataclan. Há outros grandes exemplos nesse sentido,
mas não haveria linhas suficientes para descrevê-los em um único post na rede
social. Infelizmente, acrescenta-se a esta lista o massacre na Boate gay em
Orlando, que por razões já conhecidas, foi palco de uma carnificina homofóbica
a qual dificilmente será esquecida, não pela comunidade LGBT. Este grupo não
foi alvo de algo tão bárbaro à toa. Na verdade, muito antes disso acontecer,
gays de todo o mundo sofrem os dissabores de uma cultura que não compreende, e
por isso não aceita, a homossexualidade.
Fato este facilmente comprovado
aqui nas redes sociais. Recentemente, o Brasil entrou em massa nesses espaços
para alardear suas opiniões a respeito da menina violentada por mais de trinta
homens no Rio de Janeiro. Uma atitude invejável e necessária, haja vista o
machismo que vigora sobre a atmosfera feminina. Entretanto, não houve uma
comoção semelhante por aqui, quiçá aproximada, quanto aos indivíduos mortos na
Boate em Orlando. Tal imobilização nas redes sociais é o reflexo do que ocorre
fora dela com essa comunidade. Para a sociedade, a homossexualidade passa pelo
crivo da não existência, por isso ignora-se suas demandas ou faz-se de tudo
para negligenciá-las. Mesmo com os ganhos legais e sociais destinados aos
LGBTs, o fator crimes ainda é naturalizado, categorizados como comuns, quando
na verdade são realizados com uma carga de ódio desmedida.
Há inúmeras estatísticas
relatando isso na própria rede, inclusive por entidades sérias como o Grupo Gay
da Bahia, que geralmente apresenta estatísticas lamentáveis sobre isso. O que
parece não comover a sociedade. Para esta só há uma comoção quando a tragédia
atinge proporções de massacre, igual a de Orlando, como se as mortes diárias
fossem menos importantes, e por isso banais, por não alcançar os meios
midiáticos. De fato, a mídia contribui significativamente para isso em não
noticiar os crimes se ódio direcionados aos gays no Brasil. Após o incidente da
lâmpada na cabeça desferida contra gays na avenida paulista há poucos anos,
nada mais ganhou visibilidade nos meios de comunicação, o que nutre na
sociedade a falsa ideia de que está tudo bem com esse grupo, quando a verdade é
avessa a isso.
A realidade daqui e de lá retrata
outro panorama, regrado de violência, preconceito e falta de empatia. O rapaz
protagonista do massacre é uma prova disso. Vindo de uma cultura de traços
extremistas, ele se incomodava com gestos amorosos de gays nas ruas.
Possivelmente, deve ter sido criado dentro de uma tradição religiosa na qual
gays são vistos como aberrações, mulheres devem ser submissas ao homem e este é
o soberano dentro e fora do lar. Não seria surpresa se sua atitude fosse
oriunda de uma tentativa de resgatar valores morais, leia-se religiosos,
extirpando os gays da face da terra. Percebam que há uma semelhança
comportamental gigantesca com o Brasil, guardadas as devidas proporções,
sobretudo no campo religioso e conservador atual.
Por aqui, a bancada evangélica,
um dos maiores retrocessos na política nacional, fomenta massacres diários
contra a população LGBT com discursos claramente odiosos a esse grupo. Ela é
também a responsável pela educação sexista ensinada e perpetrada na sociedade
onde os papéis sexuais se restringem à genitália. Logo, orientações,
identidades e gêneros sexuais disformes a isso são repudiados e tem seus
direitos protelados em nome de uma conduta cristã que rege o que deveria ser um
Estado laico. Quando é dada uma liberdade a um segmento social que usa a fé
como instrumento de segregação, o resultado é a formação de indivíduos
dispostos a quebrar uma lâmpada na cabeça de alguém, assassinar travestis nas
ruas ou massacrar indivíduos dentro de boates. Ou seja, não é de se surpreender
se alguém resolver fuzilar gays no país em boates, paradas LGBTs ou
simplesmente nas ruas a caminho de algum lugar.
Soma-se a isso a falta de leis
específicas para a punição de crimes homofóbicos. Antes que alguém lance a
teoria de que já existe uma conjuntura legal que atende a todos, é preciso
destacar a morosidade do Estado com relação as minorias e como isso reflete na
criação de códigos legais específicos a determinados grupos ao longo da história.
Não faz tanto tempo assim, muitos acreditavam na inferioridade dos negros
perante a soberania branca. Hoje já há amparos legais contra o racismo vivido
por esse grupo. Mulheres foram, e ainda são, subjugadas pelo patriarcado que
secundariza sua presença na sociedade, embora as leis Maria da Penha e do
Feminicídio estejam mudando esse panorama. Deficientes, indígenas, idosos,
crianças, dentre outros grupos fragilizados socialmente, também conseguiram
efetivar uma proteção legal. Apenas os gays são ignorados legalmente na
assertiva da criminalização da homofobia. Enquanto isso, no
palco/púlpito/político/pastoral a cristofobia é legalizada numa verdadeira
afronta ao direitos assegurados as minorias ao longo dos anos, bem como àquelas
que ainda lutam por tal reconhecimento.
Sem representatividade política,
empatia social e, sobretudo educação, novas tragédias dessa natureza tornarão a
ocorrer. Pior, serão mais banalizadas do que já são. E não adianta apenas mudar
o filtro nas redes sociais em solidariedade as vítimas desse ou de qualquer
outro massacre. Isso é válido, mas é minúsculo comparado a dimensão do
problema. A comunidade LGBT clama por justiça, visibilidade e liberdade para
ser quem é, sem ser repudiada por visões antagônicas conservadoras que andam em
descompasso com a realidade. Precisa ser entendida como uma faceta do ser
humano, dentre tantas outras já existentes, mas que necessita ser compreendida
com lucidez, desapegada de teorias fantasiosas nas quais mentiras ganham ares
de verdade nas vozes de muitos falsos profetas. Carece de doses cavalares de
altruísmo, não só aos familiares e parentes que ficam desolados ao saber da
perda dos seus entes queridos em massacres daquela natureza. Mas, em cada gay,
lésbica e travestis mortos apenas por não se adequarem ao que se convencionou
como "normal", "natural". Portanto, mata-se em nome da fé,
da moral, do descaso político e da não tomada de posição de cada cidadão. Logo,
a mão que ceifou aquelas vidas não é de um homem só, mas de uma cultura
inteira.
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