O tema do Enem 2016, a princípio,
parece óbvio pela sua conjuntura social envolvida, já que a onda de
intolerância religiosa no país não é um assunto recente, mas que tem ganhado
proporções maiores na atualidade. Entretanto, a banca da prova não queria apenas
que o aluno falasse rasamente de tal fenômeno, mas que além disso mostrasse
rotas possíveis para resolver o problema, algo típico do perfil do Enem. Por
essa razão, a proposta deste ano, similar a muitas outras, questiona as lacunas
que fazem daquele tema algo emergencial de ser discutido no texto. Para os
brasileiros, religiosos ou não, porém com um nível básico de conhecimento, não
é difícil destrinchar tal problemática.
Falar de Religião no país não é nada difícil. Há barreiras
maculadas que impedem brasileiros de adentrarem nesse tema sem acabar em
discussões desnecessárias e infindáveis. Isso não seria diferente com a
intolerância. Num país abertamente Católico, Protestante, Pentecostal e
Neopentecostal, dentre outros seguimentos religiosos majoritários, sofrem algum
tipo de preconceito. A própria história de Jesus é uma prova disso. Mesmo com
tal constatação, no panteão de religiões existentes no Brasil, aquelas que
fogem do padrão Católico/Cristão são, evidentemente, as mais perseguidas.
De cara, o Candomblé é lembrado, por ser uma das religiões
mais perseguidas historicamente. Por ser considerada uma "religião de
negros", por muito tempo ela foi/é demonizada,sofrendo batidas policiais,
fechamento de terreiros, motivos ainda de piadas pejorativas na mídia e usada
como esteriótipo para tudo o que é do mal: "chuta que é macumba".
Evidentemente que todo esse senso comum foi plantado pelo Catolicismo que
durante anos renegou o Candomblé ao gueto. Hoje, muitos protestantes de
diversos seguimentos continuam a satanizar os ritos daquele grupo, espalhando
injúrias perante uma sociedade que não lê e é facilmente alienável.
Além dos negros, há outras ramificações religiosas tão
invisibilizadas quanto. Compartilham disso a Umbanda e o Espiritismo, que por
desconhecimento de causa, fruto da mesma ignorância vivenciada pelo Candomblé,
vivem às escuras, às escondidas, mesmo tendo posturas comuns a muitas outras
religiões. Com base nisso, o aluno ainda poderia ter falado sobre o
silenciamento daqueles que vivenciam tais seguimentos. Há um temor de expor que
tal pessoa faz parte da religião de matriz africana, ou que é adepta dos
ensinamentos de Allan Kardec, ou mesmo que é Cristã ou Católico, fã de
Bolsonaro ou do Papa Francisco, sob pena de represália e discriminações
diversas.
Por conta disso que a intolerância religiosa ganhou como
aliada a maior plataforma da atualidade: a Internet. Nela, preconceitos dos
mais diversos encontram terreno fértil nos discursos de ódio de pessoas que
anonimamente ou não expõe bravatas absurdas contra aqueles que não são de
segmentos religiosos preponderantes. Sofrem dos mais fervorosos aos ateus, que
são alvos da intolerância às avessas. As outras maiores vítimas sempre são
aquelas que exibem suas identidades religiosas na rede através de turbantes,
roupas, mensagens, ou quaisquer manifestações de fé. Utensílios estes que são
responsáveis por perseguições na ruas, perdas nas vagas de emprego, quando não
até assassinatos.
Por se tratar da intolerância religiosa, evidentemente que
Católicos e Cristãos também são vítimas disso, como diz minha vizinha:
"desde a época de Nero". Para esses, fazer parte de grupos religiosos
majoritários também é motivo de perseguição, principalmente quando há
representantes religiosos na política que não representam a todos. Neste
ínterim, também, o aluno poderia fazer uma crítica sutil a dominação de alguns
religiosos na nossa política pseudolaica, uma vez que esses cidadãos não
contemplam a sociedade como o todo, muitos são desrespeitosos e verdadeiros
déspotas, criam iniciativas/projetos tendenciosos e muitas vezes estão
envolvidos em falcatruas/corrupção.
Fora do país, a intolerância religiosa é um dos principais
motivos para a onda de terrorismo no mundo. Segundo editorial publicado pelo
Jornal o Globo em 26/01/2016 " O mundo se chocou no primeiro mês do ano
com o atentado ao “Charlie Hebdo”, em Paris; a execução de reféns do Estado
Islâmico; e a destruição da cidade de Baga, na Nigéria — mais uma ação do Boko
Haram, na qual teriam morrido duas mil pessoas. São casos de extrema violência
que brasileiros repudiam da mesma forma que americanos e europeus." Essas
ações parecem distantes daqui já que gozamos da fama de sermos unidos na
diversidade, porém a realidade é outra e, muitas vezes, pouco evidenciada em
dados.
Talvez seja por isso que no Brasil ignoramos a questão
indígena também nesse tocante. Esse povo, por assim dizer, foi a primeira
vítima da intolerância religiosa dos nossos Colonos, ao não entender o modo de
vida selvagem vivido pelos índios, impondo-os o Catolicismo, evidentemente que
guardadas as devidas proporções temporais. Entretanto, engana-se quem pensa que
nossos nativos estão a salvo. Novas práticas catequéticas ainda acontecem no
país, desta vez regidas por seguimentos protestantes. Além disso, a devastação
das matas e rios (vide Belo Monte), expansão da agropecuária e a metropolização
das tribos indígenas têm feito com que a fé desse povo perca o pouco de
identidade que ainda resta.
Com base nisso, o alunado poderia ter escolhido vários caminhos
para combater a intolerância religiosa no Brasil. Um deles é a difusão, e
acompanhamento, de ensino religioso, de fato, no país e não apenas
Católico/Cristão como acontece normalmente. A mídia contribuiria para isso
difundindo respeitosamente outras religiões, socialmente estigmatizadas, à
rotina da população brasileira, a qual passaria a ter um leque mais plural
nesse sentido. Líderes religiosos diversos, sobretudo os de maior espaço
social, devem difundir discursos contrários ao repúdio que há por outras
religiões, como muitos ainda o fazem; da mesma forma que a sociedade civil
precisa ser reeducada nesse sentido.
O apoio governamental é imprescindível, fazendo valer o que
há na Constituição, nos parâmetros de cidadania e nos PCN´s. Assim, num prazo
determinado, haverá maior representatividade política para outras religiões que
atualmente não desfrutam desse privilégio. Tudo isso pode construir caminhos
salutares para novas rotas religiosas no país. Porém, o Enem deu um largo passo
rumo ao tão sonhado respeito às diferenças. Infelizmente, haverá muitos alunos
hipnotizados por textos padrões que os impedirão de discursar com maturidade
neste tema. A estes o tempo e a educação juntos se encarregarão de, talvez,
transformá-los. Aos demais, abertos a diversidade, entendam hoje que não basta
respeitar as religiões existentes no Brasil, mas também legitimá-las na
sacralidade que compõe os diversos lares nacionais.
"A fé não precisa ser a mesma para ser autêntica" - Diogo Didier
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