Eu
querida estar namorando agora. Ter alguém para contar as coisas mais íntimas,
que não podem ser ditas a amigos nem a familiares. Uma pessoa que me levasse
para sair, ir ao cinema, ao parque, para jantar. Alguém que compartilhasse das
minhas ideias, opiniões, visões de mundo. De vez em quando, poderia haver
algumas briguinhas aqui, uma discussãozinha acolá, mas que ambos sentassem para
conversar e encontrar no diálogo a solução do problema. Brigas seriam uma
raridade perto dele. Um indivíduo compreensivo, educado, companheiro, de bom
humor. Tem que ser bom de cama também. Claro, pois sem sexo, nada feito. Além
de beijar bem, ter uma boa pegada. Não precisa ser intelectual, porém se for
inteligente já é muita coisa. Amoroso, sensível, humano, respeitoso, carinhoso,
afetuoso, dedicado, honesto, íntegro, charmoso, sensual... São requisitos para
lá de especiais no currículo da conquista. Se ainda por cima ele for lindo,
feito os galãs do cinema americano, aí é só alegria.
Infelizmente, o príncipe
encantado está confinado aos contos de fadas. Da mesma forma que a mulher ideal
não é mais aquela, que no passado, se resumia a cozinhar, cuidar da casa e dos
filhos. As pessoas mudam, a sociedade muda, e com elas a forma de se
relacionar. O que não muda ainda são os predicados exigidos por nós para ter
alguém ao nosso lado. É uma lista enorme de qualidades humanamente impossíveis
de serem encontradas numa só pessoa. Mesmo sendo improvável achar a perfeição
no outro, nos iludimos com a ideia de que há um indivíduo perfeito a nossa
espera, disposto a realizar as maiores loucuras para ficar do nosso lado. Esse
engano leva ao desengano da solidão, em que cada vez mais pessoas estão sós,
não por opção, mas por falta desta. Trocando em miúdos, vivemos numa busca
incessante por algo que não existe e insistimos nessa busca por incontáveis
tempos. Por isso que há pessoas entre vinte anos, trinta anos, ou mais, que
nunca mergulharam de cabeça numa relação a dois, pois estão aguardando um
milagre divino, que talvez jamais aconteça.
É evidente que esse
fenômeno tem fundamento na atual sociedade do desapego. A ideia é não se ligar
a nada nem a ninguém. Curtir, beijar, colar, ficar, transar, tudo
momentaneamente sem se aventurar em algo mais sério. Essa vida doidivanas não é
de um todo ruim. É preciso experienciar coisas ao longo da vida, principalmente
no campo relacional. Entretanto, o que preocupa é a durabilidade de tudo isso.
Pessoas que alcançam a maioridade e não se desvencilham de tal conduta, agindo
como adolescentes fora de faixa. Não estou dizendo que os adultos têm a
obrigação de se casarem por causa da idade. Estou analisando aqueles que,
independente da faixa etária, nunca se entregaram ao deleite de se relacionar
seriamente com alguém e, afirmam categoricamente que “estão sós por opção”.
Essa afirmação falaciosa é o produto de uma cultura que veicula a ideia de que
é melhor só do que mal acompanhado, usando músicas, filmes, livros, etc., para
reproduzir uma arte bandoleira da qual o lema é “ninguém é de ninguém” e o que
importa é gozar, biologicamente falando.
De fato, as pessoas não
são propriedade das outras, de modo que são livres para se relacionar com quem
quiserem e da forma que bem entenderem. O que me chama atenção disso tudo é que
as mesmas pessoas que passam a vida experimentando bocas e corpos alheios,
salvo raras exceções, estão na verdade em busca de alguém como morada, mas
preferem o engano da transitoriedade para satisfazer um desejo momentâneo. Dessa
experimentação desmedida surgem as doenças psíquicas, que tanto lotam as salas
dos psicólogos e terapeutas modernos: insegurança, frustração, medo, vazio,
solidão. Quando não doenças venéreas como a AIDS ou violências sexuais como o
estupro. Mulheres engravidam de desconhecidos. Homens abortam essas mesmas
mulheres e filhos. São recorrentes também os suicídios, crimes motivados por
falta de amor próprio ou pela banalização das relações humanas, o que poderia
ter sido evitado se aquele indivíduo infeliz tivesse se permitido estar com
alguém.
Mesmo cientes disso,
pessoas são levadas, acredito que inconscientemente, a renegar outras, as quais
poderiam somar pontos positivos não só para ambos, mas para o andamento da
sociedade como um todo. Casais heterossexuais são os mais livres para desfrutar
das suas paixões, mas não aproveitam essa liberdade para construir relações
maduras, sobretudo aqueles que já constituíram família com crianças. São
namoros, noivados e casamentos arranjados ou por pura conveniência. Abusos,
discussões desnecessárias e, por isso, falta de diálogo. Agressões mutuas,
muitas vezes até física. Falta de entendimento na cama, o que resvala em
traições, crimes e morte. Em casos menos trágicos, separação, brigas judiciais,
filhos envolvidos em problemas que não lhe competem, ou ludibriados pela
alienação parental. Esse panorama é mais comum do que se imagina e é
responsável por diversas implicações sociais que ocorrem em diversos lares
mundo afora. Nas relações homossexuais, além do preconceito protagonizado
diariamente pela sociedade, há a imensa dificuldade dos gays em oficializarem
em público suas relações sem sofrer retaliações por causa disso.
Em quanto do lado hétero
é mais fácil se relacionar, mas em muitos casos a falta de maturidade de muitos
leva a desastrosas relações, e do outro lado, o gay nem se quer consegue
assumir publicamente seus relacionamentos amorosos sem serem repudiados por
isso, surge as promiscuidades nas relações. O outro se torna um objeto
consumível, descartável, usado para satisfazer uma carência que parece
passageira, mas quando analisada mais profundamente, percebemos que está ali,
latente, presente naqueles que se negaram a chance de gostar de alguém, ou foram
negados a experimentar tal sensação. Não é de se surpreender que a prostituição
tenha perdurado tanto tempo no mundo, e que dificilmente ela deixe de existir.
Não vejo o ato de se prostituir como um ato pervertido. Falo da prostituição
real, não do problema social. Na verdade, o que seriam de nós sem a boa e velha
prostituta. Isto porque, em muitos prostíbulos, homens e mulheres não vão
apenas buscar satisfação efêmera, mas também diálogo, atenção, alguém para
conversar, desabafar os problemas do dia a dia, despojar as intimidades para
aquele indivíduo desconhecido, que por violar um corpo também desconhecido,
passa a ser mais conhecido do que muitos companheiros (as).
Não se pode deixar de
mencionar o individualismo que toma conta da sociedade. Esse fenômeno faz com
que as pessoas fiquem sós, não porque querem, mas porque são impulsionadas a
ficarem. O consumismo, a ideia do capital, a ganância pelo dinheiro, a fama
instantânea, o egocentrismo, não abrem espaço para relacionamentos. Não é
permitido partilhar nada. Se relacionar está intimamente relacionado a
compartilhar algo com alguém, o que vai de encontro com os modelos atuais
vigentes. É por essa razão que encontramos pessoas de diversas esferas sociais
sozinhas. Muitas não estão dispostas em dividir o que quer que seja com alguém,
mesmo que seja por amor. As intrigas conjugais são provas disso. Há diversos
casos de brigas por causa dos bens, que eventualmente uma das partes se negou a
partilhar. Disso deriva os casamentos sem amor, o qual o luxo, a pompa, a
riqueza, a fama, são mais importantes do que os valores envolvidos nos laços
matrimoniais. O resultado são casais, que mesmo juntos, estão sós vivendo uma
mentira consentida pelo silêncio.
Se relacionar
amorosamente com alguém não é importante apenas para procriação da espécie, nem
muito menos para perpetrar o emblema da família tradicional, comercial de
margarina, imposta por alguns segmentos religiosos. Também não se trata de se
envolver com alguém apenas por interesse, ou arranjar rapidamente um namorado
para mudar o status da própria rede social. Relacionamento não se limita à
busca da cara metade, a outra parte da laranja, pois ninguém completa ninguém.
Nada disso. Relacionamento é importante porque é uma prática de alteridade, de
ver o outro como alguém que merece ser tratado com respeito e dignidade,
sentimentos ausentes em muitas relações humanas. Relacionar-se amorosamente com
uma pessoa é transcendência. Desperta sentimentos deveras esquecidos, ou quiçá
inexistentes em nós. Significa hombridade, mas exige muita maturidade e jogo de
cintura. É estar disposto a encontrar no outro qualidade e, sobretudo, defeitos
que não se imaginava conviver; e torcer para que os nossos sejam bem recebidos
pela outra pessoa. Trata-se de doação, entrega, porém nada de anulação nem
muito menos perda de identidade. Por isso que é tão complexo.
Todas as vezes que ouço a
frase “estou só por opção”, eu fico me perguntando, será mesmo? Ou será que
essa pessoa não percebeu que a solidão pode ser também um produto cultural
criado para nos direcionar a consumir os produtos que saciam nossa carência:
filmes, novelas, romances, prostituição ou apenas a velha e infalível curtição?
Talvez eu não tenha respostas para as duas perguntas agora. Talvez seja preciso
fazer outros questionamentos. No entanto, é fato que se precisa discutir mais
sobre essa solidão que leva muitos homens e mulheres a vagarem silenciosamente
pela vida temendo e, ao mesmo tempo, querendo encontrar alguém para chamar de
seu. Homem com mulher, homem com homem, mulher com mulher, homem com homem e
mulher, com travesti, transexual, com todo mundo. Não importam os arranjos
amorosos, mas a sua significância social. É preciso remodelar essas relações,
ressignificá-las, trazê-las à luz. Dar uma chance para o amor numa época em que
este é o tema principal em textos, romances, músicas, filmes, peças teatrais,
nos discursos de paz, mas não se faz presente na vida. É preciso abrir espaço
para o amor. Permitir que ele aconteça naturalmente e, feito isso, deixar que
ele se materialize socialmente.
“Estar só não é uma
opção, é uma condição da natureza: nascemos e morremos sós. Mas a solidão não
deve ser a opção num mundo cheio de possibilidades. Ele deve ser uma fase, e
nada melhor do que enfrenta-la bem acompanhado.”
Permita-se amar!
genial..
ResponderExcluirMuito foda
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