A nudez tem sido encarada
de diferentes formas ao longo da história. Desde o mito de Adão e Eva até as
atuais praias de nudismo, a visão da sociedade em torno da exposição do corpo ganhou
novas conotações, muitas delas, porém, ainda ligadas à luxúria e ao pecado. O
que não mudou foi o gueto onde a nudez é apresentada. Antecedente ao sexo, o
nu, fortemente censurado pelo conservadorismo social, continua sentenciado aos
prostíbulos, bordeis, revistas e sites de sacanagem, onde os interessados podem
realizar suas fantasias mais lascivas, satisfazendo-se às escondidas. Entretanto,
é na vigente geração celular que tal prática ganhou visibilidade. O fenômeno do
mandar nudes vai muito além do envio
de fotos íntimas. Representa uma transformação das relações interpessoais, também
no modo como o indivíduo sente e dar prazer. Ao mesmo tempo, traz à tona
problemáticas ligadas a abusos, constrangimentos e violências sexuais, numa
sociedade carente de diálogo sobre sexo.
Justiça seja feita, essa
conduta do nu pessoal não é mérito prioritário desses novos adventos
tecnológicos. A história do Brasil começou a se desnudar, a princípio, com o
choque entre os lusitanos e os nativos indígenas, no interessante embate entre
a moral portuguesa e a amoralidade da nova terra. Anos depois, veio a
controversa visão da inferioridade negra na escravidão, quando a nudez dos
escravos era usufruída pelos senhores de engenho também para fins sexuais. O nu
já foi tema de quadros e esculturas famosas. Esteve presente em histórias
míticas como a do paraíso. No entanto, a nudez tal qual se conhece hoje em
países ocidentais como o Brasil foi adquirida a duras penas. As peças foram
diminuindo até que fosse possível o indivíduo ser visto com poucas roupas ou
quase nada. O espartilho e pesados vestidos foram anos depois substituídos
pelos tomara-que-caia e as minissaias. Depois vieram os biquínis, o topless, o
carnaval escandalizando tudo ao trazer a nudez à avenida. O cinema, a moda, a
música, as artes em geral, simultaneamente deram sua parcela para esse fenômeno
que sempre esteve entre a inovação e a transgressão. O que o nudes tem de novo é a afronta a
moralidade do país.
Em uma sociedade educada
a não externalizar seus desejos, é no mínimo interessante saber que o nudes esteja acontecendo nesse momento
em milhares de aparelhos celulares pelo país. Isto porque, aprende-se desde
cedo a “esconcer as vergonhas”, até mesmo diante de familiares e amigos, para
que só seja vista no ato conjugal, sobretudo após o matrimônio. Esse recato, porém,
parece ter sido vencido pelas redes sociais, e os novos meios de interação. Por
ser individual, rápido e discreto, o celular se tornou o meio pelo qual as
fantasias se realizam. O indivíduo pode photoshopar as imagens antes de
manda-las. Pode escolher qual parte do corpo ficará melhor na foto, bem como
que ângulo vai valoriza-la. Pode enviar para mais de uma pessoa aumentando seu
êxito na paquera. Ainda tem a opção de esconder as fotos pessoais e guardar as
alheias, evitando que alguém tenha acesso a esse conteúdo. Os locais também
variam: desde de clichês como quartos e banheiros, a exóticos como ônibus,
praças e até em espaços teoricamente proibidos como jurídicos e religiosos.
Em todo lugar é possível
posar sensualmente para as lentes de um aparelho eletrônico e enviar fotos
picantes para futuros pretendentes a namoro, ou apenas a um sexo casual. Ou
seja, a piscada no olho, o toque nas mãos, o assovio, até mesmo a velha
cantada, parecem estar com os dias contados. A frase “vamos nos conhecer
melhor” transformou-se em “manda uma foto da tua...”. O nu volta a ser
exaltado. Ele é a porta para a complexidade do outro, uma espécie de convite ao
prazer subentendido. Os obstáculos morais e sociais são ignorados. Há uma troca
de etapas. Antes se conhecia o parceiro para depois se chegar aos finalmente.
Hoje o finalmente é o princípio. O sexo se realiza agora na velocidade de um
byte. Não é preciso mais tantos diálogos. As pessoas se mostram umas às outras
como em um menu, esperando para serem consumidas. É o prazer pelo prazer. O
sexo como protagonista. O ser hedonista sem máscaras nem amarras. Sem perceber,
a prática do manda nudes resgatou
dois pontos caros à humanidade: o nu e o sexo, ambos poucos discutidos e muito
polemizados.
Em contrapartida, não
adianta resgatar essas questões sem problematiza-las no tempo e espaço em que
elas ocorrem. Na realidade, mesmo com o conservadorismo político-religioso e
social, nunca se mostrou tanto o corpo, e de forma tão precoce, do que na
atualidade. Há muita orientação contra doenças venéreas, mas pouco se fala
sobre sexo, sexualidade, orientação sexual, identidade de gênero, consciência
corporal, dentre outras pautas pertinentes ao entendimento do prazer humano.
Sem esse conhecimento, jovens crescem à mercê das influências a sua volta, numa
sociedade palpavelmente ligada ao sexo. A sociedade cheira a sexo. Na mídia, na
música, na moda, na escola, na rua.... Nas proibições não explicadas. Tudo é um
convite ao sexo desinformado. O nudes
é uma prova disso. Não é difícil encontrar na rede blogs e sites destinados a
mostrar fotos de meninos e meninas em poses eróticas, ou até fazendo sexo. Ou
seja, indivíduos que mal se apoderaram da própria sexualidade são levados a
fazer parte de um mundo onde o exibicionismo gratuito é confundido com
liberdade sexual.
Numa sociedade imagética,
o ideal é parecer ser. Por isso que as redes sociais são tão populares e ganham
tantos adeptos. As pessoas ali conctadas muitas vezes desconhecem os dilemas
vividos pelo país na atualidade. Elas estão mais preocupadas com sua própria
imagem, literalmente falando. Saõ fotos ousadas mostrando muito mais do que o
corpo pode oferecer. Diante de tanta exibição, muitos indivíduos, sobretudo
jovens, são sexualizados por cliques e comentários elogiosos sem perceber o
perigo que reside nisso tudo. A sexualidade só pode ser exercida em plenitude a
partir do momento em que o indivíduo passa pela maturação necessária para se
entender enquanto sujeito sexual, dentro de um espaço plural onde a sexualidade
dele faz parte de uma pluralidade maior e legítima. Sem esse entendimento, a
sexualidade fica incompleta, deturpada, o que pode resvalar em problemas
ligados a baixa estima, inaceitação, frustração, dentre outras patologias
sociais e biológicas. Nesse sentido, o manda
nudes tem se configurado, na vida desses jovens incipientes e despreparados
para a iniciação sexual, mais como um
contato narcisistico com sexo, e por isso perigoso, do que como uma prática
salutar.
Ao mesmo tempo que o manda nudes fez uma reviravolta na vida
sexual das pessoas, possibilitando-as novas experiências, também mexeu com
questões ainda pendentes na sociedade. Um delas diz respeito a corporificação
da mulher. Elas infelizmente são os principais alvos e vítimas da violência
sexual na rede. Geralmente, quando fotos íntimas são enviadas numa interação
virtual não há garantias de que estarão seguras. A prova disso é que a prática
do Sexting, o vazamento de imagens
íntimas, que tem trazido graves prejuízos as vítimas. Nos EUA, por exemplo, há
inúmeros casos envolvendo suicídios por constrangimento. No Brasil, há diversos
casos parecidos, envolvendo até invasão de contas privadas de personalidades, como o que ocorreu com a atriz
Carolina Dickman e que resultou numa lei de mesmo nome. O problema se agrava
ainda mais porque jovens moças, em sua maioria menores de idade, tornam-se
presas fáceis da violência sexual na internet. Vítimas do sexismo que impera na
sociedade, elas se veem encuraladas pelo machismo que dita até onde a
sexualidade delas pode ir. Quando há qualquer transgressão, mesmo que
inconsciente, elas são penalizadas pelo discurso facista da moral e dos bons
costumes.
Para completar esse lado
negativo do manda nudes, há a
proliferação das Infecções Sexualmente Transmissíveis – IST e a AIDS. Recentemente,
uma pesquisa feita pela Unicef na região entre o Pacífico e a Ásia constatou a
proliferação de diversas infecções sexuais em função da popularidade dos
aplicativos de paquera. Na verdade, paquera aqui é um eufemismo para pegação e
sexo casual. Em muitos destes dispositivos, no momento em que a interação
acontece, o manda nudes se
materializa e, depois, acontece o sexo, muitas vezes sem proteção e com mais de
uma pessoa. O resultado disso é o aumento de indivíduos infectados com o vírus
da AIDS, principalmente na faixa etária entre os 15 aos 29 anos. Engana-se quem
pensa que as únicas vítimas sejam homossexuais, embora estes ocupem a liderança
no percetual dos infectados em decorrência do uso de aplicativos de “paquera”.
Há muitos heterossexuais, idosos, pessoas casadas, enfim, uma grande variedade
de pessoas que usufrem desses mecanismos. Por aqui, apesar de não haver até o
momento pesquisas que liguem o crescimento das infecçlões sexuais com o uso de
aplicativos, já há levantamentos informando um crescente índice de doenças
sexuais entre jovens, possivelmente ligados à rede. A nudez quando mal
administrada deixa significativas marcas, difíceis de serem esquecidas.
Outro ponto a ser citado
envolve a influência das celebridades nacionais e internacionais flagradas em
momentos íntimos. São muitos os artístas na lista: Jared Leto, Justin Bieber,
Luana Piovani, Carolina Dickman, Stênio Garcia, Carlos Machado... entre outros
nomes do show business tendo suas vidas privadas expostas em fotos ora
hackeadas, ora expostas por livre e espontênea vontade. Nesses casos há um
maniqueísmo que deve ser analisado. De um lado, é importante saber que não só
os meros mortais são passíveis de terem imagens publicadas na rede. Artistias
de renome também podem ser violados nesse sentido. Também é importante para
naturalizar os corpos desses indivíduois, muitas vezes endeusados pela mídia.
Do outro lado, porém, quando uma celebridade é exposta dentro da sua
intimidade, em meio a um mundo amplamente conectado à internet, abre-se um
leque de discussão em torno da privicidade alheia; da postura que se espera de um
artista frente a seu público; da forma como a nudez se deu, pois muitas
celebridades encontram no corpo a chance de se manter em evidência na mídia; e
como o público receberá aquele ídolo depois de vê-lo em tal condição. Como a
nudez ainda é um tabu, provavalmente a sociedade veja o nudista de forma
apelativa, execrando-o. É como Nelson Rodrigues disse “Toda nudez será
castigada”.
Talvez ele tenha razão,
já que a sociedade vive numa palpável ambiguidade, a qual se resume a uma frase
do célebre Machado de Assis: “O problema não é o pecado, mas a sua exposição”.
Pode ser, mas reduzir o nu total a guetos não resolverá os problemas ligados ao
sexo. Pelo contrário, é preciso cada vez mais naturalizá-lo, sabiamente, para
que se desfaçam as barreiras em torno desse assunto. Falar disso não é o mesmo
que criar praias de nudismo, nem incentivar a criação de novas produtoras
especializadas nesse tipo de trabalho, como as saudosas Play Boy e a G
magazine; embora não seja uma má ideia. É tratar a nudez como parte da
realidade humana. Encontrar nela a beleza que muitos escultores, pintores e
escritores encontraram para retratar a suas musas. Evidentemente que a nudez
não deverá ser reduzida a um gênero. Não se pode desgastar a imagem da mulher,
mas do que já está. É usufruir de todas as nudezes, além de gênero, cores,
formas, padrões. Buscar encontrar a essência do nu, sua relevância e
importância, ítens claramente esquecidos nesse amontoado de nudes, muitas vezes mandado sem sentido.
Libertino na visão de
muitos, e libertário na de outros, a nudez atual não pode ser condenada ao
julgo do pecado sem ser levado em consideração todos os elementos transversais
e antepostos a tal tema. Há um longo caminho a ser trilhado para que se
compreenda as facetas da nudez. Faces essas que podem se apresentar de diversas
formas: através de um protesto, ou de um discurso meramente apelativo; de
alguém buscando encontrar um encaixe, um romance, ou apenas sexo sem
compromisso; quem sabe em forma de arte para ser cultuada, ou apenas para
transgredir como no carnaval ou na exibição de corpos sarados à beira mar; no
cinema, num filme como Ninfomaniaca, lá no fundo, no escuro da sessão, ou em
casa assistindo as Brasileirinhas e se resolvendo como pode; num poema, numa música,
ou nas dúbias propagandas midiáticas; e no manda nudes, por que não, desde que
se tenha consciência dos prós e contras que tal atmosfera pode proporcionar. Seja
como for a forma de nudez, que seja feita com naturalidade, discernimento e
respeito entre as partes. Em se tratando ainda do nudes, não se pode esperar
que seja um fênomeno passageiro, já que as inovações tecnológicas chegaram para
ficar. Entretanto, antes que a paquera se reduza de vez a “emotions”, é
importante fortalecer na sociedade, através da educação, que o fato do sexo
contar com o aliado virtual não quer dizer que isso trará sempre malefícios
como os citados. Na verdade, antes de fazê-lo é preciso entender o que é o
sexo, como ele surge, materializa e se concretiza nas suas diversas
ramificações. Tendo esse conhecimento prévio, transformado em respeito, o sexo
deixará de ser polêmico e voltará a ser o que sempre foi: natural.
“Quando o nu deixar de
ser uma arma de sedução, e for visto de forma natural, o todo mundo nu(des)
deixará de ser uma utopia”
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