No início de 2015, a performer sérvia Marina Abramovic veio ao Brasil e propôs um experimento ao público: as pessoas deveriam caminhar silenciosamente pelo espaço de um centro cultural com fones de ouvido que evitavam qualquer barulho durante quatro horas. Nesta experiência de imersão e sem distrações, a proposta da artista era que o público estivesse presente no aqui e agora e vivenciasse a quietude.
A falta de conexão com o momento presente é um sintoma da sociedade contemporânea. Quantas vezes você acessa a internet por dia, lê notícias em tempo real, responde a e-mails ou envia mensagens e fotos aos amigos via celular quase tudo ao mesmo tempo?
Hoje consome-se informação e dados a qualquer hora e em qualquer lugar. O fácil acesso à tecnologia e a mobilidade dos smartphones e tablets transformou o mundo em um ambiente cada vez mais hiperconectado e imediatista.
O brasileiro conhece bem essa realidade. Dados da comScore de 2014 mostram que nós passamos em média 650 horas por mês acessando as redes sociais (se você não fez a conta, um mês de 30 dias, por exemplo, tem um total de 720 horas). Já o estudo AdReaction 2014, da consultoria Millward Brown, indica que brasileiro gasta em média 149 minutos no smartphone e outros 66 minutos no tablet por dia.
A ascensão das redes sociais gerou duas necessidades: é preciso estar sempre conectado para conseguir se relacionar com a sociedade e registrar constantemente os fatos da vida.
Se por um lado a tecnologia é uma aliada do dia a dia, por outro, o crescente ritmo de receber e enviar mensagens, curtidas ou cliques em vários sites ao mesmo tempo pode gerar um excesso de informação. Pesquisas demostram que o uso excessivo de tecnologia pode resultar em estresse, distração e dependência.
Para muitas pessoas, deixar a tecnologia de lado pode parecer impossível. A Associação Americana de Psiquiatria já considera a dependência da internet como um transtorno mental. Para os psiquiatras e psicanalistas, a vida online vicia tanto quanto álcool e drogas.
Segundo o Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais, viciados passam, em média, seis horas e meia online todos os dias, e apresentam depressão, ansiedade e transtornos de personalidade.
Outro novo transtorno classificado pela medicina é a nomofobia, o medo de ficar sem celular. Segundo uma pesquisa feita pelo provedor de serviços SecurEnvoy, 66% dos entrevistados no Reino Unido têm medo de perder ou ficar sem celular, o objeto que mais tempo passa conosco.
Para o sociólogo polônes Zygmunt Bauman, o mundo contemporâneo é marcado pelo efêmero, no conceito que ele cunhou como “sociedade líquida”.
O autor destaca no livro “Cegueira Moral”, que no mundo de hoje, se você não está nas redes sociais, não está em lugar nenhum. Isso levaria a uma exclusão social. A velocidade de consumo de informações também levaria a uma perda de sensibilidade e a um aumento da sensação de vazio.
"A nossa era é móvel e sem a possibilidade de vanguardas. A melhor mulher, a melhor refeição e a melhor oportunidade são sempre as próximas. Não aproveitamos mais cada momento, vivemos pela performance e pelos likes. Pagamos pelos próprios pecados antes mesmo de cometê-los”, escreve Bauman.
Multitarefas
Você já falou ao celular enquanto mandava uma mensagem nas redes sociais ou enviava um e-mail? Dados do Google de 2015 mostram que 69% dos usuários pegam o celular no meio da conversa para olhar alguma informação relativa ao papo.
O hábito de acessar ou fazer várias coisas ao mesmo tempo (prática conhecida como “multitasking”, em inglês) já foi considerado como positivo em ambientes de trabalhos. Mas estudos indicam que a prática pode afetar o raciocínio.
Em um estudo de Stanford, pesquisadores descobriram que os multitaskers eram menos eficientes por serem mais suscetíveis ao uso de informações irrelevantes e de memórias inapropriadas. Quem faz muitas tarefas ao mesmo tempo acaba se tornando menos produtivo em cada uma dessas tarefas. Isso porque o cérebro faz conexões mais eficientes quando nos concentramos em uma tarefa por vez.
Para especialistas, estamos na “era da distração”, na qual as pessoas estão dispersas demais. A facilidade em obter informações favorece a distração e a falta de raciocínio em profundidade, tornando-nos consumidores rasos de informação e influenciando problemas cognitivos.
Em alguns casos, a dispersão pode representar um verdadeiro perigo. Um relatório do Conselho de Segurança Nacional mostra mandar mensagens enquanto caminhamos pela rua aumenta o risco de acidentes. Mais de 11 mil pessoas se machucaram em 2014, nos EUA, ao andar e falar em seus telefones ao mesmo tempo.
O desejo de desconectar
Nesse mundo conectado 24 horas por dia, cresce cada vez mais o desejo de se desconectar. Nos Estados Unidos e no Brasil já existem os chamados acampamentos de desintoxicação digital, voltados para proporcionar uma experiência afastada das cidades e da tecnologia, próxima à natureza.
Um dos mais famosos acampamentos nessa linha é o norte-americano Detox Digital, que envia um questionário para os internautas interessados com perguntas como: você checou o Facebook nas últimas 48 horas? Você costuma buscar algum dispositivo eletrônico em qualquer minuto de pausa?
A tendência de buscar a quietude e a desaceleração se espalha para outros aspectos além da tecnologia. Hoje em grandes cidades, o silêncio virou artigo de luxo. E não é só modo de dizer.
Em 2014, a revista Fortune apontou que as pessoas estão dispostas a gastar mais dinheiro para experimentar lugares calmos e silenciosos.
Algumas marcas já estão de olho na tendência. Resorts e hotéis de luxo já estão investindo em “zonas livres de barulho”, com paredes à prova de ruídos e jardins zen.
Recentemente a empresa de trem Amtrak criou o Amtrak’s Quiet Car, um vagão que pode ser desfrutado pelo passageiro e que tem sido muito disputado nos Estados Unidos. O diferencial? O silêncio é a regra do ambiente.
Já um aplicativo chamado Stereopublic pede para os usuários mapearem os pontos da cidade que são silenciosos ou barulhentos.
Isolar-se da poluição visual, sonora e de informação é uma forma de se reconectar consigo mesmo. Mas a vida online e o mundo interligado são um movimento sem volta. O que se busca é o equilíbrio entre as duas pontas.
BIBLIOGRAFIA
Vivendo Esse Mundo Digital – Impactos na saúde, de Cristiano Nabuco e Evelyn Eisenstein (Artmed, 2013)
Diferentes, Desiguais e Desconectados, de Nestor Garcia Canclini (UFRJ, 2005)
Modernidade e Ambivalência, Zygmunt Bauman (Zahar, 1999)
Cegueira Moral, Zygmunt Bauman (Zahar, 2014)
Carolina Cunha
Visto: Uol
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