19 janeiro 2015

É burrice medir a inteligência


O que mede o grau de inteligência de uma pessoa é, sem dúvidas, o dinamismo. Alguém que é dinâmico consegue não só fazer e ser muitas coisas ao mesmo tempo, mas também tem o dom de se adequar as várias realidades da vida e as pessoas a sua volta. É um ser que não menospreza o outro, mesmo sabendo que esse outro seja de um nível intelectual “inferior”. Afinal, infelizmente, aprendemos que ser inteligente é está dotado de um currículo que comprove isso, quando na verdade a inteligência vai muito além de uma folha de papel. Inteligência é sensibilidade. Quem é sensível é capaz de se perceber no mundo e, por essa razão, capaz de perceber o mundo em si. Essa autorreflexão é determinante para a mudança de tomada de consciência pessoal e coletiva. É quando dizemos assim: “Ele/ela é um exemplo a ser seguido/seguida”. Entretanto, em meio a pseudointelectualidades, não enxergamos que há mais pessoas inteligentes do que imaginávamos.

Se ser inteligente é ser dinâmico, então temos uma penca de intelectuais não valorizados perto de nós. Conheço diversas mães, que mesmo com pouca escolaridade, conseguem ser mães, profissionais e mulheres, numa rotina de vida que poucos acadêmicos suportariam. Elas, sem currículo ou diplomas, vão além da criação e encarnam o papel de analistas, assistentes sociais, psicólogas, terapeutas, mesmo sem nenhum conhecimento dessas profissões. São seres de uma inteligência indescritível, mas que não são valorizadas, porque não fazem parte dos parâmetros academicistas. O que é uma pena, pois muitas mulheres, e homens também, exercem tarefas dignas de grandes estudiosos, como lidar com adolescentes com os hormônios a flor da pele; o chefe que acorda mal humorado e escolhe justamente você para descontar a raiva; e o parceiro insatisfeito com a relação. São questões que exigem um jogo de cintura incrível, que vai da retórica aristotélica aos conceitos psicanalíticos de Freud.

No entanto, não vemos isso como elemento que compõe a inteligência, simplesmente porque nos ensinaram desde cedo que ser inteligente é trabalhar com o cérebro e não com o corpo. Todo o trabalho braçal está desqualificado de ser algo producente neste sentido. Essa herança histórica, e na minha visão errônea, nos faz perder a chance de ver e conhecer tantas pessoas intelectuais presentes em nosso cotidiano. Basta uma breve conversa com aqueles que ocupam profissões de menor valor social para constatar a complexidade de suas obras. Ser pedreiro, padeiro, cozinheiro, marceneiro, encanador, eletricista, dona ou dono de casa, entre outras carreiras de menor prestígio social, tem igual ou semelhante importância para o funcionamento da vida em sociedade. E todos aqueles que as exercem são grandes pensadores, pois conseguem exercer suas profissões com esmero e talento, mesmo não sendo reconhecidos social e financeiramente por isso.

É fácil para muitos de nós tachar de irrelevante profissão X ou Y  de alguém, sobretudo numa época onde as pessoas não buscam mais se profissionalizar apenas pela vocação em determinada área, mas sim pelo bônus que ela trará. Mais fácil é ainda classificar como burro aquele atendente que passou o troco errado por engano no supermercado; o operador de telemarketing que gaguejou no meio da ligação; o frentista que colocou mais gasolina do que você tinha pedido; o garçom que cobrou os dez porcento pelo bom atendimento feito, mas que você não quer pagar. Dessas e outras situações, difícil mesmo é enxergar que naquele ser há muito mais do que um mero serviçal. Talvez seja alguém tão ou mais inteligente do que você e, por diversas questões, está ocupando um cargo de menor prestígio social. Porém, estar numa posição desprivilegiada socialmente não quer dizer que o indivíduo se encontre afundado na ignorância. Pobreza e inteligência, podem ser parentes próximos, mas não são sinônimos, e isso tem que ser entendido pelos “intelectuais”.

Não sei andar de bicicleta. Depois de várias quedas na infância, percebi que não sou hábil a andar em duas rodas. Também não sei assobiar. Meus lábios, por alguma razão, não conseguem emitir esse silvo. Nadar está fora de cogitação. Na praia, arrisco-me a ficar com água acima da cintura, desde que esteja acompanhado de amigos. Se for em piscinas, procuro a parte mais rasa para não pagar mico. Na lista de incapacidades ainda estão todas e quaisquer atividades que exijam cálculos matemáticos. Os números nunca foram parceiros legais comigo e vice-versa. Diante disso, havia uma frustração da minha parte quando lembrava que não sabia fazer isso ou aquilo outro. Pior ficava quando via amigos e colegas próximos realizando tarefas das quais eu desejava, mas nem sonhava em realizar. Quando a maturidade bateu à porta, finalmente percebi que não era burro por não saber fazer o que os outros faziam. Tinha outras habilidades e precisava me orgulhar delas.

Mais importante do que isso foi quando brotou em mim a admiração por aquelas profissões desprestigiadas socialmente. Percebi que não sou capaz de cozinhar em largar escala; construir uma casa ou um prédio; consertar um problema na fiação elétrica da minha casa; nem tão pouco trabalhar com dinheiro na mão, desde contador a atendente de supermercado.  Porém, hoje consigo admirar quem possui essas habilidades e digo que quem as realiza possuem uma imensa inteligência. Mais do que isso, sei qual é o meu lugar e até onde posso ir. Evidentemente que qualquer pessoa pode aprender a fazer qualquer coisa, desde que tenha interesse para isso. Mas, não se pode negar que há uma propensão maior de alguns indivíduos para uma área e outras não. Seja como for, menosprezar quem resolveu seguir um caminho distante dos conceitos acadêmicos é burrice, pois força, talento e criatividade não estão limitados à academia.

Na verdade, muitos não se veem como inteligentes, porque não têm a dimensão de como são importantes para a sociedade. Nesse momento, o papel da academia é determinante para desconstruir tal pensamento, já que é nela que as mentes “pensantes” moldam a vida social. Cada membro de colégios e universidades espalhados pelo país devem contribuir para isso. Só a educação libertária fará com que valorizemos todos independente do grau de instrução que possuam. A questão aqui não é valorizar aqueles que não estão estudando, mas encontrar neles o potencial criativo que possuem e trazê-lo à luz. É burrice medir a inteligência apenas pela capacidade de livros lidos e cálculos feitos. Isso é importante sim, mas não se pode ignorar quem não possui essas habilidades, caso isso aconteça ai sim há ignorância. E ninguém é burro em totalidade que não seja capaz de exercer algum papel nessa sociedade. Como dizia Albert Einstein “a mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”. Alargue a sua mente.


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