“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
O célebre verso de Fernando Pessoa caiu como uma luva, depois de ver a
derrocada histórica do Brasil diante dessa copa milionária, que dividiu
opiniões desde o início. A alma, nesse contexto, serviria como expoente para
essa análise se o povo tivesse se conscientizado desde o começo que o
campeonato mundial não era nosso, ou pelo menos não deveria ser.
Mesmo assim, desalmados torcedores do país inflaram
seus peitos de esperança, na crença de que a taça poderia ser desse Brasil,
onde a bola é mais importante que a educação; o salário dos jogadores são mais
altos do que os dos médicos e a copa é mais importante do que salvar a vida de
milhares de pessoas que são esquecidas em prol dessa alienação.
Felizmente, como em muitos jogos, ganhar ou perder
é algo previsível. E o Brasil perdeu nesse. Entretanto, entre tantas perdas, a
da Copa é a mínima. A nação perdeu antes por se expor mundialmente sob dois
enfoques: em sediar um evento dessa proporção num país sem estrutura, cultural
ou física, para isso. E, acreditar que ganhando a Copa, todos os males sofridos
seriam esquecidos ou apaziguados.
Ledo engano, pois com a derrota do Brasil todos os
seus problemas voltaram à tona pelos mesmos brasileiros que viveram na
contradição de ir as ruas protestar contra esse evento, ao passo que estão
neste instante lamentando a desclassificação do país e buscam culpados para
minimizar a real culpa dessa nação cega pelo futebol.
O mesmo povo que ficou sem casa, devido às inúmeras
desapropriações feitas para comportar os megaestádios, que agora não passaram
de elefantes brancos. Essa mesma população conta agora com a sensação de dever
não cumprido, visto que o que deveria acalantar os corações dos brasileiros,
agora ganha às ruas em forma de violência, de torcedores inconformados com a
retirada do Brasil e que mostram a sua verdadeira face com arrastões, assaltos,
brigas, discussões dentro e fora das redes sociais, e mortes.
Nada de novo, já que tais violências tinham sido
deferidas muito antes contra esse mesmo povo, no momento que a política e mídia
brasileira reuniram forças e discursos para apoiar essa Copa, mesmo que para
isso milhares de pessoas tiveram que sofrer a duras penas para que tudo saísse
“nos trinques”. Então, a revolta do povo reverbera a incongruência desse
Evento, que viola os direitos humanos desde o seu princípio.
A começar pelas frases criadas pela mídia para
uniformizar a nossa torcida. O que dizer daquela, que talvez, tenha sido a mais
popularizada entre tantas: “somos todos um”. Dizer que somos um, apenas
quando estamos diante de um evento futebolístico, é uma saraivada contra os
direitos humanos, bem como contra as lutas existentes em torno dele.
Isto porque, num país onde o negro sofre
discriminação dentro e fora do campo; onde a mulher foi objetivada como símbolo
nacional para esse evento; onde os gays morrem diante do machismo futebolístico
e a população vive à mercê de tudo o que é essencial para sua sobrevivência, é evidente que não somos todos um. Na verdade, a única unidade dessa copa é a
do dinheiro. Inicialmente, as cifras das classes mais abastadas do Brasil,
exibindo suas cervejas extremamente caras nos campos. E a da expoente classe C,
a qual gastou o que não tinha para fazer bonito nessa Copa.
Diante de tudo isso, não é hora de lamentarmos
porque o Brasil perdeu a Copa, mas sim porque o nosso país se vendeu para fazer
bonito para os estrangeiros, enquanto sua nação era e é esquecida. Isso sim é
motivo de vergonha. Também é hora de reavaliar nosso posicionamento político
nesse sentido, pois os dirigentes dos país contribuíram significativamente para
a hipnose dessa cultura de pão-e-circo orquestrada também pelos meios
midiátcos.
Se os protestos de 2013 foram intensos, talvez
agora uma nova onde de incoerentes mobilizações sociais tomem conta das ruas,
motivadas pela indignação da derrota nessa copa. É uma pena, pois nem sempre
perder é algo negativo. Muitas vezes a perda lava a nossa honra e nos torna
pessoas, e nesse caso sociedade, melhor. Porém, conhecendo bem o nosso país,
bem como o nosso histórico de incivilidade, fica difícil acreditar que a
derrota seja aceita com naturalidade. Agora sim o Brasil mostrará a sua real
face: a de um povo carente, mal educado e alienado, características estas que
perduraram por muitas Copas.