08 julho 2014


Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. O célebre verso de Fernando Pessoa caiu como uma luva, depois de ver a derrocada histórica do Brasil diante dessa copa milionária, que dividiu opiniões desde o início. A alma, nesse contexto, serviria como expoente para essa análise se o povo tivesse se conscientizado desde o começo que o campeonato mundial não era nosso, ou pelo menos não deveria ser. 

Mesmo assim, desalmados torcedores do país inflaram seus peitos de esperança, na crença de que a taça poderia ser desse Brasil, onde a bola é mais importante que a educação; o salário dos jogadores são mais altos do que os dos médicos e a copa é mais importante do que salvar a vida de milhares de pessoas que são esquecidas em prol dessa alienação.

Felizmente, como em muitos jogos, ganhar ou perder é algo previsível. E o Brasil perdeu nesse. Entretanto, entre tantas perdas, a da Copa é a mínima. A nação perdeu antes por se expor mundialmente sob dois enfoques: em sediar um evento dessa proporção num país sem estrutura, cultural ou física, para isso. E, acreditar que ganhando a Copa, todos os males sofridos seriam esquecidos ou apaziguados. 

Ledo engano, pois com a derrota do Brasil todos os seus problemas voltaram à tona pelos mesmos brasileiros que viveram na contradição de ir as ruas protestar contra esse evento, ao passo que estão neste instante lamentando a desclassificação do país e buscam culpados para minimizar a real culpa dessa nação cega pelo futebol.

O mesmo povo que ficou sem casa, devido às inúmeras desapropriações feitas para comportar os megaestádios, que agora não passaram de elefantes brancos. Essa mesma população conta agora com a sensação de dever não cumprido, visto que o que deveria acalantar os corações dos brasileiros, agora ganha às ruas em forma de violência, de torcedores inconformados com a retirada do Brasil e que mostram a sua verdadeira face com arrastões, assaltos, brigas, discussões dentro e fora das redes sociais, e mortes. 

Nada de novo, já que tais violências tinham sido deferidas muito antes contra esse mesmo povo, no momento que a política e mídia brasileira reuniram forças e discursos para apoiar essa Copa, mesmo que para isso milhares de pessoas tiveram que sofrer a duras penas para que tudo saísse “nos trinques”. Então, a revolta do povo reverbera a incongruência desse Evento, que viola os direitos humanos desde o seu princípio.

A começar pelas frases criadas pela mídia para uniformizar a nossa torcida. O que dizer daquela, que talvez, tenha sido a mais popularizada entre tantas: “somos todos um”. Dizer que somos um, apenas quando estamos diante de um evento futebolístico, é uma saraivada contra os direitos humanos, bem como contra as lutas existentes em torno dele. 

Isto porque, num país onde o negro sofre discriminação dentro e fora do campo; onde a mulher foi objetivada como símbolo nacional para esse evento; onde os gays morrem diante do machismo futebolístico e a população vive à mercê de tudo o que é essencial para sua sobrevivência, é evidente que não somos todos um. Na verdade, a única unidade dessa copa é a do dinheiro. Inicialmente, as cifras das classes mais abastadas do Brasil, exibindo suas cervejas extremamente caras nos campos. E a da expoente classe C, a qual gastou o que não tinha para fazer bonito nessa Copa.

Diante de tudo isso, não é hora de lamentarmos porque o Brasil perdeu a Copa, mas sim porque o nosso país se vendeu para fazer bonito para os estrangeiros, enquanto sua nação era e é esquecida. Isso sim é motivo de vergonha. Também é hora de reavaliar nosso posicionamento político nesse sentido, pois os dirigentes dos país contribuíram significativamente para a hipnose dessa cultura de pão-e-circo orquestrada também pelos meios midiátcos.


Se os protestos de 2013 foram intensos, talvez agora uma nova onde de incoerentes mobilizações sociais tomem conta das ruas, motivadas pela indignação da derrota nessa copa. É uma pena, pois nem sempre perder é algo negativo. Muitas vezes a perda lava a nossa honra e nos torna pessoas, e nesse caso sociedade, melhor. Porém, conhecendo bem o nosso país, bem como o nosso histórico de incivilidade, fica difícil acreditar que a derrota seja aceita com naturalidade. Agora sim o Brasil mostrará a sua real face: a de um povo carente, mal educado e alienado, características estas que perduraram por muitas Copas.