21 junho 2013

Deixar de ser racista, meu amor, não é comer uma mulata!

Considerações sobre elogios racistas

Por Charô Nunes para as Blogueiras Negras
Elogio racista é toda demonstração de admiração, afetividade ou carinho que se concretiza por meio de ideias ou expressões próprias ao racismo. Com ou sem a intenção de, que fique bem claro. Um dos mais conhecidos é o famoso “negro de alma branca” que nossos antepassados tanto ouviram. Mas não são apenas nossos homens que conhecem muito bem os elogios racistas. Nós mulheres negras também somos agraciadas com esses pequenos monstrinhos, usados inadvertidamente por amigxs, familiares. Muitas vezes até por nossos parceirxs.
Decidi fazer uma lista com 5 elogios racistas (e sexistas, diga-se de passagem) que muitas de nós escutamos quase que diariamente. Alguns são consenso, acredito. Outros nem tanto. Fico aguardando ansiosa para que você, mulher negra, deixe seu comentário dizendo se também acontece com você. Se concorda, se discorda. E sobretudo, o que você faz para deixar bem claro que esse tipo de comentário pode ser tudo, menos benvindo e apreciado.

Adriana Alves é atriz e frequentemente é chamada de morena
Adriana Alves é atriz e frequentemente é chamada de morena

01. “Você é uma morena muito bonita”

Esse é o elogio racista que mais escutei em toda minha vida. Minhas primeirass lembranças são do tempo da escolinha. Mesmo mulheres como Adriana Alves ainda são chamadas de morenas, pois se acredita que chamar alguém de negra é uma ofensa racial. Se você precisa se expressar, tente um simples “você é bonita ou atraente”. Ou ainda “você é uma negra linda”, o que, dependendo do contexto pode ser tão ruim quanto.
Mas em hipótese alguma diga que uma negra é morena, moreninha, morena escura. Que não é negra. Isto sim é racismo dos graúdos, pura e simplesmente. Quando acontece comigo, digo que não sou morena e nem moreninha, sou n.e.g.r.a. O bom é que, dependendo de como essa resposta é dada, a pessoa já se toca que ela não deveria ter começado o conversê, que simplesmente não estou disponível para esse tipo de diálogo. Nem com conhecidos, muito menos com estranhos.

Não toque no meu cabelo. Foto Afrobella.
Não toque no meu cabelo. Foto Afrobella.

02. “Seu cabelo é muito bonito, posso pegar?”

Há alguns anos atrás, uma senhora ultrapasssou todos os limites de uma convivência pacífica ao se aproximar de mim, cheia de dedos, me tocando sem permissão e dizendo que eu tinha uma “peruca muito bonita”. Não retruquei de caso pensado, antecipando seu constrangimento por jamais ter cogitado que uma mulher negra pudesse ter um cabelo comprido, ao natural. Minha vingancinha, e sou dessas, foi olhar aquela expressão de arrependimento por ter percebido o que fez.
Entendo que simples visão de uma negra com cabelo natural pode ser inebriante. Que persiste a completa desinformação sobre o nosso cabelo. Porém, isso não justifica o toque sem permissão. Não importa se é cabelo natural ou não. A menos que você conheça muito bem a pessoa, não toque em seu cabelo sem consentimento. Eu iria mais longe. Para mim a boa etiqueta simplesmente reza que não se deve nem mesmo pedir para tocar o cabelo de uma pessoa desconhecida.

Alek Wek é uma modelo de traços delicados
Alek Wek também é uma modelo de traços delicados

03. “Você tem os traços delicados”

Dizer que uma negra tem traços “delicados” muitas vezes tem a ver com a ideia de que será bonita se tiver uma expressão “fina”, leia-se semelhante a de uma pessoa branca. Como se determinado tipo de nariz (ou bochechas) fosse exclusivamente dessa ou daquela etnia. Uma de suas variantes é outra expressão igualmente racista – “você é uma mulher negra bonita” – algo que ao meu ver é a mesma coisa de dizer que “você é bonita para uma negra”.
Afinal, qual a dificuldade de dizer que uma mulher negra simplesmente é… Uma mulher bonita? Porque Alek Wek tem de ser descrita como uma “mulher negra bonita” enquanto as mulheres brancas são apenas “mulheres bonitas”? Mais uma vez, toda a sutileza do elogio racista. Ele reconhece que você é uma pessoa admirável, mas sempre fazendo questão de te colocar “no seu lugar”, como se algumas fronteiras jamais pudessem ser cruzadas.

Cena de Vênus Negra, de Abdellatif Kechiche
Cena de Vênus Negra, de Abdellatif Kechiche

04. “Você tem a bunda linda”

Essa é uma opinião que certamente não é unânime. Faço questão de expressá-la como uma provocação que representa o pensamento de uma parcela significativa de mulheres negras. Para muitas de nós, esse comentário expressa a hipersexualização a que somos historicamente submetidas como exemplifica a triste biografia de Saartjie, denominada a Vênus Hotentote, exposta como atração circense em função da admiração que suas nádegas causaram na Europa do século XIX.
Apesar de todo respeito que tenho por tudo aquilo que acontece entre duas pessoas, preciso considerar a tradição racista secular desse tipo de discurso. Trata-se de reduzir a mulher negra a um pedacinho do seu corpo, desconsiderar sua humanidade, transformá-la num pedaço de carne exposto no açougue como aconteceu e acontece diariamente. Meu conselho é perguntar se a mulher a quem você pretende cumprimentar tem a mesma leitura sobre esse tipo de elogio.

Mulata da Leandro de Itaquera
Mulata da Leandro de Itaquera

05. “Você é uma mulata tipo exportação!”

Esse elogio resgata o tratamento dispensado à mulher negra no seio da senzala, da casa grande. O pensamento que nos reduz em brinquedos sexuais. Dizer que uma mulher negra é uma “mulata tipo exportação” é esquecer uma tradição escravocrata secular, que transforma a mulher negra em “peça” que alcancará boa cotação no mercado onde a carne mais barata é a nossa. O nome desse mercado é exotificação. Em alguns casos, hiperssexualização.
Infelizmente também estamos falando sobre o modo racista com que as mulatas de escola de samba, mulheres que respeito e admiro, são mostradas e consumidas. Mulheres que levam o samba no pé, no sorriso, na raça. Que, ao invés de serem uma referência de beleza, são vendidas como frutas exóticas na temporada do carnaval. Mulheres que recentemente tem sido preteridas por “personalidades da mídia” em nome de uma pretensa “democracia racial” e muitas vezes com a anuências de algumas agremiações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário