15 dezembro 2011

"Dilma está muito medrosa", diz deputado Jean Wyllys à A Capa; leia entrevista na íntegra



O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) foi o entrevistado da edição de novembro da revista A Capa. Perto de completar um ano de mandato, o parlamentar soltou o verbo. Classificou como “lamentável” o veto e a postura da presidente Dilma Rousseff em relação ao "Kit Escola Sem Homofobia", falou sobre as ameaças de morte que vem sofrendo e da aceitação de seu mandato pela comunidade gay.

A seguir você confere a entrevista completa.

Como você avalia o seu mandato nesse primeiro ano?
Avalio muito positivamente. Mais rápido do que esperava o mandato aconteceu, eu não esperava que em um ano fosse vencer as resistências em relação ao fato de ter participado de um reality show. Uma resistência que considero infundada, mas que existe. Infundada porque ninguém nasce em um reality show e julgar a pessoa a partir dessa experiência é um equívoco. Isso é desconsiderar toda a minha existência anterior e posterior.

E por que você acha que isso aconteceu?
Isso aconteceu por conta da minha entrega honesta e visceral a uma causa que é a inserção dos direitos LGBT na questão dos Direitos Humanos. Mesmo entre os defensores dos Direitos Humanos a questão LGBT não entrava, havia uma resistência para se tratar a questão gay como um Direito Humano e o fato de eu ter trabalhado pra inserir essa pauta surtiu efeito nesse médio prazo. Eu venho de uma experiência ampla de luta pelos Direitos Humanos, o ativismo faz parte do meu currículo, também tenho engajamento com a questão afro-descendente, que não se limita ao combate ao racismo, mas também em defesa das religiões de matriz africana. A minha inserção com estas lutas facilitou a inserção da questão LGBT.

O foco do seu mandato é a questão LGBT?
Se você for pesquisar as proposições legislativas do meu mandato, vai observar que há proposições legislativas sobre educação e LGBT não tem nenhuma. Isso porque a proposição carro chefe da comunidade LGBT é o PLC 122/06, que não está comigo a relatoria, mas sim no senado [com a senadora Marta Suplicy (PT-)]. Eu sou um apoiador indireto do PLC, eu discuto a matéria sem mesmo ser relator e autor e mesmo que neste momento o projeto não esteja na Câmara dos Deputados Federais. E a outra proposição legislativa que também é importante pra a comunidade é a PEC do Casamento Civil Igualitário, mas a PEC ainda não foi protocolada porque eu ainda não consegui ter assinaturas suficientes. Ainda estou na batalha pelas assinaturas, mas já levantei o debate, já tem um site que está no ar, já tem uma campanha que está no ar e a partir do ano que vem essa campanha ganha outro corpo, porque artistas vão participar e os vídeos vão começar a ser divulgados. Será uma campanha ampla pela sociedade, conseguimos parcerias importantes para pautar a sociedade corretamente.

Como você reagiu frente ao veto do governo federal ao Kit Escola Sem Homofobia?
Foi um absurdo a Dilma ter suspendido o Kit. A voz que se levantou foi a minha. Eu fui e lá e disse: “é um equívoco a suspensão do projeto e é um equívoco a sua frase [a presidente Dilma declarou que o seu governo não faria promoção de nenhuma opção sexual (sic)]”. Não existe opção sexual. Será que o setor nacional LGBT do PT não foi capaz de pautar corretamente a presidente e dizer que o termo “opção sexual” é uma agressão a nós homossexuais, pois não se trata de optar? Enfim, a maneira como ela suspendeu o Kit e a frase dita foi muito ruim para todos nós da comunidade.

Acredita que o Kit Escola Sem Homofobia volta para pauta do Congresso Nacional?
Eu acho que volta. A gente não vai avançar na cidadania LGBT se a gente não dialogar com as bancadas conservadoras, isso é um fato. Agora, dialogar com a bancada conservadora não significa ceder e nem ser subserviente a bancada conservadora. E olha, eu votei convicto na Dilma no segundo turno e quando se iniciou aquela campanha difamatória contra ela eu saí em defesa dela e isso não sendo do PT. Então eu esperava que no primeiro ano do governo dela, que é o ano que o presidente pode tomar medidas impopulares porque ele tem três anos para recuperar, ela fosse mais ousada. Mas ela não foi. Ela cedeu muito fácil a pressão da área conservadora e isso é subserviência e eu sou contra a subserviência, mas sou a favor do diálogo. E nós vimos com a aprovação do Estatuto da Juventude de que não há avanço da cidadania LGBT sem o diálogo.

O que você acha das críticas que dizem o casamento igualitário ser uma luta burguesa?
A Judith Butler (filósofa queer), se colocou a favor do matrimônio igualitário e contra todos os ataques de que o matrimônio igualitário reforça as estruturas burguesas. Não é isso que está em jogo, é o direito, o Estado de Direito ao qual nós não temos acesso, nós somos cidadãos menores.

O que você achou do texto aprovado para o Estatuto da Juventude?
Algumas pessoas apressadamente e desinformadamente disseram que o projeto aprovado era pior, eu posso dizer categoricamente que não é verdade. No projeto original tinha um ponto que havia uma brecha para as terapias de cura fossem feitas pela igreja e com parceria do Estado. Quando eu li isso, na véspera da votação, e eu pensei “meu deus, isso aqui não pode ser aprovado de jeito nenhum”. Aí liguei imediatamente para a Manuela D’Ávila (deputada federal pelo PCdoB e relatora do Estatuto da Juventude) e disse a ela que nós tínhamos que tirar aquilo do projeto. Então tivemos um diálogo muito duro com a bancada evangélica, troca de frases contundentes, mas, ao fim, conseguimos chegar a um entendimento. A bancada evangélica é dividida, por incrível que pareça: nós temos aqueles que são os mais conservadores e que são liderados por Anthony Garotinho (PR-RJ) e Marcos Feliciano (PSC-SP), com quem não temos diálogo. Mas nós conseguimos apoiadores importantes da bancada evangélica que dialogaram com a gente.

O Estatuto da Juventude é a primeira política pública aprovada com o termo LGBT.
Sim, isso é verdade. Nesse marco regulatório está reconhecida a diversidade sexual e o termo orientação sexual também está presente, ou seja, a juventude tem de ser considerada na sua diversidade. Na última pesquisa do Ministério da Saúde ficou claro que os jovens LGBT voltaram a ser foco do HIV, e por que isso acontece? Porque o jovem LGBT não tem direito ao seu corpo, esse direito lhe é negado, eles não têm o direito a vivenciar o afeto e ele não vêem o afeto deles representado na TV, na publicidade e passam a viver uma sexualidade clandestina que os expõem a infecção.

O seu mandato é um dos mais bem avaliados e lembrados hoje em dia, e o mais curioso é que o seu trabalho tem sido bem visto por grande parcela heterossexual da população. Você esperava por isso?
Esperava. Posso garantir que dos meus poucos 13 mil votos que me deram o segundo lugar entre os candidatos do PSOL, 80% vieram de heterossexuais. Mas acredito que isso vai mudar e hoje os gays estão me vendo como um bom representante. Vou usar uma metáfora. As minhas ações estavam em baixa e as pessoas não queriam apostar nessas ações, houve um grupo que apostou e agora podemos dizer que as minhas ações estão em alta e por isso as pessoas perceberam: esse cara me representa, representa os meus interesses, as minhas angustias, está batalhando e, portanto, eu vou votar nele nas próximas eleições.

Você foi capa da revista Rolling Stones, vai receber o prêmio da revsita Trip, esteve no Vídeo Music Brasil da MTV, você se considera um parlamentar pop?
Eu tenho característica pop (risos) e isso se dá muito porque eu participei de um reality show. O fato é que eu tenho uma história de vida muito inusitada: sou um menino que nasce na miséria, passei toda a minha a infância na pobreza, fiz mobilidade social graças a educação, fui do movimento da igreja (Pastoral), depois ingresso no movimento gay de Salvador, depois me torno jornalista e professor, vou para um reality show...

E ganha o reality show.
É, tenho uma trajetória de vida muito interessante e que tem um apelo popular e acredito que isso despertou um interesse da juventude, que é muito cética em relação à política. Ela não gosta muito de ouvir falar da política, existe esse preconceito e o fato de eu ser pop, conhecido, fez com que as pessoas prestassem atenção na política. Gente que nunca acompanhou, está acompanhando o meu mandato. Isso é uma coisa que sinto pelo twitter, eles comentam os meus posts e dizem que aprendem comigo. Acredito que o meu mandato tem ajudado nisso, na conexão com a juventude. Entenderam que eu sou uma renovação na política e que faço um mandato sério.

O movimento gay brasileiro é conservador?
Não é que o movimento gay brasileiro seja conservador, não usaria essa palavra. Acredito que o movimento se contenta com pouco e se paralisa com esse pouco. E o fato do movimento ter relações muito íntimas com instâncias governamentais paralisa demais o movimento. Ele precisa ser movimento social e estar acima de governo e partido. Tem de ser independente.

Você considera o governo Dilma Rousseff pró – LGBT?
O governo Dilma ainda não disse a que veio em relação à causa LGBT. Admiro o trabalho da Maria do Rosário (Ministra dos Direitos Humanos) e vejo o esforço dela em tocar essa pauta.

Qual a sua opinião sobre as ações da ministra Maria do Rosário?
A Maria do Rosário é de fato uma parceira e tem tentado fazer um trabalho pró – LGBT, mas não basta a boa vontade dela, pois, a política do governo depende muito da relação com a base, que é conservadora, e por eu não ter nenhum compromisso com o atraso, e o meu partido (PSOL) não ser de direita e fazer uma oposição de esquerda, ou seja, não está aliado ao PSDB e nem ao DEM,eu tenho a liberdade para fazer crítica.

Tenho a impressão de que a Maria do Rosário é uma voz no deserto dentro do governo Dilma. O que você acha?
Eu também tenho essa impressão. Por isso eu louvo a resistência dela. Eu votei na Dilma convicto de que ela faria diferente e o que a gente entende é que o governo Lula fez mais, foi mais sensível, pegou a bandeira do movimento LGBT na abertura da I Conferência Nacional. Esperava que ela tivesse mais ousadia no enfrentamento com a base evangélica. E na ONU? Eu fiquei decepcionado, como é que ela não diz explicitamente sobre a questão LGBT? O Barack Obama disse com todas as letras. O assassinato de homossexuais é uma realidade concreta. A Dilma está muito medrosa com a sua base.

Ao longo do ano você recebeu várias ameaças, inclusiva de morte. Como você está em relação a isso? Sentiu medo?
Medo eu senti, não tem como não sentir medo quando você recebe uma ligação dizendo que você vai morrer. Mas apesar de sentir medo na hora em que recebi ameaça, no momento seguinte eu pensei: porra, não, tudo o que essa pessoa quer é isso, me paralisar. Então eu resolvi enfrentar. Tomei as providências e a Polícia Federal já está investigando.

Nessa legislatura teremos alguma lei LGBT aprovada?
Acredito que aprovamos o Casamento Civil Igualitário.

E o que te leva acreditar nisso?
A decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que está com quatro votos a favor a união civil igualitária. A votação foi suspensa, mas será retomada e acredito que será favorável. Também estamos fazendo uma campanha que inclui o pedido de diversos casais da conversão da união civil em casamento, mas a campanha vai levar o esclarecimento ao povo e isso vai ajudar. O PLC 122 eu acho difícil que a gente consiga aprovar nessa legislatura e ele depende da relatora (Marta Suplicy), que neste momento está dividida entre isso e a sua campanha para São Paulo. Mas se a gente conseguir aprovar o Casamento Civil Igualitário será do caralho, vai ser um baque cultural no sistema falocêntrico e machista.

Visto no: A Capa

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