08 maio 2011

REFLEXÕES SOBRE PRECONCEITO E FORMAÇÃO

José Leon Crochik

In: Valores, preconceito e prática educativas.

Por Maria Lúcia Terra*

José Leon Crochik, neste artigo, discute a questão do preconceito à luz da Psicanálise, com base nas teorias de Adorno e Freud, estabelecendo uma relação com as questões de formação humana.


Citando Adorno et al (1965), Crochic menciona estudos sobre a personalidade autoritária, os quais demonstraram que indivíduos autoritários justificam racionalmente seus preconceitos contra a minoria, enquanto que os não autoritários agregam o afeto aos seus argumentos de defesa das minorias.

Para Freud, a racionalização deve ser pensada em relação aos mecanismos de defesa e aos conflitos que precisam ser mantidos fora da consciência. Um desses conflitos é a negação da identificação com o alvo hostilizado. No indivíduo preconceituoso, racionalização e negação da identificação agem em conjunto.

O preconceito se localiza em conflitos individuais, provocados pela sociedade, que precisam de um objeto externo sobre o qual o indivíduo projeta seus desejos, negando-os em si mesmo. A representação desse objeto tem relação com esses desejos negados. Não é o próprio objeto que suscita a violência que cai sobre si, mas sua representação, ou seja, tudo que aquela pessoa representa.

Nos dias atuais, pensamos à base dos estereótipos, construídos socialmente. Os conflitos psíquicos que antes poderiam explicar a violência do indivíduo predisposto ao preconceito foram empobrecidos. O indivíduo contemporâneo diferencia-se menos do que o de outrora, suas identidades estão enfraquecidas, mesclando-se às configurações desenhadas coletivamente. Atualmente, eles só se diferenciam entre si pela direção que seu pensamento estereotipado toma em relação aos seus objetos: contra ou a favor, sem ter argumentos elaborados, ainda que falsos, para uma ou outra posição.

Nossa cultura é formalmente democrática e destinada ao combate a qualquer forma de discriminação. Mas isso gera um conflito com relação aos atos de discriminação. Essa contradição entre valores e ações encontra-se na base da sociedade capitalista (Marx, 1978). Segundo ele, para a religião e os preceitos éticos, devemos tratar bem nossos semelhantes, mas submetidos às leis do comércio, devemos competir com eles.

Se o preconceito é uma resposta ao medo do fracasso da autoconservação, só uma sociedade que permitisse a sobrevivência e, mais do que isso, uma vida digna a todos, poderia deixar de fomentá-lo.

Nos dias de hoje, na educação escolar, fala-se muito na experiência e no desenvolvimento do pensamento, mas é uma experiência que tende a se reduzir ao particular, negando relação com a totalidade. Aquele que se volta para sua própria experiência pode tender a perceber o mundo segundo suas próprias necessidades e desejos, aproximando-se do narcisismo que alimenta o preconceito e a aversão ao diferente.

A formação atual nos instrumentaliza constantemente para nos adaptarmos, substituindo a antiga incorporação de valores que fundava a consciência moral. A redução da teoria ao conjunto de conhecimentos necessários para o trabalho, ao desenvolvimento de habilidades, tendo em vista unicamente a sobrevivência e não a sensibilidade, não é propícia à reflexão, reflexão essa imprescindível para a percepção do eu e sua diferenciação em relação ao exterior, e assim propiciar a responsabilização por si mesmo e pelo mundo externo.

Crochik discute a tendência das sociedades atuais em privilegiar a racionalidade técnica, em detrimento dos aspectos humanos. Para ele, não é casual que o desenvolvimento das competências ligadas a saberes e habilidades técnicas seja privilegiado na escola, em detrimento de uma formação para a sensibilidade. Essa formação técnica, que não considera a reflexão e o fato de que ela não pode se dar de forma independente aos interesses humanos, auxilia a gerar a frieza e a perpetuar os mesmos mecanismos que alimentam os preconceitos.

Se na escola aprendêssemos a história do movimento da sociedade, poderíamos entender que a libertação em relação ao presente como se apresenta e a recuperação de uma sociedade justa são antídotos a uma concepção de repetição fatídica, como um destino do qual não se pode escapar.

Se a forma mais recente do indivíduo predisposto ao preconceito configura-se por um ego pouco estruturado, pela existência de uma consciência moral heteronômica que propicia a adesão cega a ideários irracionais, pela quase ausência de identificação, pelo pensamento estereotipado, por um agir fixo, independente de qualquer objeto, isto se deve a modificações sociais e, portanto, culturais; assim, somente novas modificações sociais poderiam extirpar esse fenômeno. Enquanto isso não ocorre, caberia também à educação escolar ao menos atenuá-lo, desde que tome consciência do quanto ela própria colabora com tal configuração.

Maria Lúcia Terra é professora de Língua Portuguesa, Supervisora de Ensino aposentada e colaboradora deste blog. A resenha acima é de livro integrante de bibliografia para seleção de mestrado 2011 da Unesp de Presidente Prudente/SP.

Fonte: Antônio Luceni

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