08 março 2011

Orgulho de quê? – Uma crítica ao foco das manifestações LGBT


Por Élio Farias

Sempre tive um pé atrás com a expressão “orgulho gay”. Assim sem preposição ela não diz bem ao que veio e abre, para mim, uma guerra de preconceitos. Orgulho de quê? De ser gay? Ou de ser assumidamente gay? Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. E confesso que preferia quando as manifestações LGBT usavam o lema da “liberdade sexual” em suas paradas e afins. Era mais amplo, mais honesto, evidenciava melhor as reivindicações das diversas minorias sexuais. Agora temos as tais “paradas do orgulho gay” e o que mais vemos é aquele show de cores, música eletrônica, gente montada, fantasias, ousadia artística, brilho, alegria, gestinhos eróticos, músculos, corpos, beijos, humor... Devem ser as tais expressões de orgulho, não é? Depois volta todo mundo pra casa e vive a realidade nada colorida da vida. Então tá bom...

Infelizmente, a realidade de muitos gays envolve uma coleção de homofobias que não sabemos se foi ampliada ou amenizada com essas manifestações de orgulho. No Brasil, o número de homossexuais assassinados aumetou nos últimos anos, já superando a marca de 200 casos só em 2010. Suicídios, então, nem se fala. O Brasil disputa o recorde quase sempre, com mais de dois mil casos por ano... “I will survive?” Espero que sim, certo!?

Foi justamente por conta das consequencias das chacotas e da discriminação que o movimento LGBT resolveu adotar o tal “orgulho gay”, para tentar levantar a autoestima de quem sentia justamente vergonha da sua própria condição. Certamente a intenção foi boa, ninguém vai questionar isso. Mas precisamos confessar, essa iniciativa foi um verdadeiro tiro no pé!

Não se resolve um extremo - a vergonha - forçando exatamente o seu oposto - o orgulho. Ainda mais quando se trata de uma característica que não depende de nossa vontade - a orientação sexual. Podemos sentir orgulho por aquilo que optamos ser, por aquilo que conquistamos na vida, por aquilo que possuimos, mas que podemos deixar de possuir. Nossa orientação sexual não entra nessa jogada. Ela é natural, está lá independente do que a gente faça, independente da nossa vontade, independente da reação que tenhamos ao descobrí-la. Ela é um fato e, até onde se saiba, ninguém pode ser responsabilizado negativamente ou positivamente por sua existência. Então, não há motivo para ter orgulho, assim como não há motivo para ter vergonha.

Se o tal “orgulho gay” quer dizer o mesmo que “orgulho de ser homossexual”, além de não fazer sentido, tal expressão pode depor contra a inteligência e as intenções do movimento LGBT. Por conceito, orgulho é um sentimento de satisfação por uma capacidade adquirida ou realização de um feito, em contraposição ao seu oposto, considerado ruim, vergonhoso ou negativo. Por exemplo, podemos ter orgulho de sermos honestos, porque a desonestidade seria uma vergonha. Podemos ter orgulho de passar num concurso ou vestibular, pois ser reprovado seria algo ruim. Podemos ter orgulho de nossos pais, porque, se fossem diferentes, talvez não tivéssemos tanta admiração. Por fim, será que podemos ostentar um orgulho de sermos homossexuais? Deixando subtender que seria vergonhoso ser... hetero !? Eis aí a evidência de um preconceito... justamente de quem intenciona combatê-lo.

Na minha opinião, a maior imbecilidade de qualquer manifestação em defesa dos homossexuais é criar ou incentivar uma rivalidade do tipo Gays X Heteros. De uma vez por todas, precisamos enfiar na nossa cabeça: nem todo heterossexual é homofóbico e nem todo homofóbico é heterossexual! Não se pode combater o preconceito com mais preconceitos. Quem paga na mesma moeda sofre do mesmo mal. Essa postura só cria uma guerra inútil de pessoas que mal sabem por quem estão brigando.

Por outro lado, se o “orgulho gay” pretende dizer “orgulho de ser assumidamente homossexual” ou “orgulho de afirmar ou viver sua sexualidade sem culpa”, isso sim pode fazer algum sentido positivo. Nesse caso, o orgulho não seria pela sexualidade em si (que é algo natural), mas pela forma como lidamos com ela, pela maneira como decidimos vivê-la. O contrário desse orgulho não seria a heterossexualidade, mas sim a omissão, a mentira, a própria vergonha de algo que deve ser natural. Mas se as paradas querem justamente evidenciar isso ao afirmar seu “orgulho gay”, pecam no exagero e na confusão que fazem entre “orientação sexual”, “identidade de gênero” e “papel social de gênero”. Aliás, vale a pergunta: o termo “gay” se refere apenas à orientação homossexual ou é algo mais amplo, que envolve outros aspectos do comportamento? Caso envolva, acho bom o movimento começar a clarear melhor o termo, pois podem existir muitos homossexuais que não são gays e nem sabem disso...

Se o “orgulho gay” visava elevar a abalada autoestima dos homossexuais, trazendo um sentimento de dignidade pessoal, creio que não funcionou para todos. Afinal, contra o sentimento de vergonha, quais seriam as formas de mostrar que a vida homossexual pode ser digna de orgulho? Usando adereços, fantasias e maquiagens que escondem os cidadãos atrás de personagens? Enfiando uma sunga na bunda e requebrando músculos ao som do hit eletrônico do momento? Forçando abraços e beijos canibalescos no meio da avenida para atiçar os infelizes conservadores de plantão? Pode até ser... Mas isso nem de longe representa a realidade dos homossexuais e tampouco evidencia as importantes reivindicações por direitos. Duvido que essas expressões contribuam com qualquer evolução na conquista da igualdade. Esse tipo de manifestação se chama “carnaval” ou no máximo “festa”, evento típico de quem tem ou inventa motivos para comemorar. Infelizmente não é para mim...

Tenho saudade da coragem, da honestidade e da responsabilidade das manifestações pela causa LGBT das décadas de sessenta e setenta, anos que eu nem vivi. Ficou registrado na história. Aqueles gays, lésbicas, bi e heteros defendiam a liberdade e não apenas o brio do orgulho, coisa de quem se acha melhor que os outros. Precisamos retomar esse foco para não perder a razão e dar continuidade às conquistas que eles iniciaram. Essa sim é uma postura digna de orgulho, a defesa da igualdade de direitos! Algo bem diferente da simplória exposição fantasiosa e caricata das nossas diferenças. Espero sinceramente que aqueles dignos manifestantes não tenham perdido suas vidas em vão!

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