14 janeiro 2011

Homens que São Mulheres



De todas as discriminações sociais, a mais pérfida é a dirigida contra os travestis.

Se fosse possível juntar os preconceitos manifestados contra negros, índios, pobres, homossexuais, garotas de programa, mendigos, gordos, anões, judeus, muçulmanos, orientais e outras minorias que a imaginação mais tacanha fosse capaz de repudiar, a somatória não resvalaria os pés do desprezo virulento que a sociedade manifesta pelos travestis.

Quem são esses jovens travestidos de mulheres fatais, que expõem o corpo com ousadia nas esquinas da noite e na beira das estradas? Apesar da diversidade que os distingue, todos têm em comum a origem: são filhos das camadas mais pobres da população.

A homossexualidade é tão velha quanto a humanidade. Sempre existiu uma minoria de homens e mulheres homossexuais em qualquer classe social; caracteristicamente, no entanto, travestis só aparecem nas famílias humildes.

Na infância, foram meninos com jeito afeminado, que se tivessem nascido entre gente culta e com posses, poderiam ser profissionais liberais, artistas plásticos, empresários, costureiros, atores de sucesso. Mas, como tiveram o infortúnio de vir ao mundo no meio da pobreza e da ignorância, experimentaram toda a sorte de abusos: foram xingados nas ruas, ridicularizados na escola, violentados pelos mais velhos, ouviram cochichos e zombarias por onde passaram, apanharam de pais e irmãos envergonhados.

Em ambiente tão hostil, poucos conseguem concluir os estudos elementares. Na adolescência, com a autoestima rebaixada, despreparados intelectualmente, saem atrás de trabalho. Quem dá emprego para homossexual pobre?

Se para os mais ricos com diploma universitário não é fácil, imagine para eles. O máximo que conseguem é lugar de cozinheiro em botequim, varredor de salão de beleza na periferia ou atividade semelhante sem carteira assinada.

Vivendo nessa condição, o menino aprende com os parceiros de sina que bastará hormônio feminino, maquiagem para esconder a barba, uma saia mínima com bustiê, sapato alto e um bom ponto na avenida para ganhar numa noite mais do que o salário do mês.

Uma vez na rua, todo travesti é considerado marginal perigoso, sem nenhuma chance de provar o contrário. Pode ser preso a qualquer momento, agredido ou assassinado por algum psicopata, que nenhum transeunte moverá um dedo em sua defesa. “Alguma ele deve ter feito para merecer”, pensam todos.

Levado para a delegacia irá parar numa cadeia masculina. Como conseguem sobreviver de sainha e bustiê em celas com vinte ou trinta homens, numa situação em que o mais empedernido machão corre perigo, é para mim um dos mistérios da vida no cárcere, talvez o maior deles.

A condição de saúde dos travestis é precária. Não existe um serviço de saúde com endocrinologistas para orientá-los a respeito dos hormônios femininos que tomam por conta própria. Muitos injetam silicone na face, nas nádegas, nas coxas, mas sem dinheiro para adquirir o de uso médico, fazem-no com silicone industrial comprado em casa de materiais de construção, injetado por pessoas despreparadas, sem qualquer cuidado de higiene. Com o tempo, esse silicone impróprio escorre entre as fibras musculares dando origem a inflamações dolorosas, desfigurantes, difíceis de debelar.

Ainda os portadores do vírus da AIDS encontram algum apoio e assistência médica nos centros especializados, locais em que os funcionários estão mais preparados para aceitar a diversidade sexual. Nos hospitais gerais, entretanto, poucos conseguem passar da portaria, barrados pelo preconceito generalizado, praga que não poupa médicos, enfermeiras e pessoal administrativo.

Os hospitais públicos deveriam ser obrigados a criar pelo menos um posto de atendimento especializado nos problemas médicos mais comuns entre os travestis. Um local em que pudessem ser acolhidos com respeito, para receber orientações sobre uso e complicações de hormônios femininos e silicone industrial, prevenção e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis e práticas de sexo seguro.

A saúde pública não pode continuar dando as costas para essa minoria de homens, só porque eles decidiram adotar a identidade feminina, direito de qualquer um. Quem somos nós para condená-los?

Que autoritarismo preconceituoso é esse que lhes nega acesso à assistência médica, direito mínimo garantido pela constituição até para o criminoso mais sanguinário?

15 comentários:

  1. Poxa meu amigo que texto forte, serio , e verdadeiro..
    de fato isso é sério demais..

    tenho uma amiga que é trans, ela ja fez a ciru e agora é menina de verdade, mas olha antes foi luta ela sofreu demais em função disso..
    mas meteu a cara nos estudos, se formou passou em concurso publico hoje tem diploma duas faculdades concluidas e trabalha na area civel da minha antiga cidade.. hoje ela pode dizer que venceu , mas não foi fácil.
    sei de tudo que passou ah conheço a mais de 20 anos é uma guerreira e passou por varias dessas coisas citadas ai no seu texto.. fui lendo
    e me lembrando dela, pensando nela.


    um beiJO e uma noite de paz..

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  2. Diego,

    Que texto excelente...tenho dois amigos travestis e por isso, acompanho de perto as dificuldades que eles sofrem, principalmente quando o assunto é assistência a saúde.

    Amigo esse fundo musical do seu blog é brilhante....qual é mesmo o nome da cantora? (kkkkkk..minha diva)


    abraços

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  3. Gostei das músicas de fundo, da vontade de sentar, ficar parado ao tempo, esquecer de tudo e de todos....
    Ótimo post, e infelizmente é triste notar esse tipo de preconceito, ngm é melhor q ngm, todos qdo morrer vão para o mesmo buraco, embora alguns irão para o inferno, que é o lugar que os preconceituosos merecem ir...
    Forte abraço

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  4. Ótimo texto do dr Draúzio.
    Muito obrigada por compartilhar.
    Bjs

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  5. Mas, esse blog arrebenta NÉ.
    Beijosss beijo beijo beijo beijo e tudo Procê meu lindoooooo!

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  6. Oláaa!!!

    Tenho um selo pro seu blog! Passa lá no meu pra pegá-lo e conferir as regras, ok?!

    Bjs

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  7. Olá!!

    Gostei muito do espaço qeu criou...

    Posso te add em meus links na lateral de meu blog?

    Já estou seguindo!

    Um abraço,

    Kleber
    oteatrodavida.blogspot.com

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  8. Sou contra a qualquer tipo de descriminação, somos todos seres iguais nascemos todos da mesma forma e todos acabamos também por morrer cada um de nos vamos ter as nossas oportunidades na vida e acredito que trazemos o nosso próprio karma e a forma de comportamento vai condicionar se iremos ser mais ou menos felizes, será que isso já não chega para nos tornar a vida difícil, quem somos nós para julgar os nossos irmãos, quem de nós nunca fez nada de errado.
    depois e escolha de sexualidade só a cada um diz respeito
    beijinhos

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  9. É de perguntar: Onde ficam os sagrados direitos humanos, no meio disso tudo?
    Numa sociedade hipócrita e preconceituosa, orquestrada por uma camarilha de religiões que fomentam o ódio e o sectarismo, levaremos muito tempo até conseguir mudar as premissas básicas da conduta social.

    Haja esperança e força para continuar denunciando!

    Beijos

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  10. Como disseste bem, vivem à margem da sociedade que não tem vontade nenhuma de colocá-los ao seu lado. Melhor ver da vitrine, rir com eles do que sentar com eles, assim pensam esta mesma sociedade hipócrita pronta pra jogar pedra em qualquer um mas os travestis que sofrem mais. Sempre mais!

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  11. é bem forte esse texto. Quando o li pela primeira vez fiquei estasiado com o teor das suas palavras. Quanta verdade depositada num tema que resvala no vale das inverdades.

    Gosto do Dráuzio Varella e da sua postura para com os temas ligados aos LGBTTs. Ele discute com profundidade a problemática vivida pelos homossexuais, mostrando por vários ângulos, que há uma possibilidade da sociedade enternder os gays, só basta querer e raciocinar.

    É sempre bom ler o que ele escreve, não só pela figura consagrada que ele é, mas sim pela simplicidade com que encara os temas que para muitos soam como polêmicos, para ele, no entanto, a polêmica está em quem não quer entendê-los.

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  12. Recebi o email que você me maqndou com esse texto, mas ainda não o li. Parece interessante.

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  13. Ah Julio! esse texto é esclarecedor e ainda vai dar o que falar...

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