Cada vez mais sabemos
menos sobre masculinidades e feminilidades. O que nos chega ainda é muito raso,
sentenças superficiais demais, incapazes de se aprofundar nessa questão. Porém,
ainda se vende protótipos masculinos e femininos como regra. São modelos
estanques de condutas, comportamentos, atributos físicos, que precisam ser
reproduzidos para serem aceitos e, por fim, naturalizados pela sociedade. Caso alguém
fuja à norma, as penalidades não tardarão a chegar. O interessante é que cada
vez mais pessoas estão questionando essa cartilha de ser homem e mulher,
trazendo à tona novas configurações de si, que de tão possíveis, já fazem parte
da realidade social. É que a nossa existência não precisa ser igual a de todo
mundo para ser ideal. Pelo visto, estamos aprendendo a idealizar nossa forma de
existir através daquilo que mais nos representa, a nossa imagem.
Limitado pelo campo
biológico, cuja categoria homem e mulher não assegura a permanência de um
indivíduo dentro deste polo ao longo da vida, crescemos acreditando na ideia de
que nossos órgãos sexuais irão determinar a forma como nos manifestaremos na
sociedade. Essa cobrança, evidentemente, se dá através de uma educação
indiscutivelmente sexista, responsável por enquadrar meninos e meninas em
agrupamentos distintos para fazer valer aquilo que lhes foi dado pela natureza.
Entretanto, mais fortes que a herança biológica são as interações sociais. Nelas,
percebemos que existem diversas formas de ser homem e mulher sem
necessariamente desonrar nossas genitálias. É só entendermos que nossas áreas
sexuais cumprem funções especificamente biológicas, mas são incapazes de nos
definir por completo.
Do ponto de vista dos
relacionamentos, entender isso é um ganho gigantesco. Por exemplo, a ideia de
virilidade destinada aos homens está intimamente relacionada ao pênis,
sobretudo se levarmos em conta que vivemos numa sociedade falocêntrica. Em contrapartida,
há homens que não são tão viris, mas são homens, muitas vezes héteros sexuais,
e que sofrem por não se enquadrar no perfil masculinizado esperado pela
sociedade. Com mulheres ocorre o mesmo. Desde o nascimento, ao diferenciá-la do
sexo oposto com um brinco, estamos impondo um modelo de feminilidade que pode
não ser aquele desejado por ela ao longo da vida. Porém, encaixotamos precocemente
nossas crianças em práticas, cores, regras e ações tipicamente sexistas, as
quais podem, e vão, resvalar em perfis sexuais adultos estratificados.
O quesito empatia é o
mais penalizado nesse sentido. Isto porque, quando não se apresenta à sociedade
masculinidades e feminilidades, mas o singular dessas instâncias, isso
interfere no entendimento daquelas pessoas que têm suas ramificações de gênero
distintas da “normalidade”. É o que acontece, por exemplo, com as travestis, transexuais,
Drag Queen’s, Transformistas, Queer’s, dentre outras expressões de gênero e/ou
artísticas ainda desconhecidas do grande público. Nem precisa tanto, basta
mudanças sutis nos comportamentos vistos como de homem e de mulher para que o
desrespeito se faça presente. Sem uma educação conscientizadora, continuamos a
oprimir todo aquele que ousar transgredir as masculinidades e feminilidades
definidas como corretas. Se não há uma discussão em torno dessa pluralidade,
não haverá avanço. Pelo contrário, é justamente os preconceitos que progridem
frente a esta realidade.
Diante disso, não há um
único ideal de masculino e feminino. Somos plurais. Nossas masculinidades e
feminilidades precisam estar alinhadas à diversidade humana. Ignorar isso é uma
afronta a nossa natureza, um desrespeito aos nossos corpos e mentes e um erro,
sobretudo quando impomos nossas vontades sobre aqueles que corajosamente enfrentam
a sociedade como são. Tão pouco é pecaminoso, abominação, fraqueza, ou qualquer
outro enunciado preconceituoso, ser diferente dos demais. Apenas é uma prova do
quão frágil é essa ideia de que homens e mulheres precisam ser diferentes
porque Deus quis assim, ou a genética determinou cromossomicamente. Somos,
antes de tudo, seres sociais, sujeitos a mudanças profundas, experimentações,
possibilidades, fases das quais precisamos passar até chegar a ilusória ideia
de completude. Uns se contentam em seguir a maioria, outros precisam de algo a
mais, e não há nada de errado em ambos. São alternativas válidas, que podem ou
não estar relacionadas com os nossos desejos, mas, antes de tudo, fazem parte
dos nossos anseios, daquilo que enxergamos ser.
Há tempos os perfis
masculinos e femininos são insuficientes para definir o que somos. Por mais
persistentes que sejam os mais conservadores em nos limitar às genitálias, a
verdade é que estamos rapidamente burlando aquela norma imutável de que nossas
representações sexuais precisam estar correlacionadas com pênis ou uma vagina. Não
necessariamente. É bem possível ultrapassar esses limites e experienciar outras
expressões de gênero, e de sexualidade, possíveis. Até lá qualquer configuração
pessoal é permitida. Ninguém é em totalidade masculino e feminino mesmo. Somos empurrados
ao longo da vida para um desses lados como forma de conceituação, mas isso não
significa que precisamos estar lá para sempre. É possível e é preciso
rebelar-se, deixar-se escapar, desconstruir a tacanha visão em torno dos gêneros e lançar um olhar mais profundo para essa questão. Não se trata de abandonar o
que se entende por masculino e feminino, mas ampliá-lo, ressignificá-lo. Além da
tolerância, o que vale é ter imaginação. Feito isso, quem sabe até as masculinidades
e feminilidades passem a ser insuficientes, e passemos a nos ver como masculinos
e femininos dentro de um só ser.
O futuro é andrógino.
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