Lembro-me como se fosse hoje.
Ainda pequena, vi um filme sobre o tão falado "Bullying", após isso a
professora nos propôs uma discussão sobre tal. Naquele momento todos entenderam
o que era o bullying, ou pelo menos fingiram... As cenas impactantes me
extasiaram, nunca pensei que alguém fosse capaz de humilhar o próximo ao ponto
de a única solução para o "bulinado" ser a morte. Aquilo doeu. Aquilo
ainda dói. Mas, tudo bem, eu "esqueci", as crianças esqueceram, até
porque o ser humano não tende a tomar a dor do próximo para si. Tempos depois parei
para refletir: será que já sofri bullying? Agora, pergunte a si mesmo,
"Será que já sofri bullying?" Talvez você pense que não, talvez você
nunca tenha sofrido, ou talvez você seja como eu, a qual achava que não, mas aí
é que está o problema, quem sofre/sofreu bullying normalmente não assume para
si que está passando por tal ou que já passou.
O bullying é
uma agressão intencional, de maneira repetitiva, podendo ser de forma física ou
verbal, por um ou mais alunos contra um ou mais colegas. Ele tem domínio em
âmbitos escolares, porém alcançou outras vertentes, como a internet., trazendo
o chamado cyberbullying. Antes de fazer meu relato sobre as agressões que sofri
na escola, preciso abordar sobre o que passei na infância. Quando criança meus parentes
falavam sobre duas coisas de mim: Cabelo e corpo. Falavam bem? Negativo. Meus
cabelos eram volumosos, cacheados, motivo para riso. Riso? Exatamente! Toda
cacheada já ouviu "Teu cabelo parece uma juba de leão" ou "Que
cabelo de fubá". Aquilo me entristecia, me adoecia. Chorava e chorava
muito para desembaraçar o cabelo, enquanto isso eles riam e achavam divertido.
Era doloroso, eu até evitava, só por medo de sentir aquilo novamente. Enfim,
agora sobre o corpo. Ah, meu corpo... Bem, sempre fui muito magra, para algumas
pessoas é ótimo, hoje ainda escuto "Queria ser assim magrinha, comer e não
engordar", pois bem, eu afirmo: não é tão maravilhoso. Isso gerou inúmeras
brigas entre mim e minha mãe. Ela me contou que chorava para eu comer, pois não
aguentava mais ouvir as pessoas falarem da minha magreza exacerbada. Imaginem
uma criança magra, com cabelos batendo na polpa do bumbum e super cheios, agora
imaginem compara-la a uma vassoura invertida, isso mesmo. Não é engraçado para
mim, nunca foi.
Meus colegas faziam piadas desse
tempo, além de falarem que falo demais. Aos 10 anos dei o primeiro alisamento
químico no cabelo, o objetivo era ser aceita, era me livrar daquele fardo que
me trazia angustia, pois finalmente eu teria "cabelo bom". Passei
também a tomar remédio para engordar, aliás, o corpo perfeito também precisava
ser alcançado. Mas, não consegui engordar e aos poucos a química caiu, o
dinheiro se foi, permaneci magra e pior ainda sem cachos, com o cabelo
estragado. O que fazia? Molhava e prendia, era lei. Não me sentia bonita, longe
disso. Então, o que fazer para alcançar harmonia comigo mesma? Estudar! Eu
pensava "Se não posso ser bonita, ao menos posso ser inteligente".
Pra que fiz isso? Fui vítima mais uma vez,
apelidos como "Nerd" "Quatro olhos" "Metida",
foram selados em minha testa. Era como no filme "A letra escarlate",
a "adultera" tinha que usar uma enorme letra pendurada em seu pescoço
para que todos soubessem quem ela supostamente era, e dessa forma, seria
julgada, excomungada; eu não tive que usar nenhuma letra no pescoço, mas pior
que isso, era como se não fosse apenas uma letra, mas algo que fizesse com que
as pessoas chegassem em mim e me odiassem, falassem apelidos, piadas e no fim acabassem
comigo.
O tempo passou e me acostumei. Chorava sempre, mas tinha
que lidar com isso. Até que um outro episódio me aconteceu. Passei a sofrer
bullying, mas não era o de costume dos alunos, foi de uma professora. Certo dia
interferi em sua aula, e como resposta ganhei um belo fora, seguido de
desprezo, raiva e apelidos. Aquilo me matou. Eu convivi com as gracinhas por
meses, tentava dizer a mim mesma "Calma, não é bullying, isso é coisa da
minha cabeça, aliás, a errada sou eu mesma por ser diferente". Tentei
falar para minha mãe, mas algo me prendeu, eu tinha medo do que a professora
fosse fazer se soubesse que abri a boca. E assim permaneci na famosa "Lei
do Silêncio", que me consumia, me desgastava. O tempo passava devagar em
sua aula e era um tormento, sofri dessa forma até o fim do ano... E assim acabou
a suposta infância.
Ensino
médio, anos de grandes decisões, o vestibular bate na porta. Mudei de escola.
Medo me cercou. Como as pessoas lidariam comigo? Sofreria bullying novamente?
Mas, eu tinha que ir, era a minha única opção. Fui para escola pública,
primeira vez na vida. Era a única de origem de escola privada, obviamente,
nossas bases eram diferentes, culpa minha? Não, do governo que não investe em
educação. Pois bem, deixemos isso de lado. Continuando, logo me destaquei,
estudava muito, tinha medo do vestibular e ademais era bom ser boa em algo. Até
que os comentários começaram, como "Essa menina fala demais"
"Cala a boca, para de responder" "Aff, eu odeio ouvir sua
voz". Tudo bem até aí, me calei, me retraí. Chorei. Era vítima de novo.
Certo dia, fizemos uma dinâmica, a
qual deveríamos escrever algo sobre alguém, bom ou ruim, sem se identificar.
Recebi papéis da quantidade da turma, algo positivo? Não, é claro que não! Meu
cabelo foi ridicularizado; fui taxada de palito, vassoura, graveto, até
"Etiópia" (fazendo referência as crianças da África); minha maquiagem
era motivo de risos, e o engraçado eu só usava para ser aceita; metida, esnobe,
sabe tudo, já eram tão comuns que se tornaram quase uns elogios... Quis sair da
escola, chorei, fiquei depressiva, minha mãe não entendia, aliás, eu não
conseguia falar. Depois de muito esforço fui para a escola, aos poucos, me
enturmei com uma pessoa, duas, mas sempre me retraía. Hoje, noto como eu fui
forte, pois consegui lidar mais uma vez com o terrível monstro que me
assombrava. Segui. Poderia ter sido pior? Com certeza, mas busquei forças e
aprendi a me aceitar. Tenho cabelo cacheado, sou magra e falo muito. É o meu
físico, é o meu jeito, é quem eu sou. Hoje, tenho plena ciência de que o que
passei era bullying, não acho que ninguém, repito NINGUÉM deva passar, é
lastimável. Ainda tenho feridas não cicatrizadas, e isso me afeta. Isso tem um
fim? Ou o bullying é um vírus, no qual a única cura é a morte?
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