01 maio 2018

Nunca foi brincadeira



Lembro-me como se fosse hoje. Ainda pequena, vi um filme sobre o tão falado "Bullying", após isso a professora nos propôs uma discussão sobre tal. Naquele momento todos entenderam o que era o bullying, ou pelo menos fingiram... As cenas impactantes me extasiaram, nunca pensei que alguém fosse capaz de humilhar o próximo ao ponto de a única solução para o "bulinado" ser a morte. Aquilo doeu. Aquilo ainda dói. Mas, tudo bem, eu "esqueci", as crianças esqueceram, até porque o ser humano não tende a tomar a dor do próximo para si. Tempos depois parei para refletir: será que já sofri bullying? Agora, pergunte a si mesmo, "Será que já sofri bullying?" Talvez você pense que não, talvez você nunca tenha sofrido, ou talvez você seja como eu, a qual achava que não, mas aí é que está o problema, quem sofre/sofreu bullying normalmente não assume para si que está passando por tal ou que já passou.
O bullying é uma agressão intencional, de maneira repetitiva, podendo ser de forma física ou verbal, por um ou mais alunos contra um ou mais colegas. Ele tem domínio em âmbitos escolares, porém alcançou outras vertentes, como a internet., trazendo o chamado cyberbullying. Antes de fazer meu relato sobre as agressões que sofri na escola, preciso abordar sobre o que passei na infância. Quando criança meus parentes falavam sobre duas coisas de mim: Cabelo e corpo. Falavam bem? Negativo. Meus cabelos eram volumosos, cacheados, motivo para riso. Riso? Exatamente! Toda cacheada já ouviu "Teu cabelo parece uma juba de leão" ou "Que cabelo de fubá". Aquilo me entristecia, me adoecia. Chorava e chorava muito para desembaraçar o cabelo, enquanto isso eles riam e achavam divertido. Era doloroso, eu até evitava, só por medo de sentir aquilo novamente. Enfim, agora sobre o corpo. Ah, meu corpo... Bem, sempre fui muito magra, para algumas pessoas é ótimo, hoje ainda escuto "Queria ser assim magrinha, comer e não engordar", pois bem, eu afirmo: não é tão maravilhoso. Isso gerou inúmeras brigas entre mim e minha mãe. Ela me contou que chorava para eu comer, pois não aguentava mais ouvir as pessoas falarem da minha magreza exacerbada. Imaginem uma criança magra, com cabelos batendo na polpa do bumbum e super cheios, agora imaginem compara-la a uma vassoura invertida, isso mesmo. Não é engraçado para mim, nunca foi.
Meus colegas faziam piadas desse tempo, além de falarem que falo demais. Aos 10 anos dei o primeiro alisamento químico no cabelo, o objetivo era ser aceita, era me livrar daquele fardo que me trazia angustia, pois finalmente eu teria "cabelo bom". Passei também a tomar remédio para engordar, aliás, o corpo perfeito também precisava ser alcançado. Mas, não consegui engordar e aos poucos a química caiu, o dinheiro se foi, permaneci magra e pior ainda sem cachos, com o cabelo estragado. O que fazia? Molhava e prendia, era lei. Não me sentia bonita, longe disso. Então, o que fazer para alcançar harmonia comigo mesma? Estudar! Eu pensava "Se não posso ser bonita, ao menos posso ser inteligente".
 Pra que fiz isso? Fui vítima mais uma vez, apelidos como "Nerd" "Quatro olhos" "Metida", foram selados em minha testa. Era como no filme "A letra escarlate", a "adultera" tinha que usar uma enorme letra pendurada em seu pescoço para que todos soubessem quem ela supostamente era, e dessa forma, seria julgada, excomungada; eu não tive que usar nenhuma letra no pescoço, mas pior que isso, era como se não fosse apenas uma letra, mas algo que fizesse com que as pessoas chegassem em mim e me odiassem, falassem apelidos, piadas e no fim acabassem comigo.
O tempo passou e me acostumei. Chorava sempre, mas tinha que lidar com isso. Até que um outro episódio me aconteceu. Passei a sofrer bullying, mas não era o de costume dos alunos, foi de uma professora. Certo dia interferi em sua aula, e como resposta ganhei um belo fora, seguido de desprezo, raiva e apelidos. Aquilo me matou. Eu convivi com as gracinhas por meses, tentava dizer a mim mesma "Calma, não é bullying, isso é coisa da minha cabeça, aliás, a errada sou eu mesma por ser diferente". Tentei falar para minha mãe, mas algo me prendeu, eu tinha medo do que a professora fosse fazer se soubesse que abri a boca. E assim permaneci na famosa "Lei do Silêncio", que me consumia, me desgastava. O tempo passava devagar em sua aula e era um tormento, sofri dessa forma até o fim do ano... E assim acabou a suposta infância.
            Ensino médio, anos de grandes decisões, o vestibular bate na porta. Mudei de escola. Medo me cercou. Como as pessoas lidariam comigo? Sofreria bullying novamente? Mas, eu tinha que ir, era a minha única opção. Fui para escola pública, primeira vez na vida. Era a única de origem de escola privada, obviamente, nossas bases eram diferentes, culpa minha? Não, do governo que não investe em educação. Pois bem, deixemos isso de lado. Continuando, logo me destaquei, estudava muito, tinha medo do vestibular e ademais era bom ser boa em algo. Até que os comentários começaram, como "Essa menina fala demais" "Cala a boca, para de responder" "Aff, eu odeio ouvir sua voz". Tudo bem até aí, me calei, me retraí. Chorei. Era vítima de novo.
Certo dia, fizemos uma dinâmica, a qual deveríamos escrever algo sobre alguém, bom ou ruim, sem se identificar. Recebi papéis da quantidade da turma, algo positivo? Não, é claro que não! Meu cabelo foi ridicularizado; fui taxada de palito, vassoura, graveto, até "Etiópia" (fazendo referência as crianças da África); minha maquiagem era motivo de risos, e o engraçado eu só usava para ser aceita; metida, esnobe, sabe tudo, já eram tão comuns que se tornaram quase uns elogios... Quis sair da escola, chorei, fiquei depressiva, minha mãe não entendia, aliás, eu não conseguia falar. Depois de muito esforço fui para a escola, aos poucos, me enturmei com uma pessoa, duas, mas sempre me retraía. Hoje, noto como eu fui forte, pois consegui lidar mais uma vez com o terrível monstro que me assombrava. Segui. Poderia ter sido pior? Com certeza, mas busquei forças e aprendi a me aceitar. Tenho cabelo cacheado, sou magra e falo muito. É o meu físico, é o meu jeito, é quem eu sou. Hoje, tenho plena ciência de que o que passei era bullying, não acho que ninguém, repito NINGUÉM deva passar, é lastimável. Ainda tenho feridas não cicatrizadas, e isso me afeta. Isso tem um fim? Ou o bullying é um vírus, no qual a única cura é a morte?


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