Viver é correr. Acordar,
comer, sair, estudar, trabalhar, namorar, casar, comprar, vender, ganhar,
perder, voltar, construir, viajar, dançar, nascer, morrer. São tantos
movimentos autômatos em que nos apressamos para cumprir as tarefas diárias que,
quando menos imaginamos, estamos a 100km/h ou mais. Não sou diferente de muitos
outras pessoas, as quais precisam disparar a todo vapor assim que o dia
lentamente nos desperta com o seus primeiros raios solares. Até pouco tempo,
corria automobilisticamente atrás de realizações pessoais/profissionais
consideradas por mim urgentes. Como bom velocista, consegui chegar ao pódio
desejado, e uma vez lá, acreditava está tudo consolidado. Esse é um dos enganos
de quem sai em disparada em tudo, pensar que ninguém irá ultrapassá-lo. Então,
confiante ao excesso, deixa-se relaxar, é quando percebe que foi substituído e
tenta, em vão, tomar a linha de chegada em primeiro, mas continua entre os
últimos colocados. Para quem passou por isso, assim como eu, apresento a vida a
60km/h.
Meu irmão foi a pessoa
que me apresentou esse velocímetro. Para mim, que tinha uma vida hiperativa,
para bem e para mal, não me pareceu ser o mais acertado. Como eu poderia
diminuir o ritmo da minha vida, se ainda havia uma infinidade de pendências a
serem cumpridas? Foi quando ele explicou, com o seu jeito meio naturalmente
filósofo/prolixo de ser, que eu não estaria abandonando meus ideais, apenas
dando uma outra cadência a minha vida. Para alguns pode soar um tempo medíocre
frente à celeridade diária da qual somos cobrados. 60km/h não parece muito,
quase nada na verdade, diante de tantas coisas que precisamos e somos obrigados
a realizar/ter/conquistar/cumprir ao longo do dia. Mas a reflexão em questão
não está em desacelerar nossos anseios, e sim criar uma cronologia constante em
torno deles, antes durante e, sobretudo depois de conquistá-los. Trata-se de
revisitar a história da lebre e a tartaruga, interpelando a fragilidade de
nossa autoconfiança, tão facilmente derrotável, ao passo que potencializamos
nossa resiliência, foco, metas pessoais, mesmo a longos passos/prazos.
A discussão é antiga,
por vezes clichê, até que nos vemos como protagonistas dela. Isto porque, o
mundo moderno, a tecnologia, as mídias sociais, a moda, a sociedade em geral,
nos coloca numa corrida da qual o limite de velocidade é ilimitado. Correr,
nesse sentido, rima com ter. É preciso ter estudo, para conseguir um trabalho e
ganhar dinheiro, para comprar o celular mais atualizado, postar fotos incríveis
na rede, posar com os looks que estão em tendência, cuidar do corpo e da
estética, possuir um carro, casa, relacionamento estável, ter filhos, ser
adepto de alguma religião, de preferência cristã, conciliar tudo isso com o que
é vendido na mídia e ainda ter tempo para amizades, projetos pessoais, alguma
diversão, e retornar ao início. É um circuito fechado imenso e humanamente
impossível de ser realizado em perfeição de A a Z. Então, para pertencer a este
ciclo, saímos em desabalada carreira para atender as expectativas, que muitas
vezes não são inteiramente nossas, mas de uma engrenagem maior, responsável por
nos aprisionar pelo resto de nossas vidas atrás de metas cada vez mais
irrealizáveis. Então, vem a estafa e o corpo sucumbe. Voltamos à estaca zero.
Nessas ocasiões, o
natural é desejar retomar a rapidez de antes, mas o corpo não suporta. Não
possui o mesmo vigor de outrora. Logo, o fracasso passa a ditar o compasso dos
nossos dias e temos a sensação de estarmos à marcha ré dos demais. E estamos.
Numa sociedade regida pela competitividade, quem vacila fica invariavelmente
para trás. Não há solidariedade para os fracos. Eles são renegados ao
esquecimento quando não demonstram mais ser capazes de contribuir para os
mecanismos vigentes. Para estes indivíduos, o sentimento destinado é o de
penar, uma lamentável homenagem a quem um dia teve certo destaque na sociedade,
mas se deixou levar pela vaidade, pelo orgulho, características pretensiosas de
quem acredita ser invencível, insuperável. Quando, na verdade, por mais rápido
que sejamos, sempre estaremos distantes de nos realizar por completo. Tamanha
limitação pode ser menos dolorosa quando assumimos o volante de nossas vidas
moderadamente, deixando a posição de velocistas e assumindo a de maratonistas.
É nessas horas que
devemos marcar 60km/h em tudo. Trabalhar nossos eixos físico/mental/emocional
para suportar as demandas diárias. Controlar nossos impulsos, rejeitar os
empurrões alheios e tentar traçar um movimento contínuo que respeite nossas
habilidades e limitações. De início não é uma tarefa fácil. Ainda estou em fase
de testes, readequando o meu corpo a essa nova quilometragem. Às vezes, tenho
vontade de sair desembestado atrás do que quero, porém, recordo como correr
demais foi nocivo a minha saúde, e no final, pouco me proporcionou, a não ser a
reflexão destas palavras. O que já é de grande valia. Correr é positivo quando
estamos no controle dessa velocidade. Do contrário, desperdiçamos tempo,
energia, dinheiro, e não chegamos a lugar algum. Manter um ritmo saudável de
nossas vidas, portanto, significa garantir que boa parte de nossas metas serão
cumpridas no tempo exato para acontecer, que para alguns pode parecer uma
eternidade, por isso buscam sempre o excesso, todavia, para os mais
resilientes, será no momento que tiver que ser. Estar a 60km/h é um ato
auspicioso.
Claro que em alguns
momentos é preciso dar certo impulso a nossa caminhada. O fato de perder certa
posição não quer dizer que ela não possa ser retomada. Para quem chegou, em
algum estágio da vida, a regressar em suas conquistas, pode retomar a
engrenagem de uma maneira diferente, mas regrada, e ainda sim, focada no que se
quer. Se serve de conselho, deixem os apressados seguirem na frente. Muitos
deles apenas correm sem direção, acreditando estarem indo longe dos seus
concorrentes, quando na verdade estão se distanciando ainda mais daquilo que
almejavam fazer/realizar. Ignore os apelos das lebres ao seu redor gritando
para você ir mais rápido em tudo, muitas vezes desrespeitando seu corpo. Quando
estamos numa progressão, percebemos a evolução de nossas metas, por mais que os
outros não as vejam da mesma forma que nós. Essa é a graça da coisa,
surpreender essas pessoas, derrubar suas expectativas, e mostrar que é possível chegar muito longe em passos medianos. Então, 60km/h é o ideal para se
chegar aonde se quer, sem infringir nenhuma regra pessoal ou social. Até
porque, da largada ao pódio, há muito chão pela frente. Então, é correr
caminhando.
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