Antes de mais nada, é
preciso contextualizar essa indagação. Ao ligar a TV hoje me vi assistindo a
uma cena da nova formatação do folhetim infantil Chiquititas. Nela o personagem
Cirilo fez a tal pergunta acima e imediatamente o meu cérebro tratou de
elaborar possíveis respostas para ela. A primeira conclusão a que cheguei é de
que muitos de nós não se percebem em quanto negros, ou ignoram a existência
dessa classe na sociedade. No primeiro caso há o embranquecimento individual
para ser aceito socialmente, ao passo que no outro fica a irrelevância de quem
não é branco. Trocando em miúdos, a humilde pergunta do ator mirim me fez
perceber que poucos de nós faz esse autoreconhecimento racial. Bradamos aos quatro ventos que somos todos
negros, muitas vezes para sair bem na foto, porém, quando acontece uma situação
concreta de preconceito racial, damos outra classificação a cor da nossa pele.
De fato, é preciso ter
coragem para afirmar que se é negro no Brasil. Digo isto porque esta palavra
traz em si toda uma carga negativa perpetrada ao longo história do nosso país.
Não é de se surpreender, portanto, que muitos de nós não se sintam à vontade,
ou não se reconheçam como tal. Assumir a afrodescendência é se agrupar a
marginalidade e ao banditismo, ambos guetos criados pelo senso comum para
inferiorizar os negros. Infelizmente, tais conjunturas ainda não são irreais.
Nascer de cor escura faz com que o indivíduo seja localizado em tempo, espaço,
classe social, quando não gênero e identidade de gênero. Simples, a maioria são
pobres, mulheres, sobrevivem de programas assistencialistas e, muitas vezes,
são fisgados pela criminalidade e acabam engrossando as estatísticas nesse
ínterim.
Mesmo compondo mais da
metade da população, na prática, poucos são aqueles que se autoidentificam
negros. Vejo esta atitude ser fortemente influenciada pela cultura de massa.
Artistas negros, que deveriam ser os primeiros a levantar a bandeira da cor,
remam contra a maré nesse sentido. Há diversas celebridades visivelmente
negras, que com o passar do tempo embranquecem o tom da pele, renegam os
cabelos crespos, bem como toda a sua ancestralidade cultural e religiosa.
Diante de uma lista enorme, cito a diva americana, Beyoncé, e de como a mudança
da sua aparência foi gritante desde do início da sua carreira até a atualidade.
O reflexo disso é sentido em países como o nosso onde há um significativo
contingente afrodescendente clareando-se dos pés à cabeça para serem aceitos.
Muito antes disso, a
mídia televisiva já ditava qual era o devido lugar dos negros. Em teledramaturgias
famosas, atores brancos ocupavam, e ainda ocupam, papéis centrais enquanto os
outros são destinados a papeis subalternos e de caráter duvidoso. Porém, alguns
podem afirmar que houve ligeiros avanços, visto que na atualidade há alguns artistas
não brancos em destaque na telinha. De fato há mesmo, mas não totalmente
negros. São indivíduos que, regulados pela soberania branca, clareiam seus
cabelos, alisam seus cachos, usam maquiagens destoantes, tudo para não serem
vistos como são na verdade. Outro ponto que gosto de citar são os jornais
televisivos, dos quais a presença de negros é quase inexistente. Parece que a
intenção é deixar claro que negro não é, e nem pode, ser informado, ou não é
capaz de ocupar aqueles recintos.
Se no mundo fantasioso da
mídia os afrodescendentes não são percebidos, a coisa fica muito pior quando se
trata do mundo real. A sociedade absorveu a ideia de que os negros são burros,
ladrões, marginais, submissos, mesmo que haja raríssimas exceções. São pessoas
que, no seu dia a dia, propagam essas visões, muitas vezes deturpadas em torno
daquele grupo. Por não enxergarem os negros além da sua cor, acabam
contribuindo para os índices de mortalidade em torno deles. Não tenho
estatísticas claras para justificar neste momento o meu ponto de vista, mas
acredito que qualquer um mais cético pode confirmar isso numa rápida busca
virtual. Em muitas pesquisas, além do negro morrer bem mais que o branco, eles
morrem de forma mais brutal, tendo como cenário a pobreza e a violência. Cenários
estes que contam ainda com o descaso governamental, pois as políticas públicas
em prol dessa classe são poucas e controversas, visto que não há um trabalho de
base para oportunizar um futuro para quem nasce negro no Brasil.
Sofre também aquele
indivíduo que, mesmo enfrentando todos os males da discriminação racial,
consegue galgar seu lugar na sociedade. Há exemplo disso, posso exemplificar os
poucos negros que conquistaram uma vaga nas universidades públicas do país. As cotas
ainda não são entendidas por muitos, sobretudo aqueles que não são negros. Mesmo
assim eles, os negros, estão mostrando que além de qualquer brecha há pessoas
capazes que precisam de oportunidades para mudar a realidade onde vivem e serem
ouvidas. Infelizmente, muitos campos não estão prontos para esse público, pois
falta um trabalho voltado para inclusão das minorias, que seja capaz de, dentro
da universidade, diluir esses e outros preconceitos.
Seja na metáfora
televisiva, seja na realidade vivida dentro e fora das universidades do Brasil,
o preconceito racial é um fato. Conceito pré-concebido que ocorre primeiro na
linguagem. Morenos, pardos, mestiços, sarara crioulos, tudo, menos negro,
afrodescendente, e preto, esses são os rótulos impostos. Imposição essa que
carrega a perigosa ideia da não identificação do negro na sociedade. Se eu sou
negro e não me enxergo como tal, ou até mesmo se eu sou branco e faço a mesma
coisa, estarei contribuindo para a exclusão desses seres humanos que sofrem
apenas porque possuam um pouco mais de melanina que os outros. Não podemos
permitir que isso aconteça. Cada pessoa de se perceber e perceber o outro no
mundo, pois só assim poderemos contribuir positivamente para resolver os
problemas de quem sofre apenas por ser, nascer ou desejar ser diferente.
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