Frequentemente vejo
textos que se propõem a falar sobre a vida de pessoas com deficiência cujo
título é: “deficientes também amam”. Até aí nada de mais, como seres humanos
capazes de ter sentimento, naturalmente que amam.
O
problema é que ao ler noto quase todos os textos não tratando de amor, mas sim
de sexualidade e outros tipos de relacionamentos que podem ou não envolver
amor. Na maioria das vezes é só sobre sexualidade mesmo.
É
muito importante que o fato de pessoas com deficiência fazerem sexo seja
tratado de forma desmistificada. Se já me incomoda que amor e sexo se confundam
de modo geral, como pessoa com deficiência, pra se referirem a nós acho pior
ainda.
Pra
começar, esse não é um grupo homogêneo. Existem os vários tipos de deficiência
e existem as pessoas, com suas personalidades, suas complexidades e vivências.
Dizer “os deficientes também amam” é nos igualar, desconsiderando nossas
escolhas, nossas particularidades e formas de lidar com cada relacionamento.
Não acho possível considerar que haja amor envolvido nem em todos os
relacionamentos específicos de um indivíduo com deficiência, quanto mais de
modo geral. Acredito que as pessoas que escrevem tais textos têm boas intenções,
mas pelo menos pra mim passa uma mensagem de padronização.
Além
disso, todo mundo acha normal, parte da vida, que outros grupos flertem,
fiquem, façam sexo casual, sexo sem um relacionamento estável, sem
necessariamente um envolvimento “romântico”. O sexo nesses grupos não é
relacionado diretamente com amor. Quando se fala em deficientes e essa ligação
é automática, me parece que fica insinuado: “Claro, esses carentes encontraram
alguém que os queira, como não ficarem perdidos de amor?”.
Acontece
que na realidade sem estereótipos deficientes nem sempre transam porque estão
perdidos de amor ou carentes. Não que estejamos imunes à carência, apenas nossa
carência não está diretamente ligada à deficiência. Podemos ficar carente por
vários motivos, feito todo mundo.
Como
qualquer outra pessoa, deficientes também fazem sexo pelo sexo. Às vezes também
só queremos trepar e vazar. Rola de nos relacionarmos sem sequer estar
apaixonados, quanto mais amando. É muito possível que ao ficar com alguém seja
só pelo tesão. Estabelecer um vínculo emocional, antes ou depois disso não é
regra.
Enquanto
ficam com alguém, deficientes também não estão obrigatoriamente idealizando
casamento, dois filhos e um cachorro. Ao afirmar isso não condeno quem por
acaso deseje, se relacione com essa intenção. Até porque a possibilidade,
embora totalmente real, de casarmos e termos filhos nos é sistematicamente
negada. O que repudio são as entrelinhas do espanto quando dizem: “está com uma
pessoa, mas não quer casar?” Que traduzindo significa: “vai deixar escapar
alguém que te quis?” (Nem vou entrar no mérito de como é equivocado achar que
casamento, pra qualquer pessoa, é não deixar que o outro “escape”).
Quando
o relacionamento de uma pessoa com deficiência é com uma pessoa sem deficiência,
amor também aparece como obrigatório. Só que é um tipo diferente de amor. Um
amor devotado, abnegado, caridoso. O parceiro de uma pessoa com deficiência é
tratado como um ser de luz, evoluído, que entre tantas pessoas no mundo
escolheu ficar com “alguém assim”. Uma parenta minha chegou a verbalizar que
meu ex era um anjo na minha vida e ela não se referia ao contexto romântico
(que já seria meio enjoado).
O
senso comum de fato vê nossos parceiros como anjos. E diz a mística que anjos
não têm sexo. Então de um lado a escolha é fruto de generosidade extrema,
praticamente uma missão. De outro é dependência (seja física, ou emocional. Com
essa suposta dependência também se confunde o tal amor) e gratidão total. Se
chegarem a se separar só há duas possibilidades: Ou quem faz a “caridade”
cansou, ou quem recebe não soube agradecer.
Sério,
não aguento tanta superficialidade. Apesar de preconceitos baterem na minha
cara todo dia, tenho dificuldade em entender gente achar possível e normal
ficar/namorar/casar motivado por caridade. E ainda achar que sim, essa é a
única explicação.
No
aspecto sexual, apesar de opinião rasas e preconceituosas me causarem ímpetos
que vão de revirar os olhos, até distribuir muletadas, pelo menos entendo onde
surgem. A sociedade estabeleceu um padrão do que é atraente. Se estamos fora
desse padrão, como alguém pode sentir tesão por nós? E mesmo que a pessoa
sinta, temos limitações. Como transar seria, não só viável, mas prazeroso?
Simples,
como é pra qualquer um.
Acredito
que o que faz um indivíduo gostar de outro são coisas variáveis e subjetivas.
Pode ser sorriso, olhar, covinhas (eu tenho covinhas que encantam muita gente.
Desculpa a falta de modéstia. *beijinho no ombro*), personalidade. Sobretudo, é
o desejo de estar, que pra cada um é composto de um conjunto de coisas
(caridade não está entre elas pra ninguém).
No
sexo idem. O que torna uma pessoa atraente pra outra é pessoal. Quando uma
companhia é desejada, limitações ficam em segundo plano. Se não ficassem não
haveria nenhum tipo de relação entre ninguém, já que alguma limitação todo
mundo tem. Com vontade de ficar junto, você troca o foco no que não rola pelo
que rola numa boa e não sente falta de nada.
Seja
no sexo com amor, no sexo sem amor, no amor sem sexo. Seja pra pessoas com ou
sem deficiência, acredito que o lance é não determinar que haja um
comportamento padrão. Muito menos exotificar. O lance é permitir e
naturalizar.
Muito bom!
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