A nova onda de
violência no Brasil não é fruto do crime organizado. Nem tão pouco dos clichês
políticos, que envergonham há tempos o país. Também não é decorrente de
assalto, atropelamento, estupro, dentre tantos outros crimes comuns por aqui. Nada
disso! O que está em alta são os justiceiros, pessoas que se sentem no direito
de fazer “justiça” com as próprias mãos. Seres que, por diversas razões,
perderam o conceito de humanidade e tomaram a liberdade de resolver seus
problemas diários a bel-prazer. Indivíduos, outrora pacatos, se mostram
verdadeiros capatazes em situações das quais o poder público não toma as
devidas providências legais. Com isso, o povo desamparado se acha no dever de
subjulgar seu semelhante sem garantir-lhe aquela defesa professada pelos
Direitos Humanos.
Na verdade, esse pseudo-olho
por olho, dente por dente, tem criado uma Lei de talião à brasileira. Ou seja,
diferente do Código de Hamurabi, nossa sociedade repaginou tal regimento,
fazendo com que certos criminosos sofram mais do que o equivalente pelos seus
crimes. Tudo isso começou quando um jovem foi acusado de cometer pequenos
furtos na zona sul do Rio de Janeiro. Tal ato desencadeou a fúria de algumas
pessoas, que amarraram o adolescente num poste, despiram-no e ainda o feriram
de faca. Com esta atitude excessiva, percebe-se o quanto a injustiça social
prevalece diante da sensatez humana em direcionar o malfeitor para ser
penalizado pelas vias legais. Ao mesmo tempo evidencia o caos da segurança
pública, pois se o povo se sentisse realmente amparado pelas esferas
legislativas, tais barbáries não se tornariam corriqueiras.
Seja como for, imediatamente,
o caso ganhou grande repercussão nacional. Logo, a sociedade ficou dividida
entre defender ou rechaçar a postura dos “justiceiros”. Entretanto, a questão
não se encerra aí. Há outros pormenores que merecem uma acurada análise. O primeiro
deles é, sem dúvida, a questão da justiça. Esta palavra tem múltiplos sentidos,
muitos abstratos e de constantes controvérsias, porém,conceitualmente significa
o respeito à igualdade de todos; a manifestação máxima da equidade entre os
indivíduos. No entanto, no caso do adolescente enjaulado em praça pública, não
houve a presença desses conceitos. Na realidade, ele foi isento de todos eles,
pois alguns veem a justiça como querem e decidem o destino destes a partir das
próprias convicções. Com isso, assaltantes são torturados, estupradores mortos,
criminosos, que não são julgados, enfrentam a revolta de indivíduos injustos,
nessa selva chamada de Brasil.
Se essa moda pegar, não
serão mais necessários policias, cadeias, presídios, nem juízes, já que o povo
irá, com ira, decidir a pena mais “adequada” a cada meliante. O problema é que essa
moda já pegou. Depois do açoite do adolescente, outros casos se proliferaram
pelo país. O mais recente deles foi o de um auxiliar de serviços gerais, de 31 anos,
acusado de um estupro não comprovado. Ele foi assassinado com dois tiros por
causa de tal acusação e a suspeita é que tenha sido cometido pelos próprios moradores.
Ou seja, o povo não quis esperar a sentença legal e deferiu a sua, a qual para
eles é a mais justa e equivalente ao ato cometido pelo acusado, que nesse caso
não cometeu nada. Percebe-se, então, neste exemplo, a gravidade que está
tomando a insensatez humana em julgar os delitos alheios, sem critérios
aparentes.
No entanto, o segundo
ponto importante dessa polêmica mora na herança escravocrata brasileira. Em todos
os casos mostrados pela mídia há peculiaridades em comum que chamam atenção. A primeira
delas é a forma como são capturados. Os acusados são amarrados, geralmente em
postes em áreas públicas para que todos vejam quem são os criminosos. Depois o
açoite, o sangue derramado, a humilhação ao vivo para todos verem sem distinção
de idade. Com esta atitude, os justiceiros querem dar um aviso: “estão vendo? isso é o que acontece com quem
faz algo errado”. Como se fossem bruxas perseguidas na inquisição. Outra
marca interessante é a cor de pele predominante entre os acusados. Por mais que
muitos neguem o racismo como justificativa para defender os ditos criminosos,
não se pode negar sua predominância entre os açoitados.
Ora, se esses atos têm
acontecido com mais frequência, deve haver alguma explicação no mínimo
plausível para tal. O que muitos alegam é que o país vive uma crise de
autoridade. Sem uma política pública enérgica, o povo fica à mercê da
criminalidade e se vê diante de atitudes desumanas como única válvula para
sanar seus problemas diários. Outros afirmam que não dá para esperar pelas vias
legais, já que elas são morosas e, lamentavelmente só são acionadas com eficiência
quando direcionadas às camadas endinheiradas da
população. Do outro lado, os pobres, a grande massa da nação, se veem
encurralados diante das injustiças legais, sobrando apenas à sobrevivência
através da tirania dos justiceiros, estes muito comuns em grupos de extermínio
ou caçadores de recompensa que atuam em diversas comunidades pelo país. Tudo isso
não justifica os julgamentos impróprios ocorridos no país, mas servem de
pressupostos para analisar com calma a questão.
Nesse embate entre
bandidos e mocinhos, justos e injustos, não há vencedores. O povo, muitas vezes
inconsequente, não ganhará nada sujando as mãos de sangue ao penalizar um dado
criminoso. Apenas irá se igualar a ele, ou superar seus crimes, já que em muitos
casos, a população cometeu atrocidades dignas de um verdadeiro serial killer. A mídia também não
conquistará nada endossando a violência através de opiniões polêmicas. Ela
apenas atiçará negativamente esse povo desenformado e carente de proteção a
fazer coisas das quais irão se arrepender no futuro. Nem tão pouco a sociedade
ganhará com essas injustiças cometidas por ela mesma. Se o sistema de segurança
pública é deficitário, então cabe ao povo exigir melhorias significativas nesse
setor, e não fazer justiça com as próprias mãos, como se a violência gratuita e
recíproca fosse um dever de cada cidadão. O que é dever de todos é lutar pela
cidadania, pelo respeito e pela aplicabilidade das leis e isso só será possível
quando o povo passar a usar com mais eficácia o cérebro e menos a força bruta.
e complemento sua conclusão brilhante ... qdo a sociedade brasileira, principalmente as camadas mais humildes do extrato social aprender a colocar pessoas dignas e responsáveis no poder ... é muito fácil colocar sempre os mesmos no poder em troca de qualquer ninharia de bolsas e mais bolsas ...
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