Agora que Cinquenta tons de cinza
tornou-se praticamente um livro de família, daqueles que se comenta no almoço
de domingo, nós, finalmente, podemos falar sem constrangimentos sobre
pornografia literária.
Os livros eróticos e
pornográficos fazem bem à sexualidade. Eles são divertidos. São instrutivos.
Eles são pedagógicos e inspiradores. Na verdade, acho a literatura pornográfica
libertadora, por sacudir a nossa percepção sobre o sexo e ampliar o horizonte
do nosso desejo. Com ela, aprendemos a querer o que antes não atreveríamos – ou
respiramos, aliviados, ao encontrar por escrito as nossas próprias
fantasias.
A pornografia escrita solicita e
engaja a nossa imaginação. Enquanto os vídeos pornográficos da internet nos
deixam babando, mas com a mente anestesiada, o sexo escrito clama pela nossa
participação.
Sem a colaboração ativa do
leitor, a pornografia escrita não existe. Nós somos obrigados a imaginar a
expressão de Anastasia Steel, a heroína relutante de Cinquenta
tons de cinza, enquanto ela se aninha ruborizada nos braços de Christian
Gray, o Apolo bilionário que a inicia no sadomasoquismo. Ao ler, temos de
construir em nossa mente ambientes inteiros que o texto apenas sugere. Metade
do trabalho de criação é do escritor, o resto é com o nosso cérebro. Na leitura
de um livro pornô somos agentes ativos, enquanto ao ver pornografia em vídeo
nos transformamos em consumidores bestificados e passivos. Exceto pelas mãos,
claro.
Como todos nós agora ficamos adultos, me sinto a vontade
para recomendar, a quem anda lendoCinquenta tons de
cinza, que leia agora um pornô de verdade – A
vida sexual de Catherine M., da escritora francesa Catherine Millet.
Digo que é um pornô de verdade por duas razões. Primeiro,
ele contém uma história verdadeira. O livro se baseia nas experiências reais de
sua autora, uma respeitável crítica de arte francesa que nas horas vagas se entregava
ao sexo com 10, 20 ou 30 homens (ou mulheres) de uma vez, nas ruas ou alcovas
de Paris.
Num outro sentido, trata-se de um pornô de verdade porque
ele nos tira da zona de conforto. A narrativa minuciosa que Catherine Millet
faz de orgias de intelectuais e de encontros sexuais em bairros operários - com
homens desconhecidos fazendo fila à porta de uma caminhonete -, atira o leitor
a um universo ao mesmo tempo sombrio e excitante, que se parece mais com o filmeCrash – Estranhos Prazeres, de David Cronenberg, (trailer) do que com as fantasias
comedidas de Cinquenta tons de cinza.
O livro de Millet coloca a nossa mão sobre um fio
descascado. Ele nos apresenta o sexo sem pudor e sem afeto, tratado com a
naturalidade de quem descreve um ato fisiológico. O choque é imenso,
verdadeiramente pornográfico. A experiência é tão extrema que a mera leitura
empurra a nossa fronteira pessoal para mais longe, ainda que no terreno da
fantasia. Se essa mulher teve coragem de fazer isso tudo, por que eu não posso
me permitir ao menos imaginar?
O filósofo suíço Alain de Botton, autor do livro Para pensar mais sobre sexo, diz que a pornografia na
internet é uma droga pesada e destrutiva. Ele defende que sua exibição seja
controlada por alguma forma de censura, para evitar que multidões se
transformem em zumbis onanistas sentados o dia inteiro diante dos computadores.
A tese de Botton é que o cérebro humano não está preparado para lidar com o
bombardeio de excitação que a pornografia na internet oferece de graça, 24
horas por dia.
Não sei se Botton está certo quanto a isso, mas eu tenho
certeza de que o cérebro humano é capaz de lidar perfeitamente com o erotismo
da pornografia literária. A isso temos sido acostumados lentamente. Pelo menos
desde o Cântico dos cânticos, escrito para o
Rei Salomão 400 anos antes de Cristo, convivemos com o desejo traduzido em
palavras. Que estejamos voltando a ele, através de livros como Cinquenta tons de cinza, eu acho tremendamente
auspicioso. Só espero que não paremos por aí. De onde saíram Anastasia Steel e
Christian Gray, há centenas de personagens interessantes clamando pela nossa
atenção. E pelos nossos sentidos.
Visto na: Época
Great blog. I like you.
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