Querido estudante branco, de classe
média, que faz cursinho pré-vestibular particular: eu sei que é difícil quando
alguém nos faz enxergar nossos próprios privilégios, mas deixa eu tentar mais
uma vez.
Eu (e mais uma penca de gente, me arrisco
a dizer) não me importo com o quão “difícil” será para você entrar naquele
curso de medicina mega concorrido com o qual você sonha, porque, simplesmente,
esta conversa não é sobre você.
Eu sei que praticamente todas as
conversas deste mundo são sobre você e você está acostumado com isso, então
deve ser um baque não ser o centro das atenções. Mas, seja forte! É verdade:
nós não estamos falando sobre você.
Quando você chora pelo sonho que agora
parece mais distante de se realizar, suas lágrimas não me comovem. Porque o que
me comove são as lágrimas daqueles que nascem e crescem sem qualquer
perspectiva para alimentar o mesmo sonho que você. É sobre essas pessoas que
estamos falando e não sobre você.
Quando você esperneia pelos mil reais
gastos todos os meses com a mensalidade do seu cursinho e que agora se revelam
“inúteis”, eu não me comovo. Porque o que me comove são as milhares de famílias
inteiras que se sustentam durante um mês com metade da quantia gasta em uma
dessas mensalidades. É sobre essas pessoas que estamos falando, não sobre você.
Quando você argumenta que, na verdade,
seus pais só pagam seu cursinho porque trabalham muito ou porque você ganhou um
desconto pelas boas notas que tira, eu não me comovo. Porque o que me comove
são as pessoas realmente pobres, que mesmo trabalhando muito mais do que os
seus pais, ainda assim não podem dispor de dinheiro nem para comprar material
escolar para os filhos, quem dirá uma mensalidade escolar por mais barata que
seja. É sobre essas pessoas que estamos falando, não sobre você.
Quando
você muito benevolente até admite que alunos pobres tenham alguma vantagem, mas
acredita ser racismo conceder cotas para negros ou outros grupos étnicos eusa
até os dois negros que você conhecem que conseguiram entrar numa universidade
pública sem as cotas, como exemplo de que a questão é puramente econômica e não
racial, eu não me comovo.
Na verdade, eu sinto uma leve vontade de desistir da
raça humana, eu confesso, mas só para manter o estilo do texto eu preciso dizer
que o que me comove é olhar para o restante da sala de aula onde esses dois
negros que você citou estudam e ver que os outros 48 alunos são brancos. E
olhar para as estatísticas que mostram a composição étnica da população
brasileira e contatar a abissal diferença dos números. É sobre os negros que
não estão nas universidades que estamos falando, não sobre você ou seus amigos.
Se a coisa está tão ruim, que tal
propormos uma coisa: troque de lugar com algum aluno de escola pública. Já que
não é possível trocar a cor da sua pele, pague, pelo menos, a mensalidade para
que ele estude na sua escola e se mude para a dele. Ou, seja a cobaia da sua
própria teoria. Já que você acredita que a única ação que deveria ser proposta
é melhorar a educação básica: peça para o seu pai investir o dinheiro dele em
alguma escola, entre nela gratuitamente junto com alguns outros alunos, estude
nela durante 12 anos e então volte a tentar o vestibular. Ah, você não pode
esperar tanto tempo? Então, porque os negros e pobres podem esperar até mais,
já que todos sabemos que o problema da má qualidade da educação básica no
Brasil não é algo que pode ser resolvido de ontem pra hoje?
Então, por favor, reconheça o seu
privilégio branco e classe média e tire ele do caminho, porque essa conversa
não é sobre você. Já existem espaços demais no mundo que têm a sua figura como
estrela principal, já passou da hora de mais alguém nesse mundo brilhar.
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