09 julho 2011

Paradas, homofobia e o bom combate ao preconceito - Por Altair Freitas

Por *Altair Freitas para o Blog Palavras ao Tempo!

Como não poderia deixar de ser, a nova edição da Parada Gay em São Paulo, ao lado de todo o debate sobre direitos civis para quem tem orientação diversa da heterosexualidade, movimentam intensamente setores importantes da opinião pública. Entre defensores e detratores, o tema "igualdade de direitos" assume ares de radicalidade impulsionada principalmente pelos tradicionais setores coservadores/reacionários da nossa sociedade, notadamente aqueles assentados sobre fundamentalismos religiosos.

Do que estamos falando mesmo? Do elementar princípio da liberdade humana, do direito à cidadania, independente de gênero, etnia e orientação sexual (heterosexualiade, bisexualidade, homosexualidade). Em resumo, manifestações contra o preconceito e a discriminação que atingem setores da população que têm orientação sexual diferente da maioria - como a Parada Gay ou o recente reconhecimento da união civil entre homosexuais, por exemplo - inserem-se no mesmo contexto de luta contra a opressão da mulher, contra o racismo e outra mais, lutas essas referendadas por resoluções da ONU e já amparadas em diversas legislações mundo afora.

Olhando de modo mais abrangente, através da História, ao contrário do que imagina e propagandeia o mais ralo senso comum, a homosexualidade não é fenômeno novo, ou fruto de alguma degeneração moral da modernidade. Dos grupos paleolíticos de caçadores e coletores às grandes e brilhantes civilizações do passado, a homosexualidade era uma realidade presente, tolerada, e em algumas daquelas sociedades, perfeitamente aceita como prática corriqueira, sem nada de amoral. Por um motivo simples: estudos centíficos - e ciência é fundamental para tratar determinados assuntos, muito mais do que hipotéticas verdades religiosas - indicam que algo em torno de 10% a 15% da população mundial nasce com orientação sexual diferente da heterosexualidade, ou seja, é absolutamente natural termos setores da população que não exercitam ou não exercitariam a heterosexualidade, exceto se fossem ou forem obrigados a tal por imposições culturais castradoras da sua real orientação sexual.

A literatura médica, pesquisas arqueológicas, antropológicas - e a literatura em geral - está repleta de exemplos, estudos, casos, retratando esse componente da formação humana. Se tomarmos a população mundial atual pela sua base geral - 6 bilhões de seres- e pegarmos a população sexualmente diversa pelo mínimo - 10% - estamos falando de mais de 600 milhões de pessoas que nasceram com sua programação genética diferente da heterosexualidade. Então, a questão a ser discutida é: vamos tratar os diferentes como desiguais? Acaso, 600 milhões de pessoas devem ser consideradas doentes, degeneradas e sem direitos civis básicos, sem liberdade de serem o que realmente são e exercerem a própria sexualidade com quem compartilha dos mesmos sentimentos, desejos e expectativas de vida, cidadania e felicidade?

Alguns segmentos tergiversam, enganam, mentem, iludem e levantam argumentos profundamente equivocados para atacar a igualdade de direitos entre heteros e homosexuais. Um deles diz respeito a uma hipotética falência da heterosexualidade no futuro, como se o fim da discriminação estivesse em sinal de igualdade com a eventual obrigatoriedade de todos serem homosexuais, algo sem pé nem cabeça e que não resiste ao mais elementar olhar da ciência. O (des)nível na argumentação chega a tal baixeza que recentemente uma deputada estadual do Rio de Janeiro, evangélica, ex atriz, ex esposa do Roberto Carlos, sob aplausos de incautos e outros infâmes mentirosos, chegou a declarar que a homosexualidade é sinônimo de pedofilia! De quebra ela estabeleceu a pedofilia como mais uma "orientação sexual"! Pobre Jesus, como tenho pena do teu santo nome usando em vão!

Esse tipo de raciocínio transverso, essa prática de misturar alhos com bugalhos para iludir o venerável público, foi amplamente utilizado no passado, por exemplo, para tentar evitar o fim da escravidão, inclusive no Brasil, país cristão, cheio de "moral e bons costumes", e que convivia perfeitamente bem com o aprisionamento e brutalidades intensas contra os africanos aqui escravizados. À época, afirmava-se que o fim da escravidão levaria o Brasil à falência; que a liberdade dos escravos possibilitaria o aprofundamento da miscigenação e o enfraquecimento do povo brasileiro como "raça", condenando eternamente o país às profundas do inferno do desenvolvimento! Foi e continua a ser usado para evitar que as mulheres conquistem plena igualdade de direitos e condições efetivas - na lei e nos costumes - em relação aos homens.

Da mesma forma que a luta contra a escravidão jamais colocou em risco a liberdade de quem livre já era, pois tratava-se de acabar com um sistema odioso e não para substituir um tipo de escravo por outro, da mesma maneira que a luta contra a opressão sobre a mulher não resultou e não resultará na opressão sobre o homem, entendo que o eventual receio do estabelecimento da discriminação sobre heterosexuais é intensamente descabida. Mas, claro, assusta cabecinhas incultas e mentes preguiçosas.

Se a ciência está correta - e creio que está - e se a história nos serve para alguma coisa, é preciso considerar que a defesa da liberdade para as chamadas minorias, é também a garantia da consolidação da liberdade para as ditas "maiorias". Porque, mesmo a heterosexualidade e o seu pleno exercício, também foi profundamente limitada por regras tidas como "moralizadoras" vigentes até pouco tempo atrás. Basta lembrar as fantásticas normas impostas por religiões e seitas, notadamente de cunho judaico-cristãs, visando estabelecer um processo de limitação de qualquer tipo de sexualidade, sempre taxando-a como elemento pernicioso, pecaminoso, feio, sujo.

*Paulistano, professor de história, 48 anos e, nas horas vagas (de segunda a segunda), torcedor do Tricolor Paulista

Nenhum comentário:

Postar um comentário