28 junho 2011

Passado Negro e futuro duvidoso – Os perigos do discurso religioso contra a democracia

Por Allan Johan para a Revista Lado A


Há 20 anos, no Brasil, quando um casal formado por uma loira e um negro passava na rua, as pessoas olhavam, apontavam e riam. As domésticas eram obrigadas a usar apenas o elevador de serviço nos prédios e os negros eram chamados de pessoas de cor. Essas pessoas de cor eram chamadas de crioulos, macacos, pretos, azul, tição e a eles eram atribuídos os adjetivos: safados, burros, fedidos, pobres, ladrões, entre outros estereótipos anunciados em piadas, conversas e brigas. Na tevê, os negros eram vítimas do humor; Chamados de urubus - apanhavam e eram tachados de preguiçosos!

Se uma mulher branca era violentada, já iam à procura de um negro. Se algo sumia, era culpa deles. Até hoje se um negro passa em um carrão já falam que ele é ladrão. E até hoje polícia faz batidas e blitz com os mestiços e negros muito mais do que com os brancos! Se há um negro na universidade, já dizem que é por cotas. Fora que as vagas de empregos ainda os excluem. As crianças negras não são adotadas no Brasil, todos querem ter filhos brancos – pois eles sofrerão menos preconceito - argumentam! Veja o que o preconceito é capaz!

Em um passado mais antigo, diziam que negros não tinham alma, que não entrariam no céu. Depois, mudaram o discurso e separaram os negros em igrejas diferentes. A escravidão só acabou quando o Papa a condenou, antes, se baseava na Bíblia para dar o aval a esta crueldade. Porém, as religiões de matiz africana continuaram condenadas, a cultura negra foi renegada, colocada como pecado, afronta ao Deus cristão.

Leia o absurdo que chegou a dizer o ex presidente dos EUA, Abraham Lincoln, defensor da escravidão, em 1858: “Há uma diferença física entre as raças branca e negra, diferença essa que, acredito, irá para sempre impedir as duas raças de viverem juntas em termos de igualdade social e política. E, visto que elas não podem portanto viver juntas, enquanto elas permanecerem juntas é necessário existir a posição do superior e do inferior, e eu, assim como qualquer outro homem, sou a favor de que a posição superior seja exercida pelo homem branco". Agora troque as palavras branco e negro por heterossexual e homossexual.

Então, em 1989, criaram a lei que pune o racismo. A lei No. 7.716, de 5 de janeiro. Ela não resolveu o problema mas diminuiu drasticamente a agressão aos afro descendentes, colocando como crime inafiançável o desrespeito e preconceito com base na cor da pele, além de outros tipos de racismo. A mesma lei que o PLC 122 quer incluir a criminalização da homofobia, da discriminação de gênero, dos idosos e dos deficientes. A PLC 122 não cria nada novo, ela inclui outros segmentos nessa lei que impactou positivamente na sociedade brasileira, embora ainda vá demorar gerações até que o ranço da maldade do preconceito suma.

E aqueles que dizem que a liberdade de expressão será comprometida deveriam avaliar e ver se esse argumento se encaixa ao direito de criticar ou ofender os negros. Há os que defendem que estão querendo, com o PLC 122, criar um tipo de cidadão com mais direitos. Mas é a mesma lei do racismo!? Então, estas pessoas que acreditam que ser gay não é característica de nascimento mas um comportamento e afirmam que a Bíblia condena esta prática e não poder citar a Bíblia seria uma censura ao direito de culto ou liberdade religiosa ou de expressão. Ora, a sua religião é que se trata de comportamento, algo humano, aprendido e seguido. Gostaria que você fosse chamado de ignorante, burro, zumbi, alienado por escolher ser religioso? A lei do racismo inclui a proibição por religião. Como que podem criticar uma lei que justamente já os proteje?

Bem, a homossexualidade está presente em diversas espécies animais, inclusive na Bíblia, quando é citado o amor de Davi e Jonatas. E sobre a condenação dos negros na Bíblia, lá se encontram os mandamentos que legitimaram a escravidão do povo africano, bem como a subserviência da mulher e até o apedrejamento e mortes de inimigos. Por que não defendem então a liberdade de culto ou de expressão para combater as mulheres em período fértil que saem as ruas, os homens que cortam as barbas, ou ainda não defendem o apedrejamento, como prega a Bíblia? Ou vamos condenar moralmente a presidenta da República que é divorciada, ou o pastor que se casou novamente, ou mesmo o padre que não tem família pois não tem mulher ou que não faz filhos? Já que este é outro argumento para coibir a homossexualidade, sendo que gays e lésbicas podem sim ter filhos, embora o mundo já esteja superlotado, se não perceberam.

O nosso passado negro nos leva à Era das Trevas, na Idade Média, quando a Bíblia caçou, perseguiu, massacrou como nunca, em nome da fé. Ou mesmo o Holocausto, onde os mesmos argumentos foram usados contra judeus, negros, gays, comunistas e ciganos, entre outros grupos. O argumento da superioridade, o da missão divina, a auto denominação de guardiões da moral e do destino da humanidade. Sim, a religiosidade pode se tornar um princípio nazista, quando prega a superioridade e a higienização. Foi assim no Holocausto, quando foi negada a cidadania dos judeus, até que os tiraram toda a sua dignidade, o direito a serem humanos e legalmente os mataram em câmaras de gás. O discurso cristão apóia os crimes contra homossexuais, pois os assassinos subjugam suas vítimas, não olham ali um ser humano mas um pecador, um objeto de nojo e desprezo, tal como os nazistas aos judeus e outros grupos, tal como os fundamentalistas aos homossexuais.

Liberdade de expressão vem junto com seus deveres e obrigações. Ninguém tem o direito de subjugar o outro, de propagar ódio, ou de se denominar superior por causa de uma religião. Se os ditos representantes divinos assumem esse papel, devem assumir primeiro todos os crimes cometidos em nome da Bíblia, olhar para suas mãos ensangüentadas. Querem o direito de criticar mas não admitem que homossexuais acessem seus direitos constitucionais e nem manifestem o amor em público. Quem está querendo ser especial nesta história? Os heterossexuais nada perdem com o reconhecimento da cidadania plena dos homossexuais. Ganham até, pois aprenderão a evoluir, a se livrar de preconceitos, de mesquinharias. A felicidade alheia pode perturbar? Corromper? Preste atenção neste argumento. Se felicidade dos gays te incomoda, há algo errado com você.

Me nego a direcionar este texto aos religiosos, assim como não publico comentários fora de contexto, com referências a Deus ou à Bíblia no site quando há citações para discriminar gays ou palavras de juízo. Estamos falando de Democracia. O SEU Deus não é único, cada povo e pessoa tem o seu. Se você segue a Bíblia e acredita que este é um manual divino, bem, lamento te informar mas cada religião tem o seu livro e igualmente acreditam que ele é sagrado. E o cristianismo não é a maior religião do mundo, sinto informar novamente. Não importa no que eu acredito, estamos falando de direitos. E o seu começa quando termina o do outro. Então, siga a Bíblia se quiser, dentro da sua casa ou no templo. Do lado de fora, vivemos uma Democracia onde todos tem direitos, seja qual for o seu Deus, e até os que não acreditam em nada ou os que acreditam em divindades maléficas.

Para esclarecer: o meu Deus é bom, o meu Deus é onipresente e onipotente. Por isso não coloco palavras em sua boca, eu o vejo em todos os lugares e não julgo se isso ou aquilo é certo, pois sei que Ele se manifesta de várias formas, além da minha compreensão.

Todo ser humano nasce com um manual de instruções. Não é um livro, não é um destino, não é uma divindade. Todo ser humano nasce com um manual dentro de si e ele se chama cérebro; Foi feito para ser usado. Todo ser humano nasce livre e o jeito que ele usa o seu cérebro sentencia se ele morre livre ou escravo de sua ignorância.

3 comentários:

  1. É isso. Concordo em gênero, número e grau. Bacana o texto.

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  2. Mais um óptimo texto! Aplaudo de pé! E solidarizo-me.

    Na verdade, amigo, desde que cheguei ao Brasil passei a sentir um incómodo tão grande com a imensa pressão que as igrejas e os seus acólitos fazem sobre a sociedade em geral e cada indivíduo particularmente, que quase dei comido a passa a odiar tudo quanto fosse religião ou a ela estivesse ligado.
    Ainda hoje eu escrevia (e proximamente publicarei) que tenho os meus dogmas religiosos e espirituais, mas que são meus e para serem vividos na intimidade, pois é aí que cada um encontra o seu aspecto divino. Nenhum dos meus dogmas tem de atrapalhar o meu convívio com os meus concidadãos.
    Aborrece-me essa prepotência religiosa. Tiques duma arrogância opressiva e dominadora que persistem dum passado que já deveria ter ficado lá muito para trás.

    Beijos

    PS: acho que vou roubar a imagem. rsrsrs

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