A letra de Alejandro é, sem dúvida, entendida de forma geral como um relato de um melodrama amoroso latino mal-sucedido... Prefiro ir mais além. Por trás do refrão repetitivo e dos looks “exóticos” lançados, respectivamente, na música e no clipe, existe um eu-lírico feminino que canta a ausência da figura masculina e a remete a um passado dramático e inalcançável. Ops, estamos falando do medievalismo trovadoresco! Para ser mais preciso das cantigas de amigo do século XII e XIII.... E as atribuições literárias não param por aí, pois considero também na música uma espécie de romantismo da segunda geração... sobretudo quando se trata da hermeticidade em que o eu-lírico feminino é colocado em relação ao personagem Alejandro. (ela tem ambas as mãos nos bolsos e não olhará para você/ ela escondeu o verdadeiro amor no bolso [...] /Não chame meu nome, Alejandro/ não sou sua amada, Fernando). Encontramos assim uma mulher inalcançável e elevada.
No entanto, essa visão não está tão restrita às convenções sociais que limitavam o espaço da mulher romântica do século XIX. Percebo aqui uma feminilidade mais impositiva, superior e independente, que marca a atual posição social da mulher no cenário mundial, isto é, ascendente. Já na esfera do sexismo, mais especificamente, consigo recortar para aqui tratar uma das últimas cenas do clipe em que Gaga usa um espécie de sutiã encrementado com longos canos de fuzil. Na verdade, entendo essa representação como uma forma mimética da luta feminista contra o Machismo e outras opressões, usando os seios, símbolo máximo de feminilidade, como armas para tal.
Outras cenas que chamam atenção referem-se ao erotismo presente a partir do 3º minuto do clipe. No vídeo, Gaga encena posições sexuais afetivas com um ator e em alguns flashes percebe-se a inversão dos papéis sexuais no ato da cópula. Na verdade, a relação sexual ali é vista como um fenômeno transcendente às disposições humanas de homem e mulher....a partir daí é possível enxergar uma mulher penetrando o outro simbolicamente como uma abordagem geral da prática afetiva e do encontro carnal como um todo, independente da convenção social vigente.
Tecerei o fecho refletindo sobre o valor atemporal da arte. Como exemplo, trago o francês Baudelaire que na época em que lançou as flores do mal foi criticado e acusado de satanismo por conta de suas alegorias putreficadas . Isso, se colocado em contraste ao valor indubtável que o poeta adquiriu hoje na academia, torna-se ridículo e incocebível; ou seja, o mundo não estava pronto para quão ofuscante é a arte de Baudelaire. De forma geral, isso acontece diariamente com dezenas de pintores, escritores, diretores de cinema e cantores. Depois de todos os argumentos citados ao longo do texto acerca da complexidade semiótica contida em um aparente videoclipe modal, só me resta um único viés de conclusão: Talvez o senso comum não esteja pronto para receber tanta informação, o que soa como extravagância, superficialismo e até loucura. Que sejam então Loucos Baudelaire, Pessoa, Machado, Joana D’arc, Galileu, Gaga.