Chego na casa de um amigo
que não vejo há semanas. Logo no portão, percebo que ele não está só. Tem uma
turma como ele, provavelmente colegas de trabalho. Como manda a boa educação, o
meu amigo me apresenta a todos os seus colegas. Aperto a mão deles, são três no
total, e ao olhar para cada um, um em especial não me agrada. Nunca o vi antes,
não sei o que faz da vida, mas a forma como me olhou não foi do meu agrado. Um olhar
meio altivo, por cima da carne seca, desconfiado, impreciso, distante, vago...
tentei classificar, porém foi difícil demais. Era um misto de coisas.
Entrei e acabei me
acomodando, meio desconfiado ainda. Conversa vai, conversa vem, o indivíduo que
me desagradou começou a falar com os presentes. Sua voz não tinha nada de
anormal. Sua postura também era comum. O papo era até interessante, mas, dentro
de mim crescia uma antipatia incontrolável. Não sabia dizer porque mas quando
bati o olho nele, nossos santos não se cruzaram. Meu olhar fez um juízo dele
que era impossível buscar naquele instante uma absolvição. Resolvi não lutar
contra o que estava sentindo. Se meu olhar sentenciou que ele não era flor que
se cheire, então deve ser verdade.
O meu olhômetro nunca
falha em casos assim. Quando bato o olho em alguém, procuro ir além do globo
ocular. É como se ao olhar para o indivíduo, eu estivesse vasculhando seus
segredos, desvendando os seus defeitos e qualidades. É uma tarefa árdua, nem
sempre exata. O olho humano é uma ilha cheias de armadilhas, cada passo em
falso pode resultar numa escolha errônea. É preciso discernimento, calma e
muitos e muitos anos de experiência para entender seus mistérios. Qualquer olhadela
errada pode culminar numa relação desgastada, num convívio desarmonioso entre
pessoas que não se enxergaram como deveriam. Foi o que aconteceu com o colega
do meu amigo. Não sabia explicar, mas naquele momento não gostei dele e não
queria ele perto do meu amigo.
Depois de uma tarde toda
de conversa, risos e petiscos, já era chegada a hora de me despedir. Só em
pensar nisso eu fiquei furioso, pois teria que voltar a falar com aquele
estranho. Não teve jeito. Antes do anoitecer, eu abracei meu amigo num anúncio
de que a minha partida já era agora. Os outros, vendo aquela cena, se
anteciparam a se despedir de mim também, dentre eles o tal rapaz que não
simpatizei. Apertei sua mão friamente. Queria deixar bem claro que ele não me
conquistou, nem um pouquinho. Quando estava a poucos passos do portão, o dito
cujo me chama. Um calafrio tomou conta da minha espinha. O que será que aquele
sujeito, que mal me conhecia, queria comigo?
Virei e atendi ao
chamado, com um sorriso aguado no rosto. Ele caminhou até mim, olhando-me com
profundidade. Senti que não era o mesmo olhar de quando nos conhecemos horas
atrás. Agora era me enxergava de forma firme, como uma autoridade pronta para
me sentenciar. Tentei responder com o mesmo olhar, mas não sei se fui
convincente. Ao começar a abrir a boca, no entanto, ele me surpreendeu. Disse que
não me conhecia, e que não foi com a minha cara quando me viu hoje pela
primeira vez. Ele falou que meio altivo, por cima da carne seca, desconfiado,
impreciso, distante, vago... disse que tentou me classificar, porém foi difícil
demais. Era um misto de coisas.
Foi como se ele estivesse
lido a minha mente. Fiquei imóvel com as palavras dele. Cada verso atacava
minhas certezas, que agora estavam mais para erradezas. Por fim ele me disse
que o olhômetro dele nunca erra, mas que naquele dia tinha cometido uma falha. Ele
me achou simpático, inteligente e bom de papo. Disse ainda que queria ser meu
amigo e pediu desculpas pelo juízo de valor que fiz dele. Meio gago, procurando
as palavras certas, apenas disse algo como, “tá certo!” e o abracei. Fui para
casa, arrasado com tudo aquilo e resolvi reler o meu material de história da
época do colégio. Abri uma página aleatória e me deparei com a famosa lei de
talião: “olho por olho, dente por dente”. Fixei nesse ponto e li. Era preciso
ampliar mais a mente.
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