08 maio 2011

Bullying, quem não sofreu? POR LUIZ CAVERSAN




“Agosto. Os jornais matinais diziam que o tempo era firme e quente, mas, aparentemente, foi por volta do meio-dia que alguma coisa excepcional começou a acontecer, e funcionários do gabinete, todos com aquela expressão desesperada de crianças vítimas de bullying, começaram a telefonar para os serviços de meteorologia.”

Não era agosto do ano passado, e o tempo quente naquele mês já deixa claro que se trata do hemisfério norte, no caso EUA, berço da expressão tão em voga ultimamente, o bullying.

Palavra na moda, mas sem tradução nos dois dicionários que tenho à mão, Michaelis e Webster’s, embora o último nos ensine que bully significa valentão, provocador e, bullied, maltratar.

O texto acima, como o estilo elegante e preciso indica, é do escritor Truman Capote (1924-1984) e foi perpetrado em nada menos que 1946. Encontra-se no livro “Ensaios” (Ed. Leya, 605 págs.), no capítulo dedicado a Nova York.

Ou seja, a moda não tem nada de novidadeira, uma vez que a ação dos valentões que provocam e intimidam os mais fracos é assim definida há décadas; novidade é o peso e a evidência que isso tem ganhado ultimamente.

Até um senador da República, no caso a nossa mesmo, foi à tribuna para revelar-se vítima do bullying, coitadinho, tão ameaçado e destratado pela imprensa que viu-se obrigado a roubar o gravador de um repórter. Depois devolveu, e ficou tudo por isso mesmo, entrando mais esse episódio na vasta ficha corrida do político paranaense Roberto Requião.

Mas, agora, bullying está aí para ficar, e não apenas, infelizmente, nas palhaçadas de políticos destemperados: a palavra foi usada, por exemplo, como justificativa pelo indescritível ser que assassinou todas aquelas crianças na escola do Rio de Janeiro. E tem sido empregada aqui e ali, com cada vez mais preocupante frequência, como justificativa para os mais tresloucados atos.

A ponto de ter virado chacota na internet, mais precisamente no Facebook, onde proliferou, nos últimos dias, o seguinte post: “Se você cresceu comendo comida caseira, andava de bicicleta sem capacete, sua casa não era à prova de crianças, você tomava uma surra se comportava-se mal, tinha uma TV com três canais e precisava levantar para mudar ou para mexer na antena, fazia o juramento à bandeira na escola, bebia água de torneira, sofria bullying na escola e saía NORMAL, cole isto em seu mural para mostrar que sobreviveu.”

Sobrevivemos…

É evidente que a citação de Capote tem tudo para ser auto-referente: precoce, feioso, míope, homossexual e com voz de menina, imagine a quantidade de bolinações (que significa contatos com fins libidinosos, mas também quer dizer apoquentar, amolar, chatear…) o cara não deve ter enfrentado na vida.

Mas quem não enfrentou, quem não tem aí um bullyingzinho para contar?

Eu!

Por conta de um sarampo, perdi metade da audição aos cinco anos de idade. Isso somado ao fato (piada pronta…) de ter tido as orelhas enormes desde sempre motivou uma infinidade de petelecos, puxões, tapas e gritos ao pé do ouvido ao longo de toda a primeira infância: Dumbo, Topo-Gigio, Surdinho. Na “segunda infância”, aprendi a me virar (sentar na primeira fila, fazer leitura labial e deixar o cabelo crescer para tapar as orelhas) e a escapar do…bullying.

A única compensação era que a coisa não rolava só comigo. Na escola tinha o ruivo, o gordo Balão, o japonês Japorongo, o negro o Tição, o Aleijado-vítima-de-pólio, o Cegueta que usava óculos fundo de garrafa e por aí vai.

Sobrevivemos todos e não me consta que nenhum deles esteja atirando em criancinhas por aí.

Mas pode ter, quem sabe, virado político com mania de roubar gravador de repórter.

Culpa do bullying…
FONTE: FOLHA SÃO PAULO

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