13 dezembro 2010

Violência contra homossexuais: o preço de SER diferente


Rildo Véras Martins[1]

“...Assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem bondade...”

(Assim Caminha a Humanidade, Lulu Santos).

Os recentes atos de violências praticados contra homossexuais em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre nos fazem refletir sobre para onde caminha a humanidade. Será que de volta à barbárie? Ou ainda é possível sonhar e verdadeiramente construir uma cultura de paz? Quais os desafios a serem enfrentados e quais estratégias podem ser utilizadas na construção de tal cultura? O que está por trás (ou pela frente, ou ao lado) da violência homofóbica?

É estranho poder observar que a sociedade contemporânea naturalizou de tal modo a violência que acha-se super normal dois homens estarem esmurrando-se em uma rua, por exemplo, e considera-se como absurdo o fato de dois homens ou duas mulheres estarem de mãos dadas ou trocando carinhos, afeto, namorando em público. O que faz com que uma pessoa agrida a outra pelo simples fato de ela ter uma orientação sexual que foge da heteronormatividade? Por que ser diferente incomoda tanto? Em seus estudos, Sigmund Freud (1856-1939) constata que muitas vezes tentamos “matar” no outro aquilo que está latente dentro de nós e que não temos coragem de encarar, d e resolver. Daí o ódio surgiria exatamente pelo fato de a outra pessoa externar isso naturalmente. Na mesma linha de Freud, Paulo Freire (1921-1997) ao estudar questões relativas à sexualidade, afirma que:

“Ninguém vive bem sua sexualidade numa sociedade tão restrita, hipócrita e falseadora de valores; uma sociedade que viveu a experiência trágica da interdição do corpo com repercussões políticas e ideológicas indiscutíveis; uma sociedade que nasceu negando o corpo.
Viver plenamente a sexualidade sem que esses fantasmas, mesmo os mais leves, os mais meigos interfiram na intimidade do casal que ama e que faz amor é muito difícil.
É preciso viver relativamente bem a sexualidade. Não podemos assumir com êxito pelo menos relativo, a paternidade, a maternidade, o professorado, a política, sem que estejamos mais ou menos em paz com a sexualidade”.

Nossa educação pós-moderna ainda deixa muito a desejar quando o assunto é a preparação do ser humano para a vida de um modo geral. Temos preparado bons técnicos, não há dúvidas. Bons profissionais têm sido lançados ao mercado de trabalho constantemente. Mas a pergunta que não quer calar é: temos, de igual modo, formado bons seres humanos? A educação ofertada por nossas escolas e famílias não leva em consideração o respeito às diferenças. Há uma padronização generalizada como se todos os seres humanos fossem (ou tivessem a obrigação) de ser iguais, se comportarem, agirem, pensarem e se expressarem exatamente uniformes.

Uma pesquisa intitulada “Escola Sem Homofobia” realizada em 11 c apitais brasileira, incluindo Recife, pela Reprolatina (Campinas-SP), ABGLT, Pathfinder do Brasil com o apoio do Ministério da Educação constatou que em geral as escolas brasileiras são hostis para com alunos homossexuais. Segundo a pesquisadora Magda Chinaglia “...a homofobia é negada pelo discurso de que não existem estudantes LGBT na escola, mas quando a gente ia conversar com os estudantes, a percepção era outra... Ouvimos muito que os LGBT não se dão ao respeito...” ou seja, traduzindo, dar-se ao respeito quer dizer que os homossexuais podem estudar desde que não se mostrem, não se revelem, contentem-se com o anonimato do “armário”. A situação ainda é pior para travestis e transexuais, pois além da invisibilidade que padecem, constatou-se que nenhuma escola autoriza o uso do nome social e tampouco o uso do banheiro feminino.

Frente a esta realidade coube aos homossexuais organizarem-se, gritarem, protestarem, saírem às ruas para dar um basta à violência e reivindicar políticas públicas que dêem conta da cidadania plena. As paradas da diversidade têm, de certa forma, cumprido tal papel de tirar os homossexuais do gueto, de mostrar a cara e serem também para além de vítimas das circunstâncias, atores e atrizes na construção da cidadania plena, onde a negação de direitos inexista.

Vale aqui destacar o papel das famílias de homossexuais no enfrentamento aos preconceitos e discriminações. É sabido que em muitos casos a primeira violência contra LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) acontece no recinto familiar. Quem nunca ouviu frases do tipo: “eu não tenho nada contra os homossexuais, mas na minha família não existem homossexuais”? Ou quem nunca ouviu relatos de LGBT que foram expulsos de casa quando os pais descobriram a orientação sexual dos filhos e filhas. A sentença é única e certa: “ou você vira homem (ou mulher) ou a porta da rua é a serventia da casa”. É bem verdade que as famílias de homossexuais também sofrem preconceitos e discriminações por que em inúmeras situações são a pontados na rua como: “aquele ali é o pai do gay, ou o irmão do gay, ou a mãe do gay...” (ou da lésbica, do/a travesti e do/a transexual). Abro aqui um parêntese para tecer um rápido comentário sobre a identidade bissexual que em nossa realidade ainda é muito disfarçada.

Dificilmente as pessoas por mais que tenham práticas bissexuais se assumem enquanto tal porque também serão motivos de chacotas e discriminações. Assim é mais fácil se esconder atrás do escudo da heterossexualidade. Particularmente conheço diversas pessoas com práticas bissexuais assumindo a identidade hétero. Dito isto vale ressaltar que com relação ao espaço familiar duas questões merecem destaque. A primeira é a de que o conceito de família no século XXI modificou-se. Já não podemos mais imaginar a família composta apenas por um homem, uma mulher e os/as filhos/as. Mas, família na contemporaneidade também é composta por dois homens ou duas mulheres com filhos ou não. A segunda questão é que está mais do que provado que nas famílias que aceitam seus filhos que expressam orientação sexual não heterossexual, eles e elas denunciam as violências que sofrem. Ou seja, o apoio da família é fundamental não somente na construção e no fortalecimento da identidade sexual, da auto-estima, bem como no fortalecimento da consciência de um ser humano portador não somente de obrigações e deveres, mas também de direitos.

Na utilização da estratégia de não se calar diante do preconceito e das diversas formas de discriminação, uma política criada pelo Governo Federal e assumida pelos estados que vem dando frutos bastante positivos são os Centros de Referência de Combate à Homofobia. Contando com uma equipe multidisciplinar formada por psicólogo/a, assistente social, advogado/a e um/a estagiário/a em cada área, os centros de referência têm sido fundamentais no acolhimento das vítimas de homofobia, lesbofobia e transfobia e no encaminhamento e acompanhamento dos casos junto aos órgãos competentes.

O sucesso dos centros de referência vem, sobretudo do fato de que as pessoas que sofrem preconceitos e discriminações, em sua maioria não têm coragem de ir até uma delegacia prestar queixa, por que muitas que ousaram em algumas situações foram também vítimas de chacotas e em alguns casos mais graves “aconselhadas” a não prestarem queixas, a “deixarem isso para lá...” No centro de referência os/as profissionais estão preparados/as não somente para ouvir mas também para acompanhar até a delegacia, se for o caso. E ainda o trabalho se estende à família da vítima e à comunidade onde ela reside. Em Pernambuco temos um centro de referência funcionando no atendimento a demandas da Região Metropolitana e outro em processo de instalação no Agreste.

No âmbito nacional o sonho, a luta e nossas energias são para que se aprove o PL 122/2006 que propõe a criminalização da homofobia. Quando for aprovado, o projeto vai alterar a Lei 7.716 e passará a caracterizar como crime a discriminação e preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Daí será possível às pessoas que sofrerem atos homofóbicos registrarem a queixa formal em uma delegacia que abrirá um processo judicial e, em sendo provada a veracidade dos fatos, o réu estará sujeito às penas estipuladas pela lei. Para além das violências físicas e psicológicas já tão conhecidas, outros tipos de violência homofóbica não podem ser desconsideradas.

Em tempos de tecnologia avançada, a internet tem sido utilizada também para propagar preconceitos e discriminações para com LGBT, negros/as, nordestinos/as, dentre outros. Nos casos de homofobia em que a mídia fez uma boa cobertura choveram mensagens de apoio aos agressores de homossexuais. De acordo com a ILGA (International Lesbian, Gay, Bissexual, Trans and Intersex Association – www.ilga.org ) o panorama mundial também não é muito animador: em 75 países a homossexualidade ainda é considerada como crime, enquanto que apenas 10 aceitam o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Dos que consideram crime seis punem com pena de morte os LGBT: Somália, Irã, Iêmen, Mauritânia, Arábia Saudita e Sudão. Para Toni Reis, presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais – http://www.abglt.org.br/ ) a situação do Brasil é a de que se não temos ainda nenhuma lei que crimi naliza a homofobia, pelo menos aqui a homossexualidade não é considerada uma crime.


“...E a gente vai à luta

E conhece a dor

Consideramos justa

Toda forma de amor...”

(Toda Forma de Amor – Lulu Santos)


[1] Sociólogo, pós-graduando em gênero e diversidade (UERJ), Assessor Especial do Governador de PE para Diversidade Sexual.

16 comentários:

  1. Olá Diogo
    Quando será que essa intolerância vai terminar? Só através de muita mobilização e pressão, vamos conseguir aprovar a lei que criminaliza a homofobia.
    Bjão

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  2. Tudo bem,é triste, MAS...estou aqui para tentar te trazer alegria!
    Vai ja para a frente de espelho
    eu espero...
    OLHOU???
    VIU???
    Pois então, nunca poderemos resolver os problemas do mundo, mas podemos fazer a nossa volta, uma cortina de alegria onde se contagia a tudo e a todos, portanto FODA-SE o preconceito e diga a si mesmo: SOU GAY SIM E ME AMO E SOU AMADO!
    e é por ae...Eu adoro o Diogo e se for gay ou não, isso não me importa, eu GÓSDIMAIS desse menino Uai e viva a vidaaaaaaaaaaaaaa!
    Vamos ser felizes cada um respeitando o limite do outro!
    Sorriaaaaa Di e escreve um poema lindo de Amor para nós que adoramos te ler, ta bom lindo!
    Beijossssssssss e Gotas de felicidades tudo Procê!

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  3. Pois é Wanderley! Até quando vamos ficar esperando algo definitivo acontecer a nosso favor?

    E Marega, concordo com as suas sensatas e sinceras palavras. Sou gay e sou muito feliz assim, pois

    SER FELIZ É SER LIVRE!

    E eu tenho aplena liberdade de viver a minha vida do jeito que achar melhor.

    Sorte minha ter pessoas tão carinhosas e compreensivas como vocês que compartilham de opiniões semelhantes as minhas...

    bjoxxxxxxxxxxxxxxx a todos!

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  4. Esclarecedor e instigante o texto do Rildo! teu Blog dá uma excelente contribuição pra esta que é uma luta urgente e válida em nossa sociedade: o respeito às diversidades!

    PAZ E BEM! Axé!

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  5. Obrigado Luciana! Mesmo não considerando um blog de temática gay, eu coloco um pouco desse assunto em foco, pois envolve não só a mim, que sou gay assumidissimo e muito bem resolvido, mas todos aqueles que procuram esclarecimentos sobre a problemática LGBTT no nosso país.

    bjoxxxxxxxxxxxxxx linda!

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  6. Olá querido, primeiro quero agradecer o carinho que teve comigo ao ler e comentar a entrevista com o António Rosa e segundo que para esses absurdos acabarem a gente não pode nunca desistir!

    Beijos

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  7. Admiro e apoio esta luta, Diogo! Uma sociedade não pode pugnar por fraternidade e igualdade com um descalabro desses.

    Acho que a barbárie nunca saiu de nosso meio. Ela vem é sendo sofisticada e mais e mais escamoteada ao longo da história.

    Palavras e mobilização permanentes. Isso é o que eu acho que deve ser feito todos os dias para incomodar as (in)consciências.

    Abração. Paz e bem.

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  8. á luta sempre... sem abaixar a cabeça
    bjos

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  9. OBRIGADO GENTE!

    Temos que unir forças contra esse descaso que acontece contra os gyas no nosso país.

    Da mesma forma, penso que outras "minorias", tais como mulheres, crianças, negros e nordestinos, também sejam alvo da nossa visão crítica e protetora.

    Bjoxxxxxxxxxxxx e todos!

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  10. Permita-me discrodar:
    A pergunta é tanto simples quanto traiçoeira. Facilmente, ao correr os olhos na tela, podemos ler: “Você é a favor da discriminação contra os homossexuais?”. Claro que não. Por princípio. Então, devo dizer sim ao projeto que vai punir a discriminação, certo? Errado. O Projeto de Lei, conhecido como PLC 122, é uma peça burlesca. É uma ameaça concreta à liberdade religiosa e à liberdade de pensamento. E mais: agride e criminaliza a opinião de quem discordar.
    Não sou contra os homossexuais,que fique CLARO! Sou contra a prática homossexual. Sou contra qualquer tipo de violencia. Sou contra qualquer tipo de privilégio que a plc 122 tornará um segmento da sociedade em seres intocáveis.Estou apenas exercendo meu direito de opinião.
    Obrigado.

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  11. Aceito a sua opinão, caro colega anônimo, mas tenho que returcar a sua ponião. O projeto de Lei PLC122/2006 não agride nenhuma forma de expressão religiosa, pelo contrário, na base dessa projeto a diversidade religiosa é citada como uma das esferas que serão privilegiadas com o projeto.

    Também discordo quando você diz que essa lei é uma "PEÇA BURLESCA". Não há nada arbitrário em querer garantir que direitos sejam assegurados a uma massa que vive sobre o prisma da intolerância. Você está vendo a questão pelos olhos da heteronormatividade numa localização privilegiada pois não sofre de preconceito ou discriminação por causa da sua sexualidade.

    Quer reflitir sobre esse assunto de forma condizente, então pare e pense: se você fosse gay e estivesse numa nação que comete atos, como os da Av. PAULISTA, será que estaria propaganado um pensamento tão tacanha e limitado quanto este? Tenho certeza que não.

    No mais, respeito a sua opinião, pois vivemos num país laico onde os posicionamentos dos outros devem ser ouvidos para que possamos retificar ou ratificar os nossos. Suas palavras foram muito importantes para mim.

    Abraços!

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  12. Diogo,

    Na que diz respeito a educação, a primeira coisa que precisa mudar, são os princípios filosóficos e ideológicos, que norteiam nossas escolas. Qual cidadão quero formar? Qual concepção de homem? Qual concepção de mundo e futuro? O que é educar?

    Paulo Freire foi um educador que lutou pelo acesso a escolarização como para a formação da consciência, pela humanização, pelo respeito ao outro. Precisamos seguir isso.

    Mas, o que ocorre nos bastidores das escolas é a pregação homofóbica, principalmente por parte dos professores. Muitos de nossos alunos, são vítimas do preconceito por parte dos colegas e fortalecido pelos funcionários das escolas. Digo isso, pois já realizei dois estudos sobre a homossexualidade e também por ser educador.

    Trabalho com educação há 6 anos e fico muito triste por encontrar colegas professores com um pensamento retrógrado, quando o assunto é a homossexualidade.

    Precisamos e urgente, de uma revolução educacional, começando pela criação de políticas educacionais que favoreça a luta contra a homofobia e depois com a formação de nossos educadores, tendo como foco uma educação humana e democrática.


    Amigo, obrigado pelo convite. Gostei demais do seu blog. Parabéns pela postagem. Vou te seguir.

    Estamos na luta.


    Abraços
    de luz e paz

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  13. A luta é ardua e o caminho incerto mas não iremos desistir! Parabéns pelo texto.

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  14. Pois é! mas a nossa vitória é certa e isso não há quem nos tire! bjoxxxxxxxxxxxx

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  15. RAÇA DESGRAÇADA! VIADINHOS DE MERDA!

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  16. Viados nojentos! morram

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