17 novembro 2016

A NOVINHA É APENAS UMA CRIANÇA


Por Isabela Moreira
Era para ser mais um dia de passeio na praia com a família. Kelli percebeu que dois rapazes olhavam para o seu corpo e ficou incomodada, mas não se sentiu em condições de protestar. Ela então saiu da orla para acompanhar a tia nas compras e, quando as duas entraram na fila do caixa, deram de cara com os dois sujeitos da praia. Um deles estava com uma câmera. “Não era pra eu perceber que ele estava tirando fotos, mas eu notei”, lembra. “Comecei a me perguntar por que caras de 20 e poucos anos estavam tirando fotos de mim. Percebi que tinha algo errado ali.” Kelli tinha 11 anos.
Os assédios não pararam por ali. Entre os 13 e os 14, ela ouviu muitas cantadas e comentários de cunho sexual pela rua. “Comecei a usar bermudão, camisa masculina e o cabelo preso. Só andava com homens porque entre eles conseguia me camuflar”, conta. Hoje com 18 anos, diz que episódios como o da praia ainda são comuns.
Nos últimos meses, as histórias de uma aspirante a miss de 13 anos, de uma cozinheira de 12 e de uma funkeira de 9 trouxeram à tona as diversas formas pelas quais crianças são hipersexualizadas e causaram a ira de coletivos feministas, que debatem os problemas que esse comportamento traz para o desenvolvimento dessas meninas.
Um levantamento do site Pornhub mostra que “teen” (adolescente, em inglês) é um dos termos mais procurados do em pornografia na internet. Fora das telas versões menores das roupas de adultas são fabricadas para meninas pequenas que, antes mesmo de desenvolverem sua identidade, entendem que só têm valor se corresponderem a padrões de beleza e sensualidade. Como consequência, a autoestima delas diminui, ao passo que o número de assédios — o primeiro ocorre, em média, aos 9,7 anos, segundo o coletivo Think Olga — e de abusos sexuais.
Por muito tempo, a erotização de crianças foi vista como normal. Cercado de câmeras no Big Brother Basil 16, o participante Laércio de Moura, 53, não se constrangeu em dizer que preferia se relacionar com meninas mais jovens, “na faixa dos 17, 18 e 20 anos”. Nas redes sociais, ele também já tinha dito que era “efebófilo”, alguém que sente atração sexual por adolescentes. Fora da casa, porém, a repercussão da fala levou a uma investigação e, em maio, ele foi preso acusado de estupro de vulnerável.
Mas o episódio é exceção no país. Foi só recentemente que o assunto começou a ser pesquisado e problematizado. E um dos primeiros casos a chamar a atenção foi o de um concurso de beleza infantojuvenil que gerou revolta na internet.
Há 30 anos o Clube Esportivo da Penha, de São Paulo, realiza o concurso Garota Verão para premiar as sócias com idades entre 13 e 17 anos consideradas as mais bonitas do clube. A cerimônia acontece em meados de fevereiro. De bíquini, com os cabelos arrumados e rostos maquiados, as participantes desfilam por um tapete vermelho em frente a uma bancada de jurados e centenas de sócios.
No início deste ano, fotos das participantes na borda da piscina foram publicadas na página do Facebook do clube. Uma das imagens exibe uma candidata de 13 anos. “Loiríssima, olhos lindos, chegou para apimentar um pouco mais o concurso”, diz a descrição da foto. Em questão de horas, a publicação estava cheia de comentários acusando o clube de sexualizar a menina. “Gente, mas são 13 anos! Apimentar? Ela não tem idade para apimentar nada!”, escreveu um usuário.
Procurada pela reportagem, a diretoria do clube afirmou que a descrição “pode ter sido mal colocada, mas foi uma brincadeira interna”. Depois do ocorrido, a postagem em questão, bem como todas as fotos das participantes, foi deletada da página do clube no Facebook. Mas internautas já haviam registrado imagens do post e repassado pela internet, questionando a necessidade de haver um concurso desse tipo para meninas de 13 a 17 anos. O evento acontece há três décadas, mas a edição deste ano foi a primeira em que se atentou para as questões da idade e da sexualização precoce das participantes. Boa parcela desse movimento tem relação direta com a campanha #primeiroassédio, do coletivo Think Olga, que reuniu nas redes sociais milhares de histórias de mulheres que foram assediadas quando crianças. Mas parte da explicação também passa pela nossa relação com a infância, que já não é a mesma de alguns anos atrás.
Coisa de criança
Em História Social da Criança da Família, o historiador francês Philippe Ariès explica que, na Idade Média, não existia o conceito da infância: as crianças eram vistas como pequenos adultos. Para o pesquisador, a noção de infância surge na Idade Moderna, quando meninos e meninas começam a ser insderidos no espaço da família. Mas é só a partir do século 20 que a sociedade passa a se preocupar de fato com o bem-estar e os direitos da criança. No Brasil, por exemplo, o conjunto de normas que têm como objetivo garantir esses direitos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, só foi criado em 1990.
A forma como elementos culturais influenciam essa construção não passou despercebida para os pesquisadores. Para a especialista em representação da mulher na mídia Meenakshi Gigi Durham, da Universidade de Iowa (EUA), a publicação do livro Lolita, de Vladimir Nabokov, em 1955, criou no imaginário cultural a imagem da menina precoce e sedutora — uma ideia que permanece no inconsciente coletivo até hoje.
No romance, Nabokov conta a história do professor Humbert Humbert, que desenvolve relações sexuais com sua enteada, Dolores, de 12 anos, por quem é obcecado. Na perspectiva do protagonista, a garota — conhecida pelos familiares como Lo e pelo padrasto como Lolita — é uma ninfeta. “Entre os 9 e 14 anos de idade, ocorrem donzelas que, a certos viajantes enfeitiçados, duas ou muitas vezes mais velhos do que elas, revelam sua verdadeira natureza que não é humana, mas nínfica (isto é, demoníaca); e essas criaturas predestinadas proponho designar como ‘ninfetas’”, explica o professor no livro. No dicionário, é definida como ninfeta uma “menina jovem ou adolescente cujo comportamento ou pensamento estão direcionados para o sexo; menina que incita o desejo sexual”.
Mas essa é a visão que Humbert, um homem com o triplo de idade da enteada, tem da garota. “O crime de Humbert é o de forçá-la a agir contra a sua natureza — forçar uma criança a saltar através dos arcos da feminilidade adulta, insultando e degradando sua essência infantil”, afirma o escrito britânico Martin Amis no posfácio de Lolita (Editora Alfaguara, 2011).
“Ela é vista pelos olhos do predador como uma sedutora disposta a participar de atos sexuais, que é como predadores sempre veem as vítimas infantis. E claro, é um mito sobre o qual eles sonham a ponto de usá-lo para justificar suas ações”, explica Durham. Autora do livro The Lolita Effect: The Media Sexualization of Young Girls and What We Can Do About It (Efeito Lolita: A Sexualização de Jovens Garotas e o que Podemos Fazer Sobre Isso, em tradução livre), a pesquisadora afirma que é um equívoco enorme acusar as meninas de apresentar um comportamento visto como sensual. “Existe muita conversa sobre garotas que usam roupas sensuais e se engajam em atividades sexuais desde muito novas, e o discurso tende a culpar as meninas por tudo isso”, ressalta Durham. “Mas elas simplesmente estão reagindo a um marketing e a uma mídia agressivos que empurram na direção delas mitos de sexualização em vez de ajudá-las a entender seus próprios corpos em desenvolvimento de maneira apropriada e correta.”
Parece gente grande
Em abril de 2015, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar o teor de músicas e coreografias de funkeiros mirins. “São crianças e adolescentes cantando e desempenhando coreografias inadequadas para suas faixas etárias, em especial pelo forte conteúdo erótico e de apelo sexual”, disse o promotor Eduardo Dias de Souza Ferreira na época.
Uma das crianças investigadas foi Gabriela Abreu, mais conhecida como MC Melody, então com 8 anos de idade. A funkeira mirim começou a ganhar atenção na internet após a viralização de um vídeo em ela aparece fazendo a coreografia altamente erotizada da música “Quadradinho de Oito”, do grupo Bonde das Maravilhas. Naquele mesmo ano, o MP fez com que MC Belinho, pai e empresário da menina, assinasse um termo de ajustamento de conduta, compromentendo-se a cumprir uma série de medidas para garantir o bem-estar da filha, entre elas a retirada de expressões de conotação pornográfica de suas músicas e a garantia de que ela usaria roupas adequadas para sua idade. Uma das maiores acusações na época do processo era a de que MC Belinho estaria explorando a imagem da filha para lucrar. Procurado pela reportagem, o funkeiro até concordou em conversar, mas com uma condição: o pagamento antecipado de R$ 2 mil (a repórter declinou da oferta).
Passado um ano desde a abertura do inquérito do Ministério Público, Melody — atualmente com 9 anos — continua fazendo aparições na mídia. Em programas de auditório, costuma se apresentar como uma versão pequena de uma adulta. Para um quadro do programa Pânico na Band, a menina reproduziu o clipe de “Bang”, de Anitta, em que, caracterizada como a cantora de 23 anos, rebola e joga os cabelos para os lados, fazendo a coreografia acompanhada de duas dançarinas adultas.
Para os acadêmicos, essa contradição entre a busca pela garantia da inocência da infância e a erotização precoce tem nome: pedofilização. O termo foi cunhado pela pesquisadora Jane Felipe de Souza, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Ao mesmo tempo que a nossa sociedade faz leis para proteger a infância e a adolescência, também coloca os corpos infantis dentro da perspectiva de espetacularização desses corpos e da sexualidade”, explica Souza.
De acordo com ela, existem roteiros sociais que definem o que é o ideal de cada gênero antes mesmo que as crianças nasçam. Espera-se que o bebê seja durão se for menino e delicado se for menina. E as expectativas não ficam só no plano do discurso e das ideias: produtos desenvolvidos para crianças nas mais tenras idades já reproduzem esses valores.
Na pesquisa Que linda, parece gente grande — Construção de um ideal de feminilidade na infância, a pedagoga Annelise Ribeiro, também da UFRGS, conta que, ao anunciar que estava grávida de uma menina, amigos e parentes começaram a lhe enviar imagens de roupas infantis femininas. Ela logo reparou que a erotização precoce era constante nas roupinhas e acessórios para bebês do sexo feminino.Com base na análise dos catálogos de duas lojas virtuais, a pedagoga constatou a presença de transparências, ombros de fora, costas nuas e o uso de tecidos como cetim, tafetá e malhas apertadas na maioria das peças.
Em muitas das imagens estudadas por Ribeiro, as meninas aparecem como miniaturas de mulheres adultas. Segundo ela, a adultização da infância é um fenômeno do nosso tempo. “Vestir e produzir uma criança como adulto é privá-la de vivenciar situações fundamentais para o seu desenvolvimento, como a liberdade de correr, saltar, pular. Para isso, é preciso que ela use roupas que possam facilitar tais movimentos”, escreve Ribeiro. “Pulando fases, a criança não amadurecerá psiquicamente o suficiente para lidar com as transformações que virão até alcançar a vida adulta.”
Essas características não são privilégio da moda comercial. Em 2006, a doutora em Educação Dinah Quesada percebeu que os uniformes de algumas escolas também erotizam precocemente as crianças, principalmente as meninas. Na ocasião, ela trabalhava em uma escola da rede privada de Porto Alegre que oferecia versões diferentes do mesmo uniforme para meninos e meninas. “Desde a educação infantil já existia a possibilidade do investimento no corpo por meio dos uniformes, aspecto que se aprofundava no Ensino Fundamental”, diz Quesada. “Para os meninos, os ideários de masculinidade eram reproduzir o corte de cabelo da época e, se possível, usar algum acessório relacionado ao esporte. Mas esse investimento era muito mais forte nas meninas. Inclusive, o número de peças de uniforme era maior para elas.”
Para as meninas, o uniforme unissex e as camisetas eram consideradas “roupas de menino”. Por isso, elas preferiam peças mais apertadas, como calça legging e blusas baby look. Além disso, as alunas de Quesada se envolviam com outros aspectos da aparência. “Elas não só escolhiam as peças como usavam maquiagem, faziam a unha, queriam arrumar o cabelo”, afirma. Como aponta ela em sua pesquisa, quando apareciam arrumadas, as meninas eram elogiadas pelos meninos e, por vezes, até por pais e professores; quando não o faziam, eram consideradas desleixadas.
O oposto também ocorre. No Colégio Anchieta, também de Porto Alegre, a partir do 8º ano os estudantes podem usar as roupas que quiserem — em partes: se as meninas usam shorts, são convidadas a se retirar da sala de aula; se os meninos vestem bermudas e chinelos, nada acontece. “A justificativa da escola é que o uso do shorts está proibido porque pode causar acidentes e prende a atenção dos alunos e professores. Parece que é mais importante que os meninos aprendam as matérias do que as meninas”, reclama a estudante Júlia Martins, do 2º colegial.
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No fim de fevereiro, Martins e suas colegas criaram o movimento “Vai ter shortinho sim”. Elas criaram um abaixo-assinado para ser entregue à diretoria. “Em vez de humilhar meninas por usar shorts em climas quentes, ensine estudantes e professores homens a não sexualizar partes normais do corpo feminino”, dizia o documento. O objetivo era conseguir cem assinaturas — elas conseguiram mais de 25 mil. Mas também tiveram de lidar com críticas que dificilmente poderiam ser classificadas como construtivas. “Já que é para ficar sem dignidade nenhuma, por que vocês não vão nuas?”, dizia um comentário na página que as meninas criaram no Facebook. No final, a diretoria não liberou o uso de shorts, mas Martins não vê o episódio como de todo ruim: estudantes de colégios de todo o Brasil se inspiraram no movimento e algumas até conseguiram a permissão para usar a peça na escola. “Foi bom porque demos coragem para as pessoas. Contribuímos para que elas vissem que isso é um direito delas.”
Contudo, o Efeito Lolita também opera por contradições. Enquanto Martins e as amigas eram criticadas defender o uso de shorts, a cantora Maísa Silva, de 13 anos, era acusada de ser “ser infantil demais”. Quando lançou o clipe da música “Cabelo”, em que aparece brincando e dançando com as amigas, a jovem recebeu uma enxurrada de comentários que diziam que ela não era sensual o suficiente. “Acontece que eu tenho 13 anos, ainda não sou mulher e nem quero ser uma com essa idade”, desabafou a apresentadora do SBT em suas redes sociais. “Sou uma pré-adolescente e me comporto como menina, pois conservo minha alma de criança.”
A hipersexualização de garotas novas é perceptível principalmente por meio da pornografia. Um levantamento realizado pelo Pornhub, um dos maiores sites de conteúdo adulto do mundo, revela que “novinha” e “teen” (adolescente, em inglês) são dois dos termos mais procurados no Brasil e no mundo, respectivamente. Variações da busca por corpos infantojuvenis também ocorrem em outros países: um dos termos mais buscados na França é “etudiante française” (estudante francesa); nas Filipinas, “pinay teen” (adolescente filipina) e na Argentina, jovencitas argentinas (jovens argentinas).
Ao digitar o termo “teen” no Pornhub, mais de 290 mil vídeos aparecem. Muitos deles estrelados por adolescentes e jovens mulheres. Em Miami, nos Estados Unidos, existe toda uma estrutura pronta para recrutar meninas recém-saídas do colegial, entre 18 a 20 anos, para serem atrizes de filmes pornô amadores.
O documentário Hot Girls Wanted, dirigido por Jill Bauer e Ronna Gradus, acompanha os passos de algumas meninas que querem tentar fazer carreira na indústria pornográfica. O resultado é devastador: as moças tendem a permanecer, no máximo, três meses nos sets de filmagem; para ficarem por mais tempo, optam por gravar os tipos de cenas mais degradantes que, consequentemente, são as que pagam valores mais altos de cachê.
Em uma das cenas nos bastidores de uma gravação, o diretor instrui a atriz Rachel Bernard a não reagir quando o ator mais velho com quem contracena investir sobre ela. “É como se você nunca realmente tivesse consentido, entende?”, explica. “Nossa, me sinto todo predador”, afirma o ator. Bernard só se manifesta quando fica a sós com os documentaristas: “Eu odiei tudo aquilo. Não tem nada de sensual no que fizemos”, confessa, nervosa.
A partir da busca por “teen” em sites de pornografia é possível ainda encontrar vídeos de atrizes adultas utilizando roupas e acessórios infantis e juvenis. Entre os resultados há desde mulheres agindo de forma inocente em uniformes colegiais até outras usando chupeta e imitando o comportamento de bebês.
No artigo “Poder, Mickey Mouse e a Infantilização de Mulheres”, a socióloga Lisa Wade, do Occidental College (EUA), afirma que vivemos numa cultura imperativa na qual as mulheres têm que incorporar tanto a sensualidade quanto a fofura. “A sexualização de meninas e a infantilização de mulheres adultas são dois lados da mesma moeda. Ambos nos dizem que deveríamos achar a juventude, a inexperiência e a ingenuidade sensuais nas mulheres”, escreve.
Um estudo realizado por psicólogos da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos, sugere que quanto mais as meninas são expostas à imagens sexualizadas de mulheres na mídia, mais acreditam que precisam ser sensuais para conseguirem ser valorizadas. Ao analisar o comportamento de meninas com idades entre 10 e 15 anos, os pesquisadores descobriram ainda que o contato com a hipersexualização faz com que as jovens tenham baixa autoestima, principalmente no que diz respeito aos seus próprios corpos.
 
Nada de fiu fiu
Quando o primeiro episódio da versão brasileira do MasterChef Jr. foi ao ar, a internet entrou em polvorosa. Não só porque o reality show é um dos mais assistidos em duas telas — em que se acompanha pela televisão e pelas redes sociais —, mas pela repercussão que teve online. Percebeu-se que vários dos comentários sobre o programa eram relacionados com uma participante de 12 anos. Ou melhor, com a aparência dela. “Sobre essa participante: se tiver consenso, é pedofilia?”, escreveu um dos usuários.
O coletivo feminista Think Olga prontamente se posicionou contra esses comentários, reforçando o fato de a participante ser uma criança. Assim nasceu a campanha #primeiroassédio, em que as mulheres foram incentivadas a compartilhar a história da primeira vez em que foram vítimas de assédio. “Queríamos mostrar o quanto o assédio é comum, e a reação que isso gerou só comprova que tínhamos razão: foram 82 mil tweets mencionando a campanha em quatro dias. Ficamos impressionadas com a quantidade de compartilhamentos, mas não surpresas”, revela Luíse Bello, gerente de conteúdo do Think Olga. “O assédio é extremamente comum e normatizado, e ainda é uma conversa muito recente no Brasil e no mundo.”
Entre os compartilhamentos é possível encontrar casos que retratam diferentes tipos de assédio. Há a história da mulher que, quando tinha 7 anos, percebeu que um homem se masturbava enquanto a assistia brincar na rua com as amigas; a da mulher que, aos 5 anos, sofreu um assédio tão sério que não conseguiu nem escrever sobre o que se passou sem passar mal; e há o caso de Kelli, a moça do início desta matéria que, até a campanha do Think Olga, nunca tinha comentado sobre o ocorrido com ninguém. “Eu quis mostrar o que aconteceu comigo; todas nós passamos por esse tipo de coisa e a gente tem que divulgar esses casos. A erotização do corpo das meninas existe e é um absurdo”, diz. “Quando as mulheres começaram a ver que tinha muita gente compartilhando histórias de assédio e abuso na infância, perceberam que a culpa não era delas e que não eram as únicas que passaram por situações como aquelas”, explica Isadora Cabral, que atualmente desenvolve uma pesquisa sobre gênero, sexualidade e ciberativismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Cabral acredita que os efeitos da campanha, a primeira de vários movimentos de grande repercussão voltados para os direitos da menina e da mulher nos últimos meses, não é de curto prazo. “O poder da internet é muito grande. Quando veem essas movimentações nas redes sociais, muitas meninas novas começam a pensar sobre suas próprias experiências. Isso não só cria uma nova leva de meninas mais conscientes sobre seus direitos como gera discussões e leva os movimentos para fora da internet”, explica. Esse é o melhor caminho para que outras Kellis, Júlias e Maísas aprendam a resistir à pressão criada sobre elas e entendam que suas próprias vozes são a melhor e mais potente forma de romper esse ciclo.
*Com edição de Cristine Kist
TEXTO ORIGINAL DE REVISTA GALILEU

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