05 dezembro 2018

A decadência não chega sem avisar.



Vez ou outra a vida nos coloca numa posição de vulnerabilidade mesmo cientes de que no existir ora estamos por cima, ora por baixo. Esse equilíbrio é inevitável, mas a durabilidade de um desses polos depende unicamente de nossos esforços. No geral, o lado positivo da vida costuma ser superestimado ignorando que, cedo ou tarde, a negatividade baterá a nossa porta. Engana-se, porém, quem pensa que aquilo que consideramos ruim nos chega ao acaso. Boa parte de nossos males são velhos conhecidos nossos, sabem das nossas fraquezas, espreitam pacientemente as nossas falhas e se alojam feito parasitas nos recônditos de nossa alma, arruinando-nos de dentro para fora. A decadência é um desses invasores. Oportunista, ela espera o exato instante em que baixamos a guarda para nos reduzir a nada. Então, quando damos conta de sua presença, já estamos sós, com pouquíssimas perspectivas de mudança e desacreditados da vida. Porém, a decadência não chega sem avisar.

A priori, quando estamos em processo de ruína, acreditamos na falácia de que não fizemos nada de importante na vida e que não há mais tempo para reverter a nossa realidade. É que a decadência costuma minar a nossa noção de temporalidade para nos enfraquecer. Funciona. Muitos passam a acreditar que não foram úteis ou que seus feitos não tiveram serventia e não há mais o que melhorar. Consumidos por essa ideia de fracasso, vamos nos autoboicotando, a princípio nos acumulando de atividades para correr atrás do tempo perdido, depois amargurados por não conseguir realizar todos os desejos, os quais nem sempre são nossos. O excesso de responsabilidade e a autocobrança também colaboram com a decadência. Vivemos numa época em que temos que ser perfeitos em praticamente tudo: na escola, no trabalho, em casa, em nossos relacionamentos amorosos, com os amigos e familiares, dentro e fora das redes sociais. É um checklist interminável dificílimo de ser cumprido à risca por todos nós.

Assim, impelidos a pertencer a todos esses mundos, nos sobrecarregamos de funções, acumulamos pedidos que não são nossos, ao passo que nocauteamos a nossa personalidade, anseios, desejos e sonhos, em detrimento da sociedade. Então, quando menos esperamos, cada um daqueles pilares que não nos representava começa a ruir levando-nos a decadência. Desse modo, é preciso entender sua atuação frente aos anseios da vida moderna. Isto porque vivemos numa era em que nos é constantemente cobrado uma postura comportamental frente as demais pessoas. A felicidade virtual faz parte dessa cobrança. Nas relações individualistas da atualidade, não ser extremamente feliz, dentro do modelo exigido pela sociedade, é estar excluído socialmente. Logo, outra aliada da decadência surge para nos fragilizar ainda mais, a obrigação. Somos muitas vezes obrigados a pertencer a realidades que não dizem nada sobre nós apenas para fazer parte do sistema e quando nos damos conta dessa prisão, vem a tristeza, depressão, a solidão, elementos que degradam o corpo físico, mente e alma.

Essa série de determinações sociais vai, aos poucos, minando nossas barreiras. Então, basta um trauma, uma promoção no trabalho que não veio, uma morte inesperada de alguém muito especial para nós, uma decepção com uma pessoa de extrema confiança, uma tragédia, ou qualquer outra coisa, para nos deteriorar por completo. Confinados em nossas dores a decadência encontra no nosso sofrimento a chance de nos arruinar por completo. Nisso, ela é extremamente sorrateira por se aproveitar de nossas incertezas para nos desmoronar. Reduzidos a pó, nos agarramos ao arrependimento de algo que nem sabemos ao certo do que se trata. É quando entra em cena a partícula se: e se eu tivesse feito isso? E se eu tivesse escutado aquele conselho? E se eu não tivesse ido por aquele caminho? Não adianta. Lamentar os deslizes do passado não vai amenizar as dores do presente, apenas dar vazão para que a decadência se alastre ainda mais em nós.

Perecendo em um mar de frustração, costumamos também acusar o outro por aquilo que nos acontece. Não é uma prática individual, mas cultural. A humanidade sentenciou o desconhecido para não assumir a responsabilidade pelos seus atos falhos. Logo, quando estamos em declínio, acionamos essa função humana em nosso DNA para punir todos aqueles que podem ter uma parcela de culpa sobre nosso estado decadente. Contudo, mesmo penalizando todos a nossa volta, não é o bastante para nos resgatar da decadência, que a essa altura já está nos consumindo por completo. Então, quando recobramos a lucidez, percebemos a tolice que há em não admitir o óbvio: somos nós que atraímos a decadência para a nossa vida, seja através de brechas abertas, seja por meio de descuidos, ou ainda pela falsa ideia de superioridade que insiste em nos nivelar dos demais. Todavia, se você chegou a este nível de involução, saiba que há como sair dessa realidade e assegurar o equilíbrio de sua vida.

Basta aceitar que estamos susceptíveis a tudo. Os dias bons costumam criar uma zona de conforto nos fazendo acreditar que todos os demais serão semelhantes ou melhores. Porém, na balança da existência, às vezes o fardo maior recai em nossos ombros. Precisamos estar fortalecidos para suportar qualquer demanda que vier. E, caso não estejamos prontos, as invés de culpar o mundo, unimo-nos a ele arregimentando forças que possam nos auxiliar a resistir. Lamentar pelo que não foi feito também não é saudável. Só o agora faz sentido. O que se foi deve ficar onde está. Revisitar o passado apenas quando for para recordar dos breves momentos de alegria que nos construíram, fazendo-nos chegar até onde chegamos. Mais que tudo isso, acreditar que nenhuma decadência é eterna, desde que tenhamos em mente que, semelhante a terra, a vida gira constantemente. O lugar que estamos agora, por mais decadente que possa parecer, não será eterno, desde que não esqueçamos de acreditar em nossas potencialidades. Temos muito a oferecer enquanto houver fôlego, criatividade e fé na vida.

Por tudo isso, não deixe que a decadência se demore dentro de si. Impeça sua permanência e garanta que o equilíbrio volte a fazer parte de sua rotina. Aproveite apenas essa fase ruim para acumular aprendizado e maturidade para enfrentar futuras crises. Até porque as maiores reflexões da vida são feitas quando chegamos ao fundo do poço. Lá embaixo, geralmente abandonados, paramos para repensar o que fizemos, ou deveríamos ter feito, para evitar chegar a tal estágio. As hipóteses não demoram a surgir, todas miraculosas em sua essência transformadora. Caso tivessem sido utilizadas antes do fracasso bater a nossa porta, evitaríamos a derrota. Passado a fase do se, adentramos ao período acusativo, transferindo a responsabilidade dos nossos erros para terceiros, que até podem ter contribuído para a nossa derrocada, mas não foram os únicos. Em grande medida, somos os protagonistas do bem ou do mal que nos acomete. O problema é que ignoramos os sinais da decadência, por mais claros e visíveis que eles nos sejam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário