19 abril 2015

Olhômetro



Chego na casa de um amigo que não vejo há semanas. Logo no portão, percebo que ele não está só. Tem uma turma como ele, provavelmente colegas de trabalho. Como manda a boa educação, o meu amigo me apresenta a todos os seus colegas. Aperto a mão deles, são três no total, e ao olhar para cada um, um em especial não me agrada. Nunca o vi antes, não sei o que faz da vida, mas a forma como me olhou não foi do meu agrado. Um olhar meio altivo, por cima da carne seca, desconfiado, impreciso, distante, vago... tentei classificar, porém foi difícil demais. Era um misto de coisas.

Entrei e acabei me acomodando, meio desconfiado ainda. Conversa vai, conversa vem, o indivíduo que me desagradou começou a falar com os presentes. Sua voz não tinha nada de anormal. Sua postura também era comum. O papo era até interessante, mas, dentro de mim crescia uma antipatia incontrolável. Não sabia dizer porque mas quando bati o olho nele, nossos santos não se cruzaram. Meu olhar fez um juízo dele que era impossível buscar naquele instante uma absolvição. Resolvi não lutar contra o que estava sentindo. Se meu olhar sentenciou que ele não era flor que se cheire, então deve ser verdade.

O meu olhômetro nunca falha em casos assim. Quando bato o olho em alguém, procuro ir além do globo ocular. É como se ao olhar para o indivíduo, eu estivesse vasculhando seus segredos, desvendando os seus defeitos e qualidades. É uma tarefa árdua, nem sempre exata. O olho humano é uma ilha cheias de armadilhas, cada passo em falso pode resultar numa escolha errônea. É preciso discernimento, calma e muitos e muitos anos de experiência para entender seus mistérios. Qualquer olhadela errada pode culminar numa relação desgastada, num convívio desarmonioso entre pessoas que não se enxergaram como deveriam. Foi o que aconteceu com o colega do meu amigo. Não sabia explicar, mas naquele momento não gostei dele e não queria ele perto do meu amigo.

Depois de uma tarde toda de conversa, risos e petiscos, já era chegada a hora de me despedir. Só em pensar nisso eu fiquei furioso, pois teria que voltar a falar com aquele estranho. Não teve jeito. Antes do anoitecer, eu abracei meu amigo num anúncio de que a minha partida já era agora. Os outros, vendo aquela cena, se anteciparam a se despedir de mim também, dentre eles o tal rapaz que não simpatizei. Apertei sua mão friamente. Queria deixar bem claro que ele não me conquistou, nem um pouquinho. Quando estava a poucos passos do portão, o dito cujo me chama. Um calafrio tomou conta da minha espinha. O que será que aquele sujeito, que mal me conhecia, queria comigo?

Virei e atendi ao chamado, com um sorriso aguado no rosto. Ele caminhou até mim, olhando-me com profundidade. Senti que não era o mesmo olhar de quando nos conhecemos horas atrás. Agora era me enxergava de forma firme, como uma autoridade pronta para me sentenciar. Tentei responder com o mesmo olhar, mas não sei se fui convincente. Ao começar a abrir a boca, no entanto, ele me surpreendeu. Disse que não me conhecia, e que não foi com a minha cara quando me viu hoje pela primeira vez. Ele falou que meio altivo, por cima da carne seca, desconfiado, impreciso, distante, vago... disse que tentou me classificar, porém foi difícil demais. Era um misto de coisas.


Foi como se ele estivesse lido a minha mente. Fiquei imóvel com as palavras dele. Cada verso atacava minhas certezas, que agora estavam mais para erradezas. Por fim ele me disse que o olhômetro dele nunca erra, mas que naquele dia tinha cometido uma falha. Ele me achou simpático, inteligente e bom de papo. Disse ainda que queria ser meu amigo e pediu desculpas pelo juízo de valor que fiz dele. Meio gago, procurando as palavras certas, apenas disse algo como, “tá certo!” e o abracei. Fui para casa, arrasado com tudo aquilo e resolvi reler o meu material de história da época do colégio. Abri uma página aleatória e me deparei com a famosa lei de talião: “olho por olho, dente por dente”. Fixei nesse ponto e li. Era preciso ampliar mais a mente.

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