30 abril 2019



Nem faz muito tempo assim, eu estava assistindo ao vídeo feito pelos maravilhosos integrantes do Porta dos Fundos intitulado de Escola sem Partido. Nele, aparecia uma professora sendo interrogada pelos alunos a se posicionar sobre questões cada vez mais delicadas no país ligadas a história nacional, ao passo que a turma toda, aparelhada com o que há de mais moderno em tecnologia, filmava o posicionamento da docente. Na ocasião, dei jubilosas risadas da comicidade envolta naquela ideia, mas não imaginava que o cômico tão rapidamente ganharia ares trágicos. Todavia, como a arte imita a vida, nos dramas reais, professores passaram a sentir o peso da sensura desse governo desgovernado que rege a nação.

Há poucos dias, um educador perdeu o emprego após passar pela mesma situação teatralizada pelo Porta dos Fundos, em que critica em sala a postura, indiscutivelmente criticável, do presidente (em minúsculo mesmo) Jair Bolsonaro. Senti um misto de raiva e indigestão quando li essa matéria. Aliás, a cada posicionamento do atual governante da nação, eu preciso fazer um mantra, ressuscitar o meu nirvana, preparando-me para a enxurrada de absurdos que sairão da fossa que ele tem na boca. Pois bem, como porcos não costumam andar sozinhos, a horda de malucos na política escolheram a educação como o epicentro dos seus ataques.

O impronunciável Ministro da Educação, seguindo a mesma retórica insana da presidência, foi categórico ao legitimar o direito dos alunos em filmar professores em sala de aula como um direito dos discentes. Pouco antes disso, Bolsonaro usa o twitter, sua principal rota de envio de barbaridades virtuais, para inferiorizar os cursos de humanas e enaltecer a leitura e a escrita; algo, diga-se de passagem, incongruente, pois o que menos tem sido feito pela corja no poder é uma leitura interpretativa da realidade. Voltando à vigilância eletrônica endossada pelo governo, percebemos, ou deveríamos, qual é a meta por trás desse cinema retrô: emudecer a educação.

Ao aprovar o novo ensino médio, implantar a educação domiciliar e vetar a educação sexual nas escolas, paulatinamente a intenção desses políticos é silenciar os alunos por meio da castração do saber crítico, o qual é autônomo por excelência. Agora o alvo mira em cheio nos educadores. Por meio de uma conduta clara de intimidação, espera-se subserviência dos docentes, os quais terão a passividade em suas aulas como artifício pedagógico, caso queiram permanecer em seus cargos. O tiro de misericórdia já está sendo engatilhado. Em mais um ataque ao saber, Bolsonaro começa a semana afirmando que mudará o patrono do Brasil, o educador mais respeitado do mundo, Paulo Freire, por outro aos moldes do governo. Talvez ele opte por Olavo de Carvalho, um total desconhecido das academias sérias brasileiras, de formação duvidosa e cheio de demagogia alienante, usada a torto e a direito para a chegada da burrice ao poder.

Nada mais justo do que substituir um grande pensador por um perturbador da ordem pública numa era onde o pensar deixou de ser ação para ser ofensa. Entretanto, já que a luz, câmera e ação (leia-se perseguição) estarão nos curtas metragens dos dramas educacionais brasileiros, antes do professor ser o protagonista desse cinema pornô, é preciso destacar o vilão da história, o governo. Aos alunos co-diretores, que compactuam com tamanha obscenidade, gravem a falta de estrutura das suas escolas, carteiras quebradas e/ou insuficientes; material defasado, atrasado e revisado por uma política de apagamento da história. Filmem a violência escolar, o bullying, as armas, drogas e todas as balas perdidas desferidas pela sociedade do dedinho apontado.

Não se esqueçam de registrar em close a feição de fome dos seus colegas, o déficit na aprendizagem que decorre disso, o abandono de muitos responsáveis que delegam ao professor o papel de pai e mãe. Se der, façam ainda um slow motion dos ataques de seus colegas desrespeitosos aos seus docentes, mostrando ao presidente quem são as reais vítimas da deseducação do país. Por fim, aos com celulares mais chiques, aproveitem e façam um plano sequência de vocês mesmos falando diretamente ao presidente da nação sobre o que falta para que a educação seja de fato de qualidade.

Talvez assim com algo gravado por vocês ele dê ouvidos às necessidades no ensino, já que os apelos dos profissionais da área e as teorias de pessoas renomadas são ignoradas por ele. Quem sabe não rola uma premiação, hein?!Garanto que o cenário escolar brasileiro, se dirigido por alguém sério, levaria um Oscar na categoria drama, quiçá comédia. Enquanto não há nada de artístico nisso, vemos estarrecidos o amadorismo governar o Brasil, em detrimento daquilo que perdeu seu status quo na sociedade, a livre expressão do pensamento. Que venham os grilhões!


59° lugar. Esta é a posição do Brasil no último PISA, Programa Internacional de Avaliação dos Alunos, entre os 70 países participantes. Para conseguir essa vergonhosa colocação, o país fez feio nos quesitos matemática, ciências e leitura. Aliás, no que se refere a ler, a pátria que tem exaltado as armas ao invés dos livros vai se aproximar ainda mais do derradeiro lugar neste pódio. Antes, porém, é incontestável que em sucessivos planos governamentais a educação não foi prioridade. Isto porque, numa relação clara de adestramento, subserviência e tecnicismo, o foco é mecanizar o saber transformando nossos estudantes em meros protótipos do sistema.

Decerto, para alcançar este vexatório posto só um misto de descompromisso e burrice regeram, e regem, esse (des)educado Brasil. Como tudo que é ruim pode piorar, o cataclismático governo de Jair Bolsonaro assina a ordem para permitir que pais possam educar seus rebentos em casa. A priori, todavia, é preciso concatenar o porquê da educação ter se tornado o alvo dessa nova política que acomete o país. Muito antes de ser empossado, a persona não grata da figura Temer conseguiu modificar o ensino médio, permitindo aos estudantes moldarem a sua grade de estudos ao seu belprazer. Entrementes, a discussão da Escola sem Partido avançava a todo vapor também com os olhares elogiosos de Bolsonaro.

Entre as metas do, na época presidenciável, estavam a educação domiciliar e a proibição do tema educação sexual nas escolas. Ora, apenas aqui há práticas claras de cerceamento da liberdade pedagógica, além da negação às pesquisas científicas e silenciamento de discussões caras aos nossos jovens. Entretanto, o bombardeamento na esfera educacional têm propósitos mais nefastos. Após a empobrecimento cognitivo transmitido pelas fake news, que levaram aquele cidadão ao poder, o governo resolveu esculhambar de vez o que já era uma balbúrdia. Agora, com aval legislativo, diversos projetos pretendem emburrecer a sociedade por meio de uma (des)educação sem respaldo científico, eivada pela interferência perigosíssima de setores religiosos e descomprometida com o que há de mais vanguardista na formação intelectual da sociedade. É educar para doutrinar.

Trata-se de marionetes cuja função é perpetuar na política uma esfera de governo tirano e claramente inexperiente. A prática do Homeschooling é uma prova disso. Conhecido como educação domiciliar, tal modalidade é aceita em grandes nações espalhadas pelo mundo. No entanto, em muitas delas educa-se seus entes em casa porque há toda uma estrutura sócio-cultural efetiva, capaz de oferecer aos responsáveis o mínimo de arcabouço para orientar seus alunos-familiares. Porém, diferente deles, o Brasil possui diversos entraves que antecedem o colégio de um lado e, do outro, adentram os muros escolares atrapalhando a aprendizagem.

Diante de um projeto de ensino deveras avacalhado, estamos permitindo que diversos professores formados, detentores de anos de experiência em sala de aula - e das dificuldades que cercam está atividade - sejam desmoralizados por um governo que permite pessoas sem qualquer noção pedagógica de ensinar a nossa juventude. É evidente o desconhecimento político das teorias de Paulo Freire acerca da pedagogia, sobretudo aquelas que veem a opressão em torno daquilo que há nos moldes clássicos de ensino. Contudo, as contribuições freirianas, aceitas e respeitadas em diversas universidades do mundo, são ridicularizadas na vala que se tornou o Brasil de Bolsonaro. Submergindo na lama da ignorância, estamos atolados até o pescoço com as medidas insanas desse governo despreparado, o qual tem conseguido a proeza de deteriorar o que já está em ruínas. Não falta muito para o pouco fôlego restante extinguir-se de nossos pulmões. Até lá, o ar continua mais rarefeito todas as vezes que o presidente de muitos brasileiros, não o meu, pronuncia alguma barbaridade com ares benfazejos na mídia.

Enquanto desdenham dessa maneira da nossa Educação, não irá tardar para que outros rankings, além do PISA, mostrem a defasada realidade conhecida por todos nós. O Enem está chegando e com ele a visão rasa da religiosidade fotoshopada de Bolsonaro. Será mais um tiro certeiro na morte iminente da intelectualidade do Brasil. Caso o Homeschooling se concretize, veremos a robotização juvenil em cadeia. Será o maior atentado ao conhecimento da história desse país. O efeito kamikaze de uma educação domiciliar em lares sem educação vai ser o nosso regresso a idade das cavernas. Pena que não teremos mais os dinossauros para nos entreter.