19 abril 2015

A quem pertence o espaço público? Quem não é considerado humano, passa a não ser e deixa de ter necessidades fisiológicas?



Travestis e transexuais ainda sofrem, atualmente no Brasil, uma marginalização compulsória, a esses indivíduos é negada a possibilidade de frequentar todo e qualquer terreno social. Essa noção perpassa a esfera micro e a esfera macro, seja na escola ou no trabalho, essas pessoas acabam vendo-se impedidas de acessar até mesmo os banheiros. Cinco ou seis dias semanais, com duração mínima de um período diário, em que esses indivíduos não poderão urinar ou defecar sem que, com isso, ocorra algum constrangimento, assédio, abuso, expulsão, agressão, humilhação e exposição. Esse tratamento aversivo reflete na resistência que muitas travestis e transexuais passam a ter, elas simplesmente buscam evitar esse local e isso inclusive encerra em casos graves de incontinência urinária. 

Uma simples ida ao banheiro, o que parece ser um ato corriqueiro e habitual para os inteligíveis, os cisgêneros, causa bastante desconforto e aflição para as travestis e transexuais. Qualquer sinal, ou não preenchimento de signos generificados, significará ter a sua identidade deslegitimada por esses outros, finalizando em uma violência transfóbica ao ser, costumeiramente, expulsa daquele ambiente. 

Travestis e transexuais são ejetadas dos banheiros públicos, como os verdadeiros dejetos que a sociedade encara que são, e isso representa o resultado de um processo de desumanização que, agenciado pelos considerados cidadãos de fato, mantém a existência de um projeto de ser humano que, para os legítimos, deu errado.

Não são gente, sequer precisam alimentar-se: justifica a ausência de empregabilidade formal que rodeia esse contingente. Não são pessoas, nem mesmo demandam um lar: embasa o abandono familiar que integra parte da realidade de muitas travestis e transexuais. Não fazem parte da população, tampouco necessitam estudar com nossos filhos limpinhos: alicerça a evasão escolar e o descaso em relação ao nome social. Não são humanas, seus corpos materializam uma verdadeira aberração: fundamenta o imaginário de que existem os corpos naturais que, mesmo não configurando em naturalidade alguma, possuem aparato estatal para transitar. 

Travestis e transexuais estão na mira de diversas violências abstratas, concretas, simbólicas e reais. É preciso desmistificar os espaços de alcance básico para que a pluralidade seja acolhida e resguardada. Infelizmente, como muitas mulheres cis, travestis e transexuais também são estupradas, empurrar essas pessoas para um banheiro frequentado por homens, expressa somente a maneira que a crueldade dos considerados humanos se manifesta. Também não existem dados de homens cis que apresentem-se enquanto travestis ou transexuais para cometer tal crime, esse atentado costuma ocorrer majoritariamente onde menos se espera, em casa. Medidas paliativas que segregam e colocam em perigo um grupo de pessoas em detrimento do outro, não deveriam ser senso comum. Mas, para a sociedade, algumas pessoas possuem mais valor do que outras.

Os banheiros binários possuem cabines em ambos e nos, ditos, femininos não existem mictórios. Anulando qualquer suposta possibilidade de exposição corporal por parte das travestis e transexuais. Se a sua preocupação é a de que alguém acabe visualizando o seu órgão genital, pasme, não urine ou defeque na pia. 

Deixem as travestis e transexuais em paz.

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