30 maio 2018

Quando vamos botar nosso bloco na rua? - por Almir Felitte*


A greve dos caminhoneiros, sem dúvidas, pautou todo o cenário nacional da semana. Por um breve momento, impressionantemente, a Lava Jato, a prisão de Lula e, pasmem, até a Copa do Mundo foram deixadas de lado pelo povo e pela mídia. Se a intenção era parar o país, a greve está sendo um sucesso. Por outro lado, ela é mais um episódio que deixa clara a polarização em que o país está metido.
Da grande mídia às redes sociais, o grande X da questão tem sido se esta é uma greve de trabalhadores ou um locaute patronal. Ao que tudo indica, ela parece ser um misto dos dois, o que deixa a discussão em torno do assunto ainda mais confusa.
A discussão, porém, acabou maquiando o grande problema gerador da crise: a política administrativa e de preços imposta por Temer e Parente à Petrobras. Política essa que parece ser defendida com unhas e dentes pela grande mídia, mas que os petroleiros já colocavam como uma tragédia anunciada desde o ano passado.
Em artigo publicado pela FUP[1] (Federação Única dos Petroleiros), o engenheiro e professor do IFF, Roberto Moraes, já apontava os prejuízos causados pela nova política de preços adotada pela gestão de Temer, pautada pela cotação do barril de petróleo, em dólar, no mercado internacional.
O texto alardeado pela FUP mostrava que a importação de gasolina e óleo diesel havia praticamente dobrado em menos de um semestre, deixando claro que a Petrobras estava perdendo espaço no mercado doméstico. Por outro lado, o movimento foi acompanhado de uma queda de produtividade artificial das refinarias nacionais, que em poucos meses caiu para 75% da sua capacidade, além de um aumento na exportação de petróleo cru.
Se é verdade que o Brasil sempre se colocou na posição de exportador de óleo de baixo valor agregado e importador do refinado estrangeiro, ao menos nos últimos anos havia um imenso trabalho para que se revertesse essa situação. Com Temer, agora, caminhamos no sentido contrário para atender aos desejos das petroleiras estrangeiras.
Mas pior do que isso, o episódio mostra uma irresponsabilidade e uma falta de tato enormes do Governo Temer.
Isso porque muitos analistas e a própria grande mídia[2] têm colocado ao menos 3 principais fatores para esse aumento mundial do preço do petróleo: a taxa de juros elevada dos EUA (que valorizou o dólar) e as instabilidades políticas no Irã e na Venezuela. E por conta da nova política de preços instituída por Temer e Parente na Petrobras, esse aumento teve o impacto absurdo nas bombas de postos brasileiros.
Ocorre que, vamos falar a verdade, esses 3 fatores eram relativamente previsíveis. A taxa de juros americana, por exemplo, já vinha em uma tendência de aumento desde a era Obama, quando foi aumentada pela primeira vez em anos no fim de 2015[3]. Havia, inclusive, uma certa ansiedade do mercado para que as taxas aumentassem logo, então a alta do dólar não era tão inesperada.
A questão iraniana era ainda mais previsível. Desde as eleições americanas, durante o ano de 2016, Trump já falava em romper o acordo nuclear com o Irã. Seu discurso deixava claro que, vencendo, apontaria seus canhões para o país persa. E foi em meio a esse cenário, na verdade, no mês anterior à vitória de Trump, que Temer resolveu adotar a nova política de preços na Petrobras.
Com relação à Venezuela, a não ser que o Governo Temer estivesse esperando um golpe contra Maduro que fosse colocar a PDVSA de bandeja no colo dos americanos, também não faz sentido que se pensasse que as coisas, naquele momento, estavam próximas de atingir uma calmaria.
Teriam a sanha entreguista e as migalhas prometidas cegado a cúpula do Governo Temer para o óbvio, ou será que o tal do “dreamteam” econômico de Temer é só incapaz mesmo?
Pouco importa. O que importa mesmo é que esse é mais um episódio de um Governo que tem, sim, uma capacidade enorme de destruir o país de forma extremamente rápida e intensa. Rápida demais para que a esquerda simplesmente espere de braços cruzados até as eleições de outubro.
Porém, é justamente essa postura que a greve dos caminhoneiros tem gerado em alguns setores da esquerda brasileira. Setores que parecem se comportar como em uma “Esperança Equilibrista”. E é verdade que a nossa democracia está na corda bamba. Desde o Golpe em 2016, aliás, a ordem democrática se rasgou em uma velocidade incrível. Em dois anos, passamos de uma Presidenta eleita pelo povo a uma situação onde generais de pijama deixam a caserna para ameaçar a Suprema Corte via Twitter.
Porém, não faz sentido acreditar que uma postura de não irritar o poder com mobilizações seja uma garantia de que conseguiremos empurrar com a barriga o pouco que resta de ordem democrática no Brasil até que cheguem as eleições e possamos vencer de forma triunfal. Aliás, é ingenuidade acreditar que uma direita que aplicou um golpe de Estado vá aceitar passivamente que o Brasil seja conduzido a eleições democráticas.
Sobretudo uma direita cujo único candidato que conseguiu emplacar é um ser que não consegue conjugar três frases seguidas que façam sentido na frente de um grande público. Um ser que, aliás, por isso mesmo tem evitado falar em público.
Verdade seja dita, se queremos eleições em outubro, será preciso conquistar o direito a essa votação na marra. Um Governo golpista não convocará eleições se estiver se sentindo tranquilo o bastante para não o fazer. E essa tranquilidade só pode ser tirada por meio da mobilização dos trabalhadores.
A pauta pela liberdade de Lula é mais do que legítima, é necessária. Mas ela não pode resumir toda a esquerda brasileira. Há um desmonte na Petrobras, há uma ameaça de privataria sobre a Eletrobrás, há o entreguismo do pré-sal e da Embraer, há o desemprego, há a mortalidade infantil, há uma intervenção militar no Rio. Com Lula livre ou não, todos esses problemas podem se agravar a níveis inimagináveis nesses próximos 6 meses que antecedem um novo governo (se ele existir).
Há trabalhadores se organizando em torno de insatisfações no país inteiro. Tudo indica que os petroleiros devem entrar em greve no próximo mês. Professores da rede privada de São Paulo vêm ensaiando paralisações recentes, enquanto os da rede pública deram show de resistência contra a reforma da Previdência de Dória. Funcionários da Eletrobrás também estão se movimentando e os dos Correios têm milhares de motivos para estarem descontentes.
A militância da esquerda brasileira não tem tempo pra ficar batendo cabeça e discutindo o que é greve e o que é locaute. Se for pra cruzar os braços, que seja fazendo greve. A hora é de botar o bloco dos trabalhadores na rua.
Almir Felitte é advogado, graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Visto no: Justificando

Nenhum comentário:

Postar um comentário